INTRODUÇÃO
A temática da adoção é objeto de vasta discussão, contudo, a investigação das causas que levam à situação de vulnerabilidade infantil e dos fatores que ensejam a destituição do poder familiar é menos explorada. O presente artigo se propõe a analisar os direitos inerentes a essas crianças e a atuação do Estado na sua efetivação. A destituição do poder familiar representa a medida mais drástica e definitiva que a Justiça pode aplicar no âmbito do Direito de Família, pois rompe permanentemente o vínculo jurídico entre pais e filhos. Tal intervenção, no entanto, não é arbitrária nem precipitada, ela é reservada para situações extremas, quando fica comprovado que a manutenção da criança ou do adolescente em seu núcleo familiar representa um grave e iminente risco ao seu bem-estar, segurança e desenvolvimento saudável.
O CARÁTER EXCEPCIONAL DA DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR
A destituição familiar, longe de ser uma medida simples ou imediata, configura-se como uma sentença grave, aplicada em casos de violência e crimes contra os filhos menores. A negligência parental, em suas diversas manifestações, emerge como a principal causa dessa perda do poder familiar. A gravidade do cenário é corroborada por dados: segundo estudos do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), disponíveis na Scientific Electronic Library Online (Scielo) e analisados por Minayo, Gomes e Silva (2022), o ano de 2022 registrou 38.899 casos de violência contra crianças de 0 a 9 anos. A maior incidência foi observada em meninas (30,1% entre 0-1 ano; 39,4% entre 2-5 anos; 30,5% entre 6-9 anos), com a residência como principal local dos abusos (88,3% dos casos). Os agressores mais frequentes são, respectivamente, a mãe (51,7%), o pai (40%) e o padrasto (6,2%).
É essencial compreender que a destituição é sempre o último recurso. Antes de adotá-la, a Justiça busca esgotar todas as medidas de apoio e proteção à família. Além disso, a decisão só pode ser tomada por um juiz após o processo judicial adequado e que assegure aos pais o direito à ampla defesa. Acima de tudo, qualquer deliberação é guiada pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, visando garantir, em última instância, seu direito fundamental a uma vida digna, segura e livre de violência.
CAUSAS DA DESTITUIÇÃO: A NEGLIGÊNCIA PARENTAL E OUTRAS VIOLAÇÕES
Os Direitos fundamentais são os direitos básicos: individuais, políticos e sociais, previstos e formalizados na Constituição Federal como lei, o que significa que são reconhecidos e validados pelo Estado. Por estarem descritos no próprio texto constitucional, o Estado tem o dever de garantir que esses direitos sejam atendidos e oferecidos de forma igualitária a toda a sociedade. Essas disposições, como as encontradas no Artigo 6º da Constituição Federal, visam ao bem-estar coletivo. As garantias fundamentais, por sua vez, existem para assegurar que esses preceitos constitucionais sejam efetivamente cumpridos em todo o país. Contudo, os direitos fundamentais são frequentemente violados por pais e mães contra seus próprios filhos dentro do núcleo familiar, ambiente que deveria ser de proteção. O Artigo 1.638 do Código Civil de 2002 elenca as condutas que, por sua gravidade, justificam a perda do poder familiar. Entre elas, destaca-se o castigo imoderado, que se manifesta por meio de agressões físicas, como espancamentos, ou por sofrimento psicológico intenso, como humilhações severas que causam traumas profundos. Outro motivo é o abandono, que pode ocorrer de múltiplas formas: o material, pela falta do fornecimento do sustento básico; o intelectual, pela negligência com a educação formal; e o afetivo, caracterizado pela total omissão nos deveres de cuidado, proteção e carinho. É fundamental ressaltar que a lei visa punir o descaso voluntário e não a condição de pobreza, que por si só não constitui motivo para a destituição.
A lei também prevê a perda do poder familiar quando os pais praticam atos contrários à moral e aos bons costumes, criando um ambiente degradante para a formação do filho. Isso inclui desde o incentivo a atividades criminosas, como roubo e tráfico, até a permissão ou prática de exploração sexual e o abuso de substâncias na presença da criança. A entrega irregular do filho para adoção, conhecida como “adoção à brasileira”, também é uma causa, pois burla os procedimentos legais criados para proteger o menor. Por fim, a legislação abrange os casos de crimes dolosos (intencionais). A destituição é prevista quando um genitor comete um crime grave contra o próprio filho ou do outro genitor, como homicídio ou contra a dignidade sexual; quando pratica violência extrema, incluindo feminicídio, ou lesão corporal grave, tornando o ambiente familiar um cenário de trauma e perigo insustentável para a criança.
