O estágio jurídico é uma fase essencial para a formação prática dos futuros profissionais do direto, devendo atuar como uma ligação entre a teoria que é ensinada nas universidades e faculdades e a prática real da atuação. Contudo, um paradoxo crescente tem se tornado um empecilho á democratização do acesso á profissão: á exigência de experiência anterior para os estágios. Essa contradição não apenas prejudica a natureza educacional do estágio, mas também exarceba desigualdade sociais e raciais, atingindo principalmente alunos negros, provinientes de áreas perifericas e que carecem de redes de apoio no context jurídico.
No Brasil, a formação em Direito não se resume apenas ao aprendizando teórico, mas requer também experiência prática em tribunais, escritórios de advocacia e orgãos do judiciário. No entanto, muitos estudantes enfrentam dificuldades em processos seletivos que demandam experiência em elaboração de petições, domínio de plataformas eletrônicas como PJe e e-Saj, ou mesmo vivência anterios e, audiências. Essas exigências vão de contra a essência do estágio, que conforme a lei N° 11.788/2008, que deve ser uma atividade supervisionada e de caráter educativo, alinhada com o projeto pedagógico do curso e voltada á preparação do mercado de trabalho.
Uma pesquisa realizada pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) em 2022 revelou que mais de 60% das oportunidades de estágio em Direito em São Paulo exigem algum grau de experiência previa. Esse cenário transforma o estágio, que deveria ser uma chance de aprendizado e inserção, em um privilégio para aqueles que já tem algum acesso ao mercado ou a redes de contato na área jurídica. Isso gera um ciclo vicioso: somente consegue um estágio quem já teve a oportunidade de estágiar anteriormente, enquanto aqueles que nunca tiveram essa experiência continuam a margem.
Essa lógica tem um impacto ainda mais severo sobre estudantes negros e de baixa renda. Dados do IBGE informam que apenas 14,6 dos alunos negros de Direito conseguem uma vaga de estágio nos dois primeiros anos de curso, em comparação a 35,2 dos alunos brancos. Esses dado expõe o racismo estrutural e a desigualdade de chances, que dificultam o acesso igualitário á formação professional. Estudantes que dependem unicamente do Ensino público, sem a fluência em outros idiomas ou experiência em ambientes jurídicos, são sistematicamente excluídos por critérios que encobrem desigualdades sob a aparência de mérito. A exigência de experência, frequentemente, não reflete um verdadeiro comprementimento com a capacitação dos estágiarios, mas sim uma busca por mão de obra qualificada e a baixo custo. Estágiarios frequentemente se envolvem na redação de petições iniciais, contestações, recursos, diligências externas, gerenciamento de prazos e até no atendimento a clientes, atividades que demandam habilidades técnincas e um alto grau de responsabilidade. Essa situação não apenas divirtua a finalidade educative do estágio, mas também configura como uma forma de fraude trabalhista, pois profissionais são substituidos por estágiorios que não possuem direitos trabalhistas assegurados legalmente.
A gravidade do problema se intensifica Diante do aumento dos curso de direito no brasil. Segundo o censo da educação superior de 2023, são mais de 1.800 cursos de direito em funcionamento, com aproximadamente 800 mil alunos matriculados. A disputa por vagas de estágio se torna extremamente acirrada, levando muitos empregadores a estabelecer critérios de seleção cada vez mais restritivos. Assim o estágio deixa de ser uma oportunidade de formação acessivel, convertendo-se em um filtro elistista de acesso á profissão de advogados.
Esse cenário também contribui para a evasão no ambiente universitário. Estudos do Fórum Nacional de Pró-Reitores de Assuntos Estudanteis (Fonaprace), indicam que á ausência de estágios remunerados é uma das principais razões que levam alunos de baixissima renda a abandonarem seus cursos. A falta de bolsas ofertadas e o alto custo de vida nas capitais inviabilizam a continuidade dos estudantes que precisam trabalhar para se sustentar. O resultado disso é a crescente elitização da advocacia, com profissionais cada vez mais distantes da realidade da população em geral.
Sob a persperctiva jurídica, essa realidade viola princípios fundamentais da
Constituição Federal, incluindo o da igualdade (art. 5º caput), o acesso á educação (art. 205) e a didnidade da pessoa humana (art.1º,III). Além disso, contraria os objetivos fundamentais da República, conforme descrito no art. 3º, em especial os incisos I, III e IV, que se referem á criação de uma sociedade livre, justa e solidária; ao combate á probeza e á marginalização; e á promoção do bem-estar de todos sem prencoceitos de origem, raça, gênero, cor ou qualquer outra forma de discriminação.
Assim, a questão em pauta transcende o ámbito educacional, abrangendo também aspectos éticos e constitucionais. É dever das instituições educacionais, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e dos empregadores mudar essa situação. Para isso algumas ações se fazem necessarias com urgencia:
Outra alternativa viável seria a implementação de regulamentações mais rigorosas sobre a atuação estágiarios, estabelecendo limites claros sobre as atividades que podem ser realizadas, previnindo que desempenhem funções que são normalmente atribuídas aos advogados. A prática frequente de substituir profissionais por estágiarios não é somente uma violação ética, mas também prejudica a qualidade dos serviçoes jurídicos oferecidos á sociedade.
Além disso, é essencial incentivar a discussão acadêmica sobre a igualdade na formação em Direito, refletindo sobre o papel social do curso. A formação de profissionais apenas para atuarem em grandes escritórios ou em multinacionais acentuam o afastamento entre o Direito e a sua função social. Um curso que promova a inclusão e o acesso equitativo á prática professional ajuda a criar advogados conscientes, diversos e comprometidos com a justiça social.
O estágio no campo jurídico deve ser uma espaço voltado ao aprendizado, não á exploração. A sua má ultização em nome da eficiência econônica a curto prazo ameaça a própia essência da formação em Direito. Se nosso objetivos é uma advocacia democrática, ética e representativa, é vital assegurar que todos os estudantes, independentemente da raça, classe social ou rede de contatos, tenham acesso real á oportunidades de formação prática. Naturalizar práticas que excluem os mais vulneráveis e desvalorizam o estágio é perpetuar as desigualdedes que o Direito se propõe a combater
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