O dia 11 de agosto, reconhecido como o Dia do Advogado, vai além de uma simples comemoração. Trata-se de uma ocasião para refletir sobre a função do Direito e, principalmente, sobre a forma como estamos preparando aqueles que atuam nessa área. A escolha dessa data no Brasil não foi por acaso: remete ao estabelecimento dos primeiros cursos de Direito no país, em 1827, um em Olinda, no estado Pernambuco, e outro em São Paulo. Para os juristas e o sistema jurídico de Pernambuco, essa data serve como um lembrete marcante. Olinda não foi apenas o local de um curso pioneiro; foi onde se desenvolveu um modelo educacional que ajudou a fundamentar a cultura jurídica no Brasil. No entanto, quase dois séculos depois, é essencial questionar: qual é o legado que perdura e como ele se relaciona com as demandas do século XXI?
No século XIX, o estudo do Direito era restrito a um grupo seleto. As oportunidades eram limitadas, o acesso era complicado e a profissão muitas vezes estava atrelada a posições de destaque social e político. Nos dias atuais, a situação é completamente diferente: há uma infinidade de cursos distribuídos por todo o estado, abrangendo tanto as capitais quanto as cidades do interior. Embora essa democratização amplie o acesso, também apresenta um risco: a possibilidade de redução da qualidade. É importante reconhecer que nem todas as instituições conseguem oferecer a estrutura, o corpo docente e a metodologia que são essenciais para preparar juristas capazes de enfrentar os desafios que surgem na contemporaneidade. Dessa forma, Pernambuco enfrenta um dilema: conservar sua reputação de excelência ou ceder à lógica do ensino em massa, que privilegia números e diplomas, sem dar atenção às competências e aos valores.
A noção de que basta saber a lei para ser um advogado ou magistrado competente é uma visão ultrapassada e arriscada. Atualmente, um profissional do Direito deve possuir um conjunto de habilidades que vai além do que está nos códigos: deve dominar o pensamento crítico, o raciocínio lógico, a comunicação eficaz, a utilização de tecnologias, a inteligência emocional e a sensibilidade social. Além disso, o Direito não pode ser visto de forma isolada. Ele interage com a economia, as ciências, a política e a cultura. Ignorar essa interação multidisciplinar resulta na formação de juristas que não conseguem enxergar além de sua área, enquanto o mundo atual exige uma visão mais abrangente. Em Pernambuco, esse desafio se intensifica devido às desigualdades regionais. Enquanto algumas instituições oferecem laboratórios de prática jurídica, bibliotecas digitais e docentes envolvidos em pesquisa, outras ainda enfrentam dificuldades para garantir o mínimo necessário. Essa diferença impacta diretamente na competitividade e nas oportunidades de emprego para os graduados.
O ensino jurídico que não integra a tecnologia como um componente fundamental corre o risco de se tornar obsoleto. Ferramentas como o processo eletrônico, inteligência artificial, contratos digitais, blockchain e plataformas de resolução de conflitos online já fazem parte do cotidiano e não são mais novidades. Entretanto, muitos cursos de direito em Pernambuco ainda tratam esses tópicos como “secundários”, quando na realidade deveriam ser considerados essenciais na formação dos alunos. A prática da advocacia e as carreiras no setor público estão mudando rapidamente, e a educação deve acompanhar essa evolução. Contudo, a tecnologia não deve ser enxergada apenas como um recurso, mas sim como um campo para reflexão ética e jurídica. Temas como proteção de dados, crimes virtuais, regulamentação de algoritmos e o efeito das redes sociais no sistema judicial devem ser abordados nas instituições acadêmicas.
Em um estado com tão grandes disparidades, a formação de advogados deve levar em conta seu impacto social. A advocacia é primordialmente um serviço público vital para a justiça. Isso significa defender direitos, mas também evitar disputas e promover a cidadania. Pernambuco oferece amplas oportunidades jurídicas em áreas que vão desde meio ambiente ao direitos humanos. Um advogado de Pernambuco que vê sua função apenas sob uma ótica comercial perde a chance de ser um agente de mudanças sociais. Isso requer uma formação que ultrapasse as habilidades técnicas: é essencial cultivar valores éticos, empatia e um compromisso com a construção de uma sociedade mais equitativa.
Para manter e projetar a importância do ensino jurídico em Pernambuco para o futuro, algumas ações são urgentes. Dentre elas, destaca-se a reforma abrangente do currículo, que deve incluir práticas desde os primeiros períodos de estudo, colaboração com outras disciplinas e uso intenso de tecnologias; formação contínua dos docentes, já que professores atualizados são cruciais para a qualidade, o que demanda investimentos e incentivo à pesquisa; formação de parcerias institucionais, por meio de acordos com tribunais, ministérios públicos, defensorias e escritórios para expandir o campo prático; promoção da inclusão social, com iniciativas que garantam que estudantes de baixa renda possam ingressar e concluir seus cursos com excelência, evitando exclusões por dificuldades econômicas; e inovação pedagógica, através da aplicação de metodologias ativas, ensino baseado em projetos, simulações e estudos de casos reais. Essas iniciativas não são apenas estratégicas, mas necessitam de implementação imediata. A cada grupo de formandos que deixa a faculdade sem a devida preparação, a qualidade da advocacia diminui e a sociedade perde direitos fundamentais.
No campo do Direito, existem disposições inalteráveis: normas constitucionais que não podem ser eliminadas, nem mesmo através de emendas. Dentro da educação jurídica, a “cláusula pétrea” deveria representar a busca pela excelência e pelo impacto social. O dia 11 de agosto representa uma chance para reafirmar esse compromisso. Pernambuco possui uma trajetória que o torna um exemplo nacional na formação de profissionais do Direito. Contudo, a tradição, por si só, não assegura um futuro promissor. É essencial ter coragem, inovar e reconhecer que a educação jurídica não deve ser apenas um meio de replicar teorias: deve transformar os estudantes em agentes de mudança. Se desejamos que o diploma de bacharel em Direito continue simbolizando capacidade, ética e liderança, devemos resguardar essa cláusula de formação da mesma forma que defendemos os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Pois, sem uma educação jurídica sólida, o Direito se torna vulnerável e, com isso, a própria justiça também.
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