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Jurisdição do saber: O futuro da educação jurídica em Pernambuco

Postado em 13 de agosto de 2025 Por Oscar Luiz da Silva Neto  Acadêmico de Direito, Assistente Jurídico, Membro colaborador da comissão de Igualdade Racial da OAB-PE

O dia 11 de agosto, reconhecido como o Dia do Advogado, vai além de uma simples comemoração. Trata-se de uma ocasião para refletir sobre a função do Direito e, principalmente, sobre a forma como estamos preparando aqueles que atuam nessa área. A escolha dessa data no Brasil não foi por acaso: remete ao estabelecimento dos primeiros cursos de Direito no país, em 1827, um em Olinda, no estado Pernambuco, e outro em São Paulo. Para os juristas e o sistema jurídico de Pernambuco, essa data serve como um lembrete marcante. Olinda não foi apenas o local de um curso pioneiro; foi onde se desenvolveu um modelo educacional que ajudou a fundamentar a cultura jurídica no Brasil. No entanto, quase dois séculos depois, é essencial questionar: qual é o legado que perdura e como ele se relaciona com as demandas do século