Ana Lucia Souza Candido

Desigualdade educacional: O abismo entre a escola pública e o ensino superior

Postado em 08 de outubro de 2025 Por Ana Lucia Souza Candido Graduanda em direito, bolsista pelo ProUni, especialista em marketing e vendas.

O acesso à universidade, no Brasil, sempre foi apresentado como símbolo de superação. Mas, na prática, ele ainda é um privilégio restrito a quem consegue vencer barreiras impostas por uma realidade educacional desigual. A Constituição Federal de 1988 garante a educação como direito social fundamental (art. 6º) e prevê igualdade de condições para acesso e permanência na escola (art. 206, I). No entanto, entre o que está na lei e o que acontece nas salas de aula, existe um abismo que continua a separar ricos e pobres.

Enquanto estudantes de escolas particulares têm aulas com professores especializados, bibliotecas atualizadas e preparação direcionada ao Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), boa parte dos alunos da rede pública convive com salas superlotadas, falta de docentes, ausência de material pedagógico e conteúdos defasados. O resultado é previsível: aqueles que já partem de condições privilegiadas ocupam as melhores vagas em universidades públicas justamente as de maior qualidade e custeadas pelo Estado.

Essa realidade desnuda uma contradição: como falar em meritocracia quando os pontos de partida são tão desiguais? O princípio da igualdade material exige que o Estado adote medidas capazes de reduzir disparidades históricas, assegurando não apenas acesso, mas também condições reais de concorrência justa.

É nesse ponto que entram as políticas de ação afirmativa, como o sistema de cotas nas universidades federais (Lei nº 12.711/2012) e o ProUni (Lei nº 11.096/2005). Longe de serem privilégios, essas políticas cumprem a função de tentar reparar injustiças estruturais e garantir inclusão. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 186, confirmou a constitucionalidade das cotas, destacando que a promoção da igualdade exige, em determinados contextos, tratamento diferenciado.

Mas o problema não termina no acesso. A permanência do estudante pobre na universidade é outro desafio. Muitos abandonam os cursos por falta de auxílio financeiro, moradia estudantil ou apoio pedagógico. A Constituição é clara ao afirmar que cabe ao Estado não só abrir as portas da educação, mas também garantir que elas permaneçam abertas até a conclusão do ciclo formativo.

Aqui entra uma dimensão essencial do Direito: a educação não é apenas um serviço público, mas um direito fundamental de segunda dimensão, que impõe ao Estado deveres de atuação positiva. Isso significa investimentos, políticas consistentes e fiscalização. Negligenciar esse papel viola não apenas a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), mas também o mínimo existencial necessário para que alguém exerça plenamente sua cidadania.

A desigualdade educacional brasileira pode ser analisada também à luz da teoria da justiça de John Rawls: desigualdades só seriam aceitáveis se beneficiassem os menos favorecidos. O que ocorre, porém, é o oposto: o sistema reforça os privilégios de quem já nasceu em condições mais favoráveis, perpetuando um ciclo de exclusão.

Por isso, é indispensável investir na qualidade da escola pública. Sem essa base, as cotas e programas de bolsas atuam apenas como remendos de um problema estrutural. O ensino fundamental e médio precisam ser valorizados, sob pena de mantermos uma política educacional marcada por desigualdade e elitismo.

O Ministério Público, como defensor dos direitos sociais (art. 129, II, CF), e o Poder Judiciário, ao equilibrar a “reserva do possível” com o conceito de mínimo existencial, também desempenham papel central nesse processo. A educação é condição para a concretização de outros direitos, e não pode ser tratada como mera despesa sujeita a cortes orçamentários.

A Constituição de 1988 foi explícita: reduzir desigualdades sociais é objetivo fundamental da República (art. 3º, III). Isso não é retórica, mas um comando normativo que obriga o Estado a enfrentar a distância entre a escola pública e a universidade.

O impacto social dessa desigualdade vai além da vida de cada estudante. Ela afeta a mobilidade social, a economia, o desenvolvimento científico e a própria democracia. Cada jovem que desiste da universidade por falta de condições não representa apenas uma história interrompida: significa menos inovação, menos diversidade no mercado de trabalho e menos justiça social.

Em síntese, a educação superior não pode continuar sendo privilégio de poucos. Garantir o acesso em condições justas e a permanência de todos é mais do que uma política pública: é o cumprimento de uma promessa constitucional e um passo essencial para construir um país menos desigual. Enquanto o abismo entre escola pública e universidade não for superado, o Brasil seguirá falhando em oferecer a todos o direito mais transformador que existe: o direito de aprender para, enfim, mudar de destino.

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