A efetividade do direito fundamental à saúde no Brasil: Entre a garantia constitucional e os desafios da realidade
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consolidou um novo paradigma de cidadania, elevando diversos direitos sociais ao patamar de direitos fundamentais. Entre eles, o direito à saúde ganhou destaque singular, sendo reconhecido, no artigo 196, como “direito de todos e dever do Estado”, a ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Essa previsão simbolizou uma ruptura com o modelo excludente que vigorava anteriormente, incorporando uma visão mais ampla de dignidade humana e solidariedade social. Assim, o direito à saúde passou a ser compreendido não apenas como ausência de enfermidades, mas como resultado de condições que assegurem qualidade de vida, justiça social e igualdade de oportunidades.
O Sistema Único de Saúde (SUS) representa um dos maiores projetos públicos de inclusão social do mundo e constitui uma das principais concretizações do espírito democrático da Constituição de 1988. Sua criação buscou romper com a lógica assistencialista e elitista da saúde pública vigente até então, garantindo a toda pessoa o acesso gratuito e igualitário aos serviços de saúde. Contudo, apesar dos avanços normativos e institucionais, a concretização efetiva desse direito ainda enfrenta inúmeros desafios, entre eles o subfinanciamento crônico, a má gestão administrativa e a desigualdade na distribuição dos recursos entre as regiões do país. Tais dificuldades revelam a distância entre o que é previsto na legislação e o que é experimentado pelo cidadão comum no cotidiano dos serviços públicos.
A judicialização da saúde tornou-se um fenômeno marcante nesse cenário, refletindo tanto o amadurecimento da consciência social quanto as falhas estruturais do Estado em garantir o direito à saúde de maneira plena. Cada vez mais cidadãos recorrem ao Poder Judiciário para assegurar o fornecimento de medicamentos, tratamentos e internações, buscando por meio das vias judiciais aquilo que deveria ser garantido administrativamente. Embora a atuação do Judiciário seja essencial em muitos casos, ela também traz consequências complexas, como o desequilíbrio orçamentário e a interferência direta em políticas públicas, exigindo um diálogo constante entre os Poderes da República. A questão não se resume a um embate institucional, mas à necessidade de coordenação eficiente e responsável para garantir que o direito à saúde seja assegurado de forma justa e equilibrada.
A pandemia de COVID-19, por sua vez, expôs com intensidade as fragilidades e potencialidades do sistema público de saúde brasileiro. A emergência sanitária demonstrou a relevância do SUS e a dedicação dos profissionais da saúde, mas também evidenciou a carência de infraestrutura, a falta de insumos, a desigualdade regional no atendimento e a necessidade urgente de uma gestão mais integrada entre União, estados e municípios. Ao mesmo tempo, a crise reforçou a importância das políticas públicas de vacinação, prevenção e conscientização social, confirmando que a saúde deve ser compreendida em sentido amplo, abarcando não apenas o tratamento de doenças, mas também ações educativas e preventivas.
A efetividade do direito à saúde, portanto, depende da atuação coordenada de diferentes setores governamentais e da implementação de políticas públicas intersetoriais. Saúde, saneamento, moradia, alimentação e educação são dimensões indissociáveis da dignidade humana, e a promoção do bem-estar social requer o fortalecimento de todos esses pilares. A Constituição de 1988 adota essa concepção ampliada, vinculando a concretização do direito à saúde à redução das desigualdades sociais e regionais. Para que esse direito seja efetivamente universal e igualitário, é imprescindível a superação das disparidades históricas que marcam o acesso aos serviços de saúde, especialmente entre regiões metropolitanas e áreas rurais ou periféricas.
Nesse contexto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) exerce papel fundamental na promoção e defesa dos direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde. Sua atuação vai além da representação da classe jurídica, alcançando a fiscalização das políticas públicas, a denúncia de omissões estatais e a proposição de medidas que garantam maior transparência e eficiência na gestão pública. A advocacia, enquanto instrumento de cidadania, tem a missão ética e social de contribuir para o fortalecimento das instituições e para o avanço de políticas que assegurem a efetividade do direito à saúde a todos os cidadãos. A OAB, ao fomentar debates e propor soluções, reafirma seu compromisso histórico com a democracia, com a justiça social e com a consolidação do Estado de Direito.
Mais de três décadas após a promulgação da Constituição Cidadã, o Brasil ainda enfrenta o desafio de transformar o direito à saúde em uma realidade plenamente efetiva. Embora o texto constitucional seja claro ao estabelecer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, a concretização desse princípio exige mais do que leis: requer vontade política, planejamento, controle social e engajamento permanente da sociedade civil. O direito à saúde não pode ser compreendido como uma concessão governamental, mas como uma conquista civilizatória, expressão do valor supremo da dignidade humana. Garantir sua efetividade é assegurar não apenas o cumprimento da Constituição, mas também o respeito à vida e à cidadania de todos os brasileiros.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2023.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2022. IPEA. Sistema Único de Saúde: Desafios e Perspectivas. Brasília: IPEA, 2023.
CNJ. Relatório Justiça em Números 2024. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2024.
PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano 2023. Nova Iorque: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2023.
OAB. Documentos Institucionais. Disponível em: https://www.oab.org.br. Acesso em: 10 out. 2025.
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