Gabriel Campos

Desvendando o sigilo terapêutico: Implicações jurídicas e éticas

Postado em 08 de outubro de 2025 Por Gabriel Campos  Advogado especialista em Direito do Trabalho e Digital pela PUC-RS, com uma notável intersecção de saberes em Psicologia e Neurociência. É Psicanalista certificado, graduando de Psicologia e Biomedicina, Mestrando em Psicologia Organizacional e Neurocientista em formação pelo Albert Sabin. Atua na confluência da legislação tecnológica com a compreensão do comportamento humano e das estruturas corporativas, aplicando uma visão analítica e profunda à consultoria, contencioso e ao preventivo jurídico estratégicos em empresas e equipes profissionais.

O presente artigo tem por finalidade apresentar considerações acerca da prática do sigilo profissional no contexto terapêutico, bem como abordar o instrumento jurídico-processual relativo à quebra de sigilo.  Qual o ganho do uso desta ferramenta para o cliente enquanto advogado e quais as consequências caso o profissional psicólogo seja obrigado a quebrar o sigilo-paciente e a utilização da ferramenta: “Abstração”.

Imagine um paciente que, durante uma sessão terapêutica, revela intenções suicidas detalhadas e um plano concreto para tirar a própria vida. Nesse caso, o psicólogo pode ser obrigado a quebrar o sigilo para proteger a vida do paciente, informando as autoridades competentes ou familiares para que medidas preventivas sejam tomadas.

Um terapeuta atende uma criança que, durante as sessões, revela ser vítima de abuso infantil. O profissional, ao identificar sinais claros de abuso, deve relatar o caso às autoridades, conforme exigido por lei, mesmo que isso signifique quebrar o sigilo terapêutico.

É assim, como se fossem duas ferramentas físicas: um martelo e um alicate, duas ferramentas usadas provenientes da relação terapêutica entre paciente-terapeuta, assim como a relação cliente-advogado.

Para que se forme o vínculo terapêutico, enquanto terapeuta, é necessário informar que haverá total e completo sigilo de tudo o que for falado dentro daquela sessão. É um direito do paciente composto por Constituição Federal (CF/88) – Art. 5º, Inciso X- que garante a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, servindo como fundamento maior para o sigilo profissional e o artigo 09 da Resolução CFP nº 010/2005, porém também é uma promessa de confidencialidade que permite a vulnerabilidade e, consequentemente, o sucesso do tratamento. Além de um direito, é uma técnica terapêutica. 

No entanto, este direito fundamental à intimidade e ao cuidado encontra um limite intransponível quando confrontado com o interesse maior da Justiça e da segurança pública: a ordem judicial.

O Sigilo Terapêutico e suas Bases Legais

Profissionais psicólogos assim como os profissionais psiquiatras, sendo incluídos inclusive na sessão de médicos, estão sujeitos a códigos de ética que impõem o dever do sigilo profissional.

  1. Psicólogos: O Código de Ética Profissional do Psicólogo estabelece o sigilo como regra básica. Ele visa proteger a intimidade da pessoa e garantir que o paciente se sinta seguro para se abrir.
  2. Psiquiatras (Médicos): O Código de Ética Médica também obriga o sigilo. O médico não pode revelar o conteúdo da consulta.

Exceções ao Sigilo (Regras Éticas)

Antes mesmo da esfera judicial, os próprios códigos de ética preveem a quebra do sigilo em situações específicas para proteger o paciente ou terceiros. As mais comuns são:

  1. Risco Iminente: Quando há evidências claras de risco de morte ou agressão grave a si mesmo (risco de suicídio) ou a terceiros (risco de homicídio, por exemplo).
  2. Cumprimento de Lei: Quando o profissional é obrigado a relatar um crime (como abuso infantil), conforme previsto em lei.
  3. Autorização Expressa: Quando o próprio paciente, por escrito, autoriza a revelação de informações.

O sigilo profissional, embora essencial, não é absoluto perante o Poder Judiciário. A quebra do sigilo terapêutico por decisão judicial ocorre quando há um conflito de valores: o direito à intimidade do paciente contra o interesse da Justiça em descobrir a verdade e garantir a segurança pública.

Como a Quebra Ocorre:

Pedido Judicial: A quebra só pode ser solicitada por uma autoridade judicial e geralmente é feita por meio de ofício ou mandado judicial. O profissional não pode quebrar o sigilo por conta própria ou a pedido de advogados/delegados sem a ordem expressa do juiz. 

Código de Processo Penal (CPP)- Art. 207 – Permite que o juiz dispense a testemunha (incluindo o profissional de saúde) de depor sobre fatos sigilosos, MAS a dispensa cessa se a quebra for imprescindível para a defesa do interesse público.

Código de Processo Civil (CPC)- Art. 448, Inciso II – Permite que a testemunha recuse a depor sobre fato que deva guardar sigilo profissional, MAS a dispensa não é absoluta e pode ser derrubada pela ordem do juiz.

  1. Análise da Essencialidade: O Juiz deve ponderar e determinar que a informação terapêutica é estritamente necessária para o caso e que não há outra forma de obter a prova. O Judiciário tem o dever de ser o mais restritivo possível.
  2. Natureza da Informação: A quebra ocorre principalmente em casos graves, como crimes (homicídio, estupro) ou disputas familiares (guarda, alienação parental), onde sanidade ou conduta são centrais ao litígio. iii. Obrigação Profissional: Ao receber a ordem judicial formal, o profissional (psicólogo ou psiquiatra) é obrigado legalmente a obedecer,

sob pena de responder por crime de desobediência ou falso testemunho. A ordem judicial sobrepõe-se ao código de ética nesse contexto.

Papel do Profissional

Psicólogo – Resolução CFP nº 010/2005 (Código de Ética Profissional do Psicólogo) – Art. 9º: Estabelece o dever de sigilo. – Art. 10: Permite a quebra de sigilo baseada no menor prejuízo (ex.: risco iminente). –  Art. 10, Parágrafo Único: Exige a restrição ao estritamente necessário (Ação da Abstração).

Psiquiatra (Médico)Resolução CFM nº 2.217/2018 (Código de Ética Médica) Art. 73: Veda a revelação do fato, salvo por motivo justo, dever legal (a ordem judicial) ou consentimento do paciente.

Mesmo quando obrigado a depor ou fornecer prontuário por ordem judicial, o profissional deve:

  1. Restringir-se ao Essencial: Informar apenas o que foi solicitado e é relevante para a decisão judicial, evitando a exposição desnecessária do paciente.
  2. Esclarecer o Juízo: Caso o profissional entenda que a revelação pode causar dano grave ao paciente ou ao processo terapêutico, ele pode e deve manifestar-se ao Juiz, solicitando a reconsideração ou a restrição da informação.

O profissional psicólogo/psiquiatra/terapeuta deve fazer o uso da ferramenta: Abstração, que consiste, em o profissional, munido de todas as informações sobre o paciente, agora, parte de um processo jurídico, fazer as deliberações sobre o que for perguntado, sempre observando o menor prejuízo a seu até então paciente, e retira a essência do quadro clínico ou do relato do paciente, deixando de lado as minúcias íntimas e terapêuticas.

Ex: Se o Juiz fizer uma pergunta direta, como: “O paciente mencionou na sessão que desviou dinheiro da empresa?”

Resposta do Profissional: “O paciente mencionou a intenção do ato de desvio, Vossa Excelência.”

Quanto mais abstrato, mais benéfico ao vínculo terapêutico com seu cliente.

Importância desta ferramenta para o mundo jurídico.

Para advogados e partes processuais, as informações obtidas através da quebra de sigilo terapêutico são não apenas válidas, mas extremamente valiosas. No entanto, para que a quebra de sigilo seja justificada, é essencial que todas as tentativas de comprovação das ações ou omissões tenham sido esgotadas ao longo do processo. Dessa forma, a quebra de sigilo é vista como uma das poucas oportunidades probatórias disponíveis.

A importância dessa ferramenta no mundo jurídico não pode ser subestimada. Em muitos casos, as informações obtidas através da quebra de sigilo podem ser cruciais para a resolução de um caso. Por exemplo, em situações em que há alegações de abuso, violência ou outros comportamentos prejudiciais, os registros terapêuticos podem fornecer evidências que corroboram ou refutam as alegações feitas. Isso é particularmente relevante em casos de disputa de guarda de filhos, onde o bem-estar da criança está em jogo e as informações terapêuticas podem ajudar a determinar o ambiente mais seguro e saudável para a criança.

Além disso, a quebra de sigilo pode ser essencial em casos criminais. Informações obtidas durante sessões terapêuticas podem revelar detalhes importantes sobre o comportamento e o estado mental de um suspeito, ajudando a construir um perfil psicológico que pode ser utilizado pela defesa ou pela acusação. Em alguns casos, essas informações podem ser a chave para provar a inocência de um acusado ou para garantir que um culpado seja responsabilizado por seus atos.

Mesmo que as revelações dos profissionais sejam apresentadas de forma abstrata, generalista e com poucos detalhes, elas ainda podem fornecer um perfil que apoie ou contrarie determinada tese judicial, dependendo do contexto do processo em questão. A capacidade de interpretar essas informações de maneira eficaz é uma habilidade valiosa para advogados e juízes, que devem equilibrar a necessidade de manter a confidencialidade do paciente com a busca pela verdade e pela justiça.

Portanto, a quebra de sigilo terapêutico, quando realizada de maneira ética e legal, é uma ferramenta poderosa no arsenal jurídico. Ela permite que o sistema de justiça acesse informações críticas que de outra forma permaneceriam ocultas, garantindo que as decisões judiciais sejam baseadas em uma compreensão completa e precisa dos fatos. No entanto, é fundamental que essa prática seja utilizada com cautela e respeito, garantindo que os direitos dos pacientes sejam protegidos e que a confiança na relação terapêutica não seja comprometida.

A Quebra de Sigilo como Ferramenta Processual

Em um processo de guarda de filhos, o juiz pode solicitar informações ou o depoimento do psicólogo infantil. O profissional, ainda que usando da ferramenta de abstração, deve e provavelmente irá determinar o perfil das partes analisadas, sendo qual dos pais seriam mais apropriados para manter a guarda dos filhos? Ou mesmo, qual dos pais devem ser proibidos de contato com os filhos mediante algum testemunho em sessão que possa colocar a integridade física ou mental do menor?

O próprio paciente pode autorizar a quebra do sigilo para sua própria defesa ou benefício no processo como um paciente está sendo processado e acredita que os registros de sua terapia podem provar sua sanidade ou que ele estava em determinado estado emocional/mental na época dos fatos. Ele autoriza formalmente o profissional a depor ou a apresentar um relatório com informações específicas.

A quebra de sigilo por ordem judicial surge como uma ferramenta processual decisiva, ativada somente quando a informação terapêutica é considerada imprescindível para o caso, após o esgotamento de outras vias probatórias. Nesse cenário, a legislação (CPP, Art. 207; CPC, Art. 448) estabelece que a ordem do juiz se sobrepõe ao código de ética profissional, tornando a revelação compulsória sob pena de desobediência.

O profissional de saúde (psicólogo ou psiquiatra) encontra-se, então, em uma posição delicada:

  1. Obediência Legal: Ele deve cumprir a ordem judicial formal.
  2. Dever Ético Remanescente: Ele deve utilizar a ferramenta da “Abstração”, restringindo a informação ao estritamente necessário para o processo, despidas de minúcias íntimas desnecessárias.

Síntese Final

Em suma, o artigo conclui que o sigilo terapêutico é a regra e o pilar do cuidado, mas a quebra de sigilo é a exceção legalmente fundamentada, atuando como um instrumento de última ratio da Justiça. Sua utilização, quando manejada com a devida ponderação judicial e a cautela técnica do profissional (uso da Abstração), demonstra-se uma ferramenta importante e decisiva para processos judiciais, equilibrando a proteção à intimidade do cidadão com a necessidade inadiável de um sistema de justiça eficaz.

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