Joao Davy Ramos

A exclusão dos contribuintes individuais e facultativos do Auxílio-acidente: Reflexões sobre a necessidade de educação previdenciária e possíveis caminhos de inclusão

Postado em 17 de setembro de 2025 Por João Davy Ferreira da Silva Ramos Advogado; Membro da Comissão de Direito da Seguridade Social da OAB/PE; Coordenador adjunto do IBDP em Pernambuco; Criador do Podcast “Prev para todos”; Pós graduado em Direito e processo previdenciário pela ESA/PE; Pós graduando em processo civil previdenciário pela ESMAFE/PR.

A Previdência Social, parte essencial da Seguridade Social brasileira, foi concebida para proteger contra riscos sociais e efetivar direitos fundamentais, entre eles a dignidade da pessoa humana.

No conjunto de benefícios previstos pelo Regime Geral de Previdência Social está o auxílio-acidente, de natureza indenizatória, devido ao segurado que, após sofrer acidente de qualquer natureza, passa a conviver com sequelas permanentes que reduzem sua capacidade de trabalho.

O benefício não substitui renda, mas compensa a limitação imposta pela sequela, reconhecendo que o dano ultrapassa a esfera individual e merece ser amparado pela coletividade.

A lei, no entanto, excluiu desse direito os contribuintes individuais e facultativos. O artigo 18, §1º, da Lei nº 8.213/91 limitou o rol de beneficiários a determinadas categorias, deixando de fora autônomos, profissionais liberais, microempreendedores e aqueles que, sem vínculo laboral, decidem contribuir de forma facultativa.

Durante muito tempo, até o ano de 2015, o empregado doméstico também permaneceu excluído. Apenas com a Lei Complementar nº 150 esse cenário foi corrigido, num avanço que mostrou ser possível ampliar a proteção social e corrigir distorções históricas. Mas, passados dez anos desse marco, os contribuintes individuais e facultativos continuam relegados à margem do sistema, invisíveis perante o risco de acidentes e suas consequências.

A justificativa sempre foi técnica: esses segurados não recolhem a contribuição adicional que financia os benefícios decorrentes de acidentes de trabalho, o SAT/RAT, pago pelos empregadores. O argumento, embora formalmente consistente, mostra-se socialmente insuficiente.

Acidentes não pedem carteira assinada, não distinguem empregados de autônomos, nem respeitam a burocracia da lei. O risco é universal. E a exclusão, cruel. A proteção previdenciária, quando seletiva, trai o próprio princípio da universalidade da cobertura que estrutura a seguridade social.

É justamente aí que se encontra o cerne do problema. A sociedade brasileira convive com uma profunda ausência de educação previdenciária. Desde a adolescência, não se ensina ao jovem que a forma de contribuição ao INSS influencia diretamente a extensão de sua proteção.

Ingressa-se no mercado de trabalho sem consciência das diferenças entre ser empregado, contribuinte individual ou facultativo, sem noção dos reflexos que essa escolha trará no futuro. Descobre-se, quase sempre, apenas diante da dor, da incapacidade e da sequela, que determinados direitos simplesmente não existem para algumas categorias. Esse déficit de conhecimento coletivo enfraquece a cidadania previdenciária, reduz a pressão social por mudanças legislativas e naturaliza a exclusão.

Ao contrário do que se imagina, não se trata apenas de uma lacuna normativa. Tratase de uma escolha política que, ao não enfrentar a desigualdade, a perpetua. O legislador poderia, e deveria, atualizar a Lei nº 8.213/91 para incluir contribuintes individuais e facultativos no rol dos beneficiários do auxílio-acidente, criando, se necessário, uma alíquota adicional opcional, inspirada no SAT/RAT, para viabilizar o custeio.

Seria uma saída justa e razoável, capaz de equilibrar a sustentabilidade financeira do sistema com a universalidade de proteção. Mas não basta alterar a lei sem modificar a cultura. É preciso inserir a educação previdenciária como política pública permanente, presente nas escolas, especialmente no ensino médio, preparando cidadãos para compreender direitos, deveres e os impactos de cada forma de contribuição.

Enquanto a omissão perdurar, seguiremos assistindo a um cenário em que a proteção social é privilégio de alguns e negação para muitos. O auxílio-acidente, que deveria ser expressão da solidariedade social, transforma-se em símbolo da seletividade. A experiência de 2015, com a inclusão do empregado doméstico, demonstrou que avanços são possíveis quando há pressão social e vontade política. Por que não repetir o movimento? Por que não corrigir também a exclusão dos contribuintes individuais e facultativos?

A resposta exige coragem. Coragem do legislador em enfrentar o debate. Coragem da advocacia em denunciar a desigualdade e propor soluções. Coragem da sociedade civil em exigir mudanças. Sem essa coragem, a exclusão continuará a ser tratada como normalidade, quando na verdade é injustiça.

A previdência não pode ser vista como um mecanismo seletivo, limitado pela forma de contribuição. Deve ser compreendida como um sistema solidário que protege a todos diante de riscos que não escolhem profissão nem categoria. Incluir contribuintes individuais e facultativos no auxílio-acidente é não apenas viável, mas necessário. É dar concretude ao princípio da universalidade da cobertura, é reafirmar a dignidade humana como valor central e é transformar a Previdência em verdadeiro instrumento de justiça social.

Até que isso aconteça, viveremos a contradição de um sistema que se apresenta como universal, mas insiste em negar proteção justamente a quem também contribui, ainda que de outra forma. A exclusão atual não é apenas legal; é sobretudo social. E enquanto não for enfrentada, continuará a gerar não apenas sequelas físicas nos segurados, mas uma sequela ainda maior na credibilidade do nosso sistema previdenciário.

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