Você já ouviu falar em “bebê reborn”? São bonecos hiper-realistas, criados para se parecerem com recém-nascidos. Pele manchada, choro simulado, peso de verdade. Mas o que poderia ser apenas um artesanato minucioso ou uma peça de coleção ganhou contornos mais profundos — e inquietantes.
Adultos dando banho, trocando fraldas, empurrando carrinhos de passeio com bonecos como se fossem filhos. Em 2023, uma mulher no Brasil foi à Justiça para registrar oficialmente seu bebê reborn, pleiteando inclusive licença-maternidade para cuidar dele. O caso levantou polêmicas e revelou algo que vai além do exótico: a face de uma sociedade emocionalmente fragilizada, que muitas vezes escolhe a fantasia ao enfrentamento da realidade.
Enquanto isso, no mundo real, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais de 33 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos no Brasil — e outras milhares vagam pelas ruas, invisíveis, sem acolhimento, sem políticas públicas efetivas, sem amor. Crianças reais, de carne e osso, à espera de cuidado, adoção ou apenas uma chance.
O que significa, então, esse apego a um objeto inanimado? Trata-se de afeto legítimo ou de um delírio socialmente aceito, que disfarça a solidão e a desconexão dos tempos modernos?
É claro que o simbólico tem valor. Que o lúdico pode ter função terapêutica. Mas quando se judicializa o cuidado com um boneco enquanto a infância real é abandonada, temos um grave sintoma coletivo: a substituição do vínculo verdadeiro por simulações perfeitas, inofensivas e controláveis.
E o que fazer quando o Judiciário se vê diante do conflito entre a fantasia individual e o interesse público? Até onde vai o direito à subjetividade, e quando começa a responsabilidade de enxergar o mundo como ele é — com seus desafios, dores e urgências?
Estamos vivendo um tempo em que sentimentos são terceirizados, relações são performadas e o real se torna insuportável. O bebê reborn talvez seja apenas mais um reflexo disso: uma sociedade que sofre, mas prefere brincar de afeto do que transformar suas estruturas.
É hora de refletir: estamos nos aproximando do afeto… ou fugindo dele?
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