Leticia Ferreira da Silva

A nova advocacia e suas expectativas: Desafios e oportunidades na era das tecnologias disruptivas

Postado em 03 de setembro de 2025 Por Letícia Ferreira Estudante de Direito, com interesse acadêmico voltado para os Direitos Humanos, o enfrentamento à violência de gênero e a promoção da equidade racial. Pesquisa e escreve sobre a aplicação da Lei Maria da Penha sob a ótica da interseccionalidade, analisando como o racismo estrutural e as desigualdades sociais impactam a vida de mulheres negras e periféricas no Brasil

A advocacia sempre foi uma profissão marcada por tradição, formalidades e pelo culto à palavra. Ao longo da história, os advogados exerceram um papel de destaque não apenas como operadores do direito, mas como defensores da cidadania, mediadores de conflitos e, muitas vezes, como atores políticos que contribuíram para a construção de sociedades mais justas. Contudo, a advocacia do século XXI está diante de um cenário inédito, repleto de desafios e oportunidades que a diferenciam profundamente das gerações anteriores. O que se denomina “nova advocacia” não se refere apenas à mudança na forma de atuação profissional, mas à transformação estrutural de todo um ecossistema jurídico.

Essa transformação é impulsionada, sobretudo, pela incorporação das novas tecnologias digitais. Softwares jurídicos, inteligência artificial, big data, blockchain e outras ferramentas disruptivas estão remodelando o modo como os profissionais do direito organizam seus escritórios, conduzem processos, analisam informações e se relacionam com os clientes. A advocacia, que sempre teve como pilar a habilidade argumentativa e a erudição jurídica, passa agora a exigir também competências tecnológicas, visão empreendedora e capacidade de adaptação a um mercado que se reinventa diariamente.

Mais do que uma tendência passageira, trata-se de uma verdadeira revolução cultural. O advogado que se limita ao modelo clássico de atuação, baseado apenas em livros, prazos e audiências presenciais, tende a perder espaço para colegas mais preparados para lidar com os novos tempos. Mas essa não é uma mudança que deve ser vista apenas com receio. Pelo contrário, é uma oportunidade de repensar a profissão e resgatar sua essência em meio às transformações, adaptando-se ao século XXI sem abrir mão do compromisso com a ética, a justiça e a dignidade da pessoa humana.

A advocacia sempre foi uma das profissões mais resistentes à modernização. Enquanto outros setores rapidamente se digitalizaram, a rotina jurídica manteve-se por muito tempo marcada pelo uso intensivo de papel, pelo excesso de burocracia e por procedimentos presenciais. O processo eletrônico, que começou a se difundir de maneira mais significativa a partir da década de 2000, foi o primeiro passo rumo à informatização do direito. Ainda assim, muitos tribunais demoraram a se adaptar e boa parte dos advogados resistia ao novo formato, alegando dificuldades de manuseio ou apego à cultura impressa.

O cenário mudou radicalmente com a pandemia de Covid-19. De uma hora para outra, as audiências presenciais foram substituídas por videoconferências, os prazos passaram a ser geridos exclusivamente em plataformas digitais e até mesmo julgamentos de tribunais superiores migraram para o ambiente virtual. Aquilo que parecia impensável se tornou cotidiano. Essa experiência coletiva deixou claro que a tecnologia não era apenas uma possibilidade, mas uma necessidade irreversível.

A partir daí, emergiu o conceito de advocacia 4.0 — uma advocacia alinhada às demandas da sociedade digital, apoiada em ferramentas de automação e inteligência artificial, que permitem desde a pesquisa jurisprudencial até a redação de peças processuais de forma mais ágil e precisa. Softwares especializados já conseguem mapear tendências de decisões, calcular riscos, sugerir estratégias e até mesmo identificar padrões de comportamento de determinados magistrados.

No entanto, essa modernização traz também um dilema: como garantir que o uso intensivo da tecnologia não transforme o advogado em um mero operador de sistemas, esvaziando sua função crítica e humanista?

O advogado do futuro — que, na verdade, já é o advogado do presente — precisa reunir competências que vão muito além do domínio técnico da lei. É necessário ser, ao mesmo tempo, jurista, empreendedor, comunicador, gestor e conhecedor de ferramentas digitais. O perfil esperado é de um profissional versátil, capaz de compreender não apenas os códigos e as jurisprudências, mas também as transformações sociais e econômicas que impactam diretamente o exercício da advocacia. Entre as novas exigências, destacam-se:

  • Competência tecnológica: o domínio de softwares jurídicos, inteligência artificial, análise de dados e plataformas de gestão tornou-se indispensável. Um advogado que desconhece essas ferramentas dificilmente conseguirá competir em termos de eficiência.
  • Visão empreendedora: os escritórios não são mais apenas espaços de atendimento. Tornaram-se verdadeiras empresas, que precisam de estratégias de marketing, gestão financeira, captação de clientes e presença digital.
  • Capacidade de comunicação: em um mundo cada vez mais conectado, o advogado precisa ser um comunicador eficaz, capaz de traduzir a complexidade jurídica em uma linguagem acessível, seja em audiências virtuais, seja em vídeos nas redes sociais.
  • Sensibilidade ética e humanista: se a tecnologia pode ser usada para automatizar tarefas, cabe ao advogado preservar aquilo que as máquinas não podem reproduzir: a empatia, a sensibilidade e o compromisso ético.

