Almir Monteiro Negreiros

A revolução do planejamento na LEI nº 14.133/2021: Uma análise crítica sobre o DFD e o PCA como pilares da governança e da eficiência pública

Postado em 10 de setembro de 2025 Por Almir Monteiro Negreiros Profissional da área de Administração Pública, com experiência consolidada em gestão de licitações, contratos administrativos e processos de governança no setor público. Atualmente, atua como Assessor de Compras Públicas no Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco, instituição na qual desenvolveu trajetória ascendente desde 2016, exercendo funções de natureza administrativa e estratégica.

1. Introdução: Do Ritual Burocrático à Gestão Estratégica

A licitação é um processo realizado pela administração pública com intuito de contratar um serviço ou um produto para o desenvolvimento de projetos no setor público. Por anos exatamente desde 1993 com o início da lei 8.666 podemos notar que a mesma é voltada para um controle formal e no rito processual.

A promulgação da Lei nº 14.133/2021 representa uma ruptura paradigmática nesse modelo. Considerada por especialistas como um marco de modernização e alinhamento aos padrões internacionais, a nova lei desloca o eixo da licitação para uma abordagem estratégica e sistêmica, que valoriza o planejamento, a governança e a gestão por resultados. Em vez de tratar a licitação como um evento isolado, a legislação atual a insere em um ciclo completo de contratação pública, que começa com a identificação da demanda e termina com a avaliação da execução contratual.

Nesse contexto, instrumentos como o Documento de Formalização da Demanda (DFD) e o Plano de Contratações Anual (PCA) ganham protagonismo. Eles não são mais vistos como simples formalidades, mas como ferramentas de inteligência institucional, capazes de orientar decisões, mitigar riscos e promover maior eficiência na alocação de recursos públicos. A fase preparatória, antes marginalizada, passa a ser considerada essencial para o sucesso da contratação, exigindo análise técnica, estudo de viabilidade e definição clara de objetivos.

Além disso, a Lei nº 14.133/2021 introduz inovações como a inversão de fases, a preferência por licitações eletrônicas, e até mesmo a modalidade de diálogo competitivo, ampliando as possibilidades de negociação e adaptabilidade às necessidades da administração. Essas mudanças refletem uma tentativa de superar os entraves históricos da Lei nº 8.666/93, como a morosidade, a baixa competitividade e a vulnerabilidade a fraudes.

Portanto, a transição entre os dois marcos legais não é apenas normativa, mas cultural e institucional. Ela exige dos gestores públicos uma nova postura: mais estratégica, mais técnica e mais comprometida com a entrega de valor à sociedade. A licitação deixa de ser um ritual burocrático e passa a ser um instrumento de governança pública, capaz de transformar demandas em soluções concretas e sustentáveis.

2. O DFD: O Gênese da Contratação e a Superação da Demanda Subjetiva

O Documento de Formalização de Demanda (DFD) é reconhecido como o marco inicial do processo de contratação pública. Conforme destacado por especialistas da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), o DFD funciona como a certidão de nascimento da contratação, pois é nele que se registra oficialmente a necessidade administrativa, com base em critérios técnicos e objetivos.

A nova lei exige que o DFD seja elaborado com clareza, justificativa e alinhamento estratégico, o que representa uma mudança significativa em relação à cultura anterior, marcada por solicitações informais e pouco fundamentadas.

A exigência do DFD é uma resposta direta à cultura de contratações improvisadas, muitas vezes baseadas em pressões internas ou em demandas mal definidas. Segundo análise publicada na ConJur, o DFD é uma das principais inovações trazidas da administração federal para os municípios, promovendo uma mudança de mentalidade: da reatividade para o planejamento.

3. O PCA: A Orquestração Anual e o Fim das Surpresas Orçamentárias

O Plano de Contratações Anual (PCA) é um instrumento estratégico de planejamento consolidado, previsto no art. 12, inciso VII, da Lei nº 14.133/2021. Ele reúne todos os Documentos de Formalização de Demanda (DFDs) aprovados por um órgão ou entidade, compondo uma visão integrada das contratações previstas para o exercício subsequente.

Sua elaboração é obrigatória e deve ser realizada com base nas demandas formalizadas pelas unidades administrativas. Além disso, o PCA deve ser publicado em sítio eletrônico oficial, como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), garantindo acesso público e transparência.

Essa obrigatoriedade representa uma ruptura com práticas anteriores, nas quais contratações eram muitas vezes realizadas de forma fragmentada, sem planejamento prévio ou alinhamento estratégico.

Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), o PCA também subsidiará a elaboração das leis orçamentárias, evitando o fracionamento de despesas e promovendo economias de escala por meio de compras centralizadas.

