Maria Claudia de Souza Barbosa

A efetividade do direito fundamental à saúde no Brasil: Entre a garantia constitucional e os desafios da realidade

Postado em 29 de outubro de 2025 Por Maria Claudia de Souza Barbosa Estudante do 2º período de Direito pela Faculdade Católica Imaculada Conceição do Recife (FICR), com interesse nas áreas de Direito Ambiental e Direito Penal. Dedica-se ao aprimoramento acadêmico e ao desenvolvimento ético e profissional na área jurídica.

A efetividade do direito fundamental à saúde no Brasil: Entre a garantia constitucional e os desafios da realidade

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consolidou um novo paradigma de cidadania, elevando diversos direitos sociais ao patamar de direitos fundamentais. Entre eles, o direito à saúde ganhou destaque singular, sendo reconhecido, no artigo 196, como “direito de todos e dever do Estado”, a ser garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Essa previsão simbolizou uma ruptura com o modelo excludente que vigorava anteriormente, incorporando uma visão mais ampla de dignidade humana e solidariedade social. Assim, o direito à saúde passou a ser compreendido não apenas como ausência de enfermidades, mas como resultado de condições que assegurem qualidade de vida, justiça social e igualdade de oportunidades.

O Sistema Único de Saúde (SUS) representa um dos maiores projetos públicos de inclusão social do mundo e constitui uma das principais concretizações do espírito democrático da Constituição de 1988. Sua criação buscou romper com a lógica assistencialista e elitista da saúde pública vigente até então, garantindo a toda pessoa o acesso gratuito e igualitário aos serviços de saúde. Contudo, apesar dos avanços normativos e institucionais, a concretização efetiva desse direito ainda enfrenta inúmeros desafios, entre eles o subfinanciamento crônico, a má gestão administrativa e a desigualdade na distribuição dos recursos entre as regiões do país. Tais dificuldades revelam a distância entre o que é previsto na legislação e o que é experimentado pelo cidadão comum no cotidiano dos serviços públicos.

A judicialização da saúde tornou-se um fenômeno marcante nesse cenário, refletindo tanto o amadurecimento da consciência social quanto as falhas estruturais do Estado em garantir o direito à saúde de maneira plena. Cada vez mais cidadãos recorrem ao Poder Judiciário para assegurar o fornecimento de medicamentos, tratamentos e internações, buscando por meio das vias judiciais aquilo que deveria ser garantido administrativamente. Embora a atuação do Judiciário seja essencial em muitos casos, ela também traz consequências complexas, como o desequilíbrio orçamentário e a interferência direta em políticas públicas, exigindo um diálogo constante entre os Poderes da República. A questão não se resume a um embate institucional, mas à necessidade de coordenação eficiente e responsável para garantir que o direito à saúde seja assegurado de forma justa e equilibrada.

A pandemia de COVID-19, por sua vez, expôs com intensidade as fragilidades e potencialidades do sistema público de saúde brasileiro. A emergência sanitária demonstrou a relevância do SUS e a dedicação dos profissionais da saúde, mas também evidenciou a carência de infraestrutura, a falta de insumos, a desigualdade regional no atendimento e a necessidade urgente de uma gestão mais integrada entre União, estados e municípios. Ao mesmo tempo, a crise reforçou a importância das políticas públicas de vacinação, prevenção e conscientização social, confirmando que a saúde deve ser compreendida em sentido amplo, abarcando não apenas o tratamento de doenças, mas também ações educativas e preventivas.

A efetividade do direito à saúde, portanto, depende da atuação coordenada de diferentes setores governamentais e da implementação de políticas públicas intersetoriais. Saúde, saneamento, moradia, alimentação e educação são dimensões indissociáveis da dignidade humana, e a promoção do bem-estar social requer o fortalecimento de todos esses pilares. A Constituição de 1988 adota essa concepção ampliada, vinculando a concretização do direito à saúde à redução das desigualdades sociais e regionais. Para que esse direito seja efetivamente universal e igualitário, é imprescindível a superação das disparidades históricas que marcam o acesso aos serviços de saúde, especialmente entre regiões metropolitanas e áreas rurais ou periféricas.

Nesse contexto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) exerce papel fundamental na promoção e defesa dos direitos fundamentais, incluindo o direito à saúde. Sua atuação vai além da representação da classe jurídica, alcançando a fiscalização das políticas públicas, a denúncia de omissões estatais e a proposição de medidas que garantam maior transparência e eficiência na gestão pública. A advocacia, enquanto instrumento de cidadania, tem a missão ética e social de contribuir para o fortalecimento das instituições e para o avanço de políticas que assegurem a efetividade do direito à saúde a todos os cidadãos. A OAB, ao fomentar debates e propor soluções, reafirma seu compromisso histórico com a democracia, com a justiça social e com a consolidação do Estado de Direito.

Mais de três décadas após a promulgação da Constituição Cidadã, o Brasil ainda enfrenta o desafio de transformar o direito à saúde em uma realidade plenamente efetiva. Embora o texto constitucional seja claro ao estabelecer que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, a concretização desse princípio exige mais do que leis: requer vontade política, planejamento, controle social e engajamento permanente da sociedade civil. O direito à saúde não pode ser compreendido como uma concessão governamental, mas como uma conquista civilizatória, expressão do valor supremo da dignidade humana. Garantir sua efetividade é assegurar não apenas o cumprimento da Constituição, mas também o respeito à vida e à cidadania de todos os brasileiros.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2021.

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2023.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2022. IPEA. Sistema Único de Saúde: Desafios e Perspectivas. Brasília: IPEA, 2023.

CNJ. Relatório Justiça em Números 2024. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2024.

PNUD. Relatório de Desenvolvimento Humano 2023. Nova Iorque: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2023.

OAB. Documentos Institucionais. Disponível em: https://www.oab.org.br. Acesso em: 10 out. 2025.

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