A sociedade contemporânea exige cada vez mais rapidez, acessibilidade e transparência. O cliente da nova advocacia não é o mesmo de décadas atrás. Ele não aceita esperar meses por uma resposta simples, não tolera burocracias desnecessárias e, sobretudo, não se contenta com explicações genéricas. O cliente atual é informado, muitas vezes chega ao escritório já com uma pesquisa prévia feita na internet, e deseja que o advogado seja não apenas um solucionador de problemas, mas um verdadeiro parceiro estratégico.

Nesse sentido, a tecnologia oferece vantagens significativas: atendimento remoto, contratos digitais, uso de chatbots para dúvidas simples, acompanhamento online de processos. Tudo isso facilita a vida do cliente e eleva a expectativa em relação ao serviço prestado.

O desafio está em equilibrar a eficiência tecnológica com a humanização do atendimento. Afinal, a relação entre advogado e cliente é pautada pela confiança, e esta não pode ser substituída por algoritmos.

É inevitável reconhecer que muitas das funções tradicionalmente desempenhadas pelos advogados estão sendo substituídas por sistemas automatizados. Pesquisas de jurisprudência, elaboração de contratos padronizados, acompanhamento processual e até mesmo a análise preditiva de decisões podem ser realizados com rapidez e precisão por softwares de inteligência artificial.

Diante disso, surge o temor de que a advocacia seja, em parte, substituída por máquinas. No entanto, é fundamental compreender que a tecnologia não elimina o papel do advogado, mas o transforma. A máquina pode elaborar um contrato, mas não pode compreender as nuances emocionais de uma negociação delicada. Um algoritmo pode prever tendências, mas não pode defender com paixão uma causa no tribunal.

A advocacia do futuro, portanto, não será aquela que compete com a tecnologia, mas a que sabe integrá-la de forma inteligente, aproveitando suas vantagens sem perder a essência da profissão.

A incorporação de tecnologias disruptivas também levanta questões éticas relevantes. Até que ponto é legítimo utilizar inteligência artificial na produção de peças jurídicas? Como garantir a confidencialidade de dados sensíveis em plataformas digitais? Qual é o limite do marketing jurídico nas redes sociais sem ferir os princípios de sobriedade e discrição da advocacia?

Essas questões demonstram que a nova advocacia não pode ser pensada apenas sob a ótica da eficiência, mas também da responsabilidade. O avanço tecnológico exige uma atualização das regras da OAB, uma reflexão coletiva da classe e, sobretudo, uma postura ética inabalável dos profissionais. A confiança da sociedade no advogado depende de sua integridade, e isso não pode ser sacrificado em nome da modernização.

Se, por um lado, as novas tecnologias representam um desafio para advogados mais tradicionais, por outro, abrem um campo fértil para jovens profissionais que já nasceram conectados ao mundo digital. O acesso a ferramentas gratuitas ou de baixo custo permite que um advogado iniciante, mesmo sem grandes recursos, consiga estruturar um escritório virtual, captar clientes pela internet e competir de forma mais equilibrada com grandes bancas.

A democratização das tecnologias cria, assim, um ambiente mais inclusivo, onde o diferencial está menos no tamanho da estrutura e mais na capacidade de inovação e de oferecer soluções criativas. Isso não significa que a caminhada seja fácil. A concorrência é intensa e o mercado jurídico brasileiro é um dos mais saturados do mundo. Mas justamente por isso, a aposta em especialização, inovação e uso estratégico da tecnologia pode abrir caminhos antes impensáveis.

O futuro da advocacia aponta para um cenário híbrido: de um lado, escritórios tradicionais, que ainda preservam a formalidade e a relação pessoal com o cliente; de outro, estruturas altamente digitalizadas, que funcionam quase como startups jurídicas. Ambos os modelos podem coexistir, mas é provável que o equilíbrio entre tradição e inovação seja o caminho mais sustentável.

O advogado será cada vez mais um gestor de soluções jurídicas, alguém capaz de articular conhecimento técnico, sensibilidade social e domínio tecnológico. Sua função não se resumirá a ganhar causas, mas a prevenir conflitos, orientar decisões estratégicas e contribuir para uma sociedade mais justa.

A nova advocacia não é apenas uma adaptação à tecnologia. É uma reinvenção da profissão em resposta às transformações sociais, econômicas e culturais de nosso tempo. Exige-se do advogado contemporâneo não apenas conhecimento jurídico, mas capacidade de dialogar com o mundo digital, de compreender as demandas da sociedade e de equilibrar eficiência com humanidade.

As expectativas são altas: espera-se que o advogado seja rápido, acessível, ético, inovador e, ao mesmo tempo, humano. Trata-se de um desafio gigantesco, mas também de uma oportunidade única de ressignificar a profissão e reafirmar sua relevância.

Em meio a tantas mudanças, uma certeza permanece: a advocacia continuará sendo indispensável enquanto houver conflitos, injustiças e a necessidade de dar voz a quem não a tem. A tecnologia pode transformar os meios, mas jamais substituirá a essência. O futuro da advocacia é, portanto, um futuro de transformação, mas também de esperança — esperança de que a profissão se mantenha fiel à sua missão maior: lutar pelo direito, pela justiça e pela dignidade humana.

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site