Ao antecipar as necessidades, o PCA diminui a improvisação e aumenta a qualidade do planejamento, permitindo que os processos licitatórios sejam conduzidos com tempo hábil para estudos técnicos, pesquisas de mercado e definição clara de escopo, reduzindo assim as contratações emergenciais, que frequentemente resultam em sobrepreço, baixa qualidade dos serviços ou produtos contratados e risco jurídicos e operacionais, o PCA é mais do que uma obrigação legal, é um indicador de maturidade institucional. Ao forçar a administração pública a antecipar suas demandas,  promovendo uma gestão interna mais eficiente , estímulo à competitividade e redução de riscos e aumento de previsibilidade, tanto para o setor público quanto para os fornecedores, como destaca o artigo publicado pela Licitar Digital , o PCA deve estar alinhado ao planejamento estratégico e ao Plano de Logística Sustentável, reforçando o papel do planejamento como vetor de racionalização e sustentabilidade nas contratações públicas.

4. Interdependência e Desafios da Implementação: A Governança na Prática

A nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos estabelece um encadeamento lógico e interdependente entre os instrumentos de planejamento e execução das contratações públicas. O ciclo começa com a formalização da necessidade no Documento de Formalização de Demanda (DFD), que deve conter justificativas técnicas, estimativas de preço e escopo preliminar. Uma vez aprovado, esse DFd é consolidado no Plano de Contratações Anual (PCA), que reúne todas as demandas previstas para o exercício seguinte.

Esse fluxo garante que cada contratação esteja alinhada ao planejamento estratégico, à disponibilidade orçamentária e às prioridades institucionais. O DFD é o ponto de partida; o PCA é o mapa que organiza e dá sentido às demandas. Juntos, eles representam a materialização da governança na prática, promovendo coerência, previsibilidade e controle.

Apesar dos avanços normativos, a implementação efetiva da nova lei enfrenta desafios significativos, sendo o principal deles a mudança de cultura organizacional. O modelo anterior, baseado na lógica “ solicitou – comprou “, favorecia decisões reativas, fragmentadas e pouco fundamentadas. A nova legislação exige uma mentalidade estratégica, com foco em planejamento, análise técnica e gestão por resultados.

Segundo o artigo publicado no Jus Navigandi, o Acórdão TCU nº 2.622/2015 já alertava para a necessidade de aprimoramento contínuo dos sistemas de governança e gestão de aquisições, destacando que a geração de valor público depende diretamente da qualidade desses processos.

Para superar esse desafio é essencial, capacitar servidores e gestores que atuam em planejamento, análise de risco e gestão contratual , integrar áreas técnicas, administrativas e financeiras na construção do PCA e adotar sistemas informatizados que facilitem o registro, acompanhamento e avaliação das contratações.

A nova lei também transforma a atuação dos órgãos de controle externo, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e os tribunais de contas estaduais e municipais. Com a obrigatoriedade do DFD e do PCA, esses órgãos passam a ter instrumentos mais robustos para avaliar não apenas a legalidade dos certames, mas também sua eficácia, economicidade e alinhamento com o planejamento estratégico.

5. Conclusão: O Futuro da Contratação Pública é o Presente do Planejamento

A efetividade da Lei nº 14.133/2021 está diretamente condicionada à qualidade da sua implementação, especialmente no que diz respeito ao uso estratégico do Documento de Formalização de Demanda (DFD) e do Plano de Contratações Anual (PCA). Esses instrumentos não são meros requisitos formais  são pilares estruturantes de uma nova cultura administrativa, que valoriza o planejamento, a governança e a entrega de valor público.

O DFD inaugura o processo com racionalidade e propósito, enquanto o PCA organiza e dá sentido às demandas, promovendo previsibilidade, eficiência e controle. Juntos, eles representam a superação do modelo reativo e fragmentado, substituindo-o por uma abordagem sistêmica, integrada e orientada por resultados.

Mais do que ferramentas operacionais, o DFD e o PCA são símbolos de maturidade institucional. Eles demonstram que a contratação pública deixou de ser um evento isolado, pontual e burocrático, para se tornar uma etapa essencial de um ciclo de gestão estratégica, que começa no planejamento e termina na avaliação de resultados.

Esse novo paradigma exige servidores capacitados, gestores comprometidos e sistemas de controle atentos não apenas à legalidade, mas à eficácia e à aderência ao planejamento institucional. O planejamento detalhado e transparente é, portanto, a chave para a eficiência, a probidade e a melhoria contínua dos serviços públicos e é nele que reside o verdadeiro futuro da contratação pública.

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