Nesse contexto, percebe-se que muitos genitores não conseguem mais prover segurança e exercer o poder familiar sobre seus filhos, promovendo a vulnerabilidade social destes. Diante disso, o Poder Judiciário pode determinar o afastamento dos pais durante o processo e, em casos que visam o bem-estar dos menores, optar pela destituição do poder familiar, encaminhando-os para adoção. É importante destacar que, mesmo após a destituição, o contato entre pais e filhos pode ser mantido, a menos que a sentença judicial determine explicitamente o contrário. Segundo o Artigo 163 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o prazo legal para a conclusão do processo é de 120 dias. Com a destituição do poder familiar, a tutela e a garantia dos direitos das crianças e adolescentes são transferidas dos genitores para o Estado, que assume integralmente sua proteção.
OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A RESPONSABILIDADE ESTATAL
É nesse ponto que entra a responsabilidade do Estado. A Constituição Federal, em seu Capítulo VII, dedica atenção especial à proteção da família, da criança e do adolescente. O artigo 226 estabelece a família como base da sociedade, determinando que o Estado tem o dever de protegê-la e coibir a violência doméstica em seu núcleo, conforme seu parágrafo 8º. De forma complementar e ainda mais enfática, o artigo 227 atribui à família, à sociedade e ao Estado a responsabilidade de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais de crianças, adolescentes e jovens, como vida, saúde, educação, dignidade e convivência familiar, protegendoos de toda forma de negligência, violência e opressão. O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, reforça que o Estado deve promover políticas específicas para a saúde desse grupo, inclusive com o apoio de entidades não governamentais.
A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS
Dentre as problemáticas abordadas, é imperativo que os direitos de todos sejam atendidos, com prioridade para crianças e adolescentes que perderam sua estrutura familiar basilar. Sem esse núcleo, eles enfrentam maior dificuldade no acesso à educação, saúde e profissionalização. Lamentavelmente, muitos não têm seus direitos garantidos, buscando meios de sobrevivência, e alguns acabam ingressando no mundo do crime. Para evitar tal desfecho, o Estado deve assegurar todos os direitos fundamentais desses menores vulneráveis, desprovidos de um ambiente familiar. Caso contrário, o próprio Estado viola o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no Artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, ao negligenciar a dignidade de jovens e crianças que deveriam ter seus direitos básicos como saúde, educação, moradia, trabalho e liberdade garantidos para uma vida digna.
As jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dos Tribunais de Justiça Estaduais (TJ’s) reiteram que a destituição do poder familiar é uma medida excepcional, aplicada apenas quando a reintegração familiar se mostra comprovadamente inviável. Caso os preceitos legais não sejam respeitados, a Vara da Infância e Juventude deverá intervir com as medidas cabíveis, sempre visando o bem-estar dos menores.
CONCLUSÃO
Em síntese, a destituição do poder familiar, embora medida extrema, revela-se um instrumento essencial para a proteção integral de crianças e adolescentes em situações de grave risco e vulnerabilidade, especialmente quando o próprio núcleo familiar falha em seu papel protetivo. Os dados alarmantes sobre violência infantil demonstram a urgência da intervenção estatal. Nesse cenário, o Poder Judiciário, amparado pela legislação vigente, atua como garantidor dos direitos fundamentais, priorizando o melhor interesse dos menores. Fica evidente que a atuação do Estado, conforme preconizado na Constituição Federal, não é apenas um dever legal, mas uma imperativa moral para assegurar a dignidade da pessoa humana. Ao negligenciar a proteção desses jovens e crianças, o próprio Estado se torna cúmplice na violação de princípios basilares, comprometendo o futuro e a capacidade de desenvolvimento de uma parcela vulnerável da sociedade. Portanto, a efetivação dos direitos e a garantia de um ambiente seguro e digno para todas as crianças e adolescentes não é uma opção, mas uma responsabilidade inadiável e coletiva.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 de julho de 2025.
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DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm. Acesso em 15 de julho de 2025.
MINAYO, Maria Cecília de Souza; GOMES, Romeu; SILVA, Antônio Augusto Moura da.
Fatores associados à notificação de violência na infância no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva,
Rio de Janeiro, 2025. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csc/a/mrP9YDgVDZnMhMNTm3RRJSG. Acesso em: 15 de julho de 2025.
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