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Do “Alea Jacta Est” no Direito Romano à Aplicação e Utilização Pela Inteligência Artificial Hodiernamente

Postado em 04 de junho de 2025 Por Fernando Martins Desembargador Emérito do TJPE, Advogado, Parecerista e Membro Honorário da Comissão Especial em Comemoração ao Bicentenário da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil da OAB/PE.

A sorte está lançada. No Direito Romano, essa máxima “Alea jacta est” colocaria o Direito atual numa posição altamente difícil de se perquirir. Poder-se-ia afirmar, “quid juris”, que no Senado romano as bravatas entre os cônsules resumir-se-iam a secamente explicitar o que os jovens, até pouco tempo, aprendiam nos ensinos universitários com seus ilustrados mestres. Pelo menos, como deu-se à época romana, tratava-se de um entendimento denso, embora nem sempre alheio a questões bizantinas, no sentido da complexidade e da sutileza conceitual.

Não se pretende, com tais assertivas, insinuar que os conceitos amplos do Direito estivessem ali paralisados. Como já se disse aqui e alhures, a chegada de novas épocas, mormente nos últimos anos que vivemos, impulsionou uma transformação significativa. A estruturação da inteligência artificial surgiu num período pós-guerras mundiais e continentais, em meio a crises deflagradas em países diversos, gerando profundas mudanças na forma de convivência societária.

Outrora, para consultas ou alegações pertinentes, os doutos do Direito exigiam profundos estudos e interpretações, além da consulta a legislações mutantes e da imersão em volumosos livros doutrinários. Após intensas discussões entre pares, firmava-se, enfim, a posição jurídica adotada por escolas e sistemas jurídicos de diferentes continentes.

Hoje, porém, nos deparamos com a integração da inteligência artificial aos sistemas judiciais e administrativos, produzindo efeitos antes impensáveis: triagens processuais automatizadas, decisões preditivas baseadas em big data, análise de jurisprudência em tempo real. Mas quem lança os dados da IA?

Ainda que os sistemas sejam alimentados por dados históricos e padrões estatísticos, há sempre a mão humana, a escolha dos parâmetros, o viés do programador, a opacidade do código. Diferente do alea romano, em que a sorte era lançada por um ato consciente e irrefutável, na inteligência artificial muitas vezes a decisão é delegada sem plena compreensão de suas bases ou consequências.

O operador do Direito, diante desse novo contexto, não pode ser mero espectador da evolução tecnológica. Precisa ser guardião da legalidade, da dignidade da pessoa humana e da transparência algorítmica. A sorte lançada pela IA não pode ser inquestionável. Deve ser auditável, contestável e submetida aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e da igualdade.

Não nos esqueçamos de seguir as alegações por nós feitas supra, posto que não se deve, por poucos instantes que sejam, cair totalmente aos braços da IA, sem que, com nosso intelecto, examinemos amiúde o quanto o Direito pátrio ou alienígena, durante anos, nos ensinou com bastante acuidade.

Mais do que um salto entre épocas, o percurso do Alea jacta est até a inteligência artificial revela um fio condutor: a tensão entre decisão e destino, entre controle humano e imprevisibilidade tecnológica. Em ambos os casos, a coragem de decidir exige a responsabilidade pelos efeitos da escolha. Que o Direito, em sua constante reinvenção, continue lançando a sorte. Não ao acaso, mas à luz da justiça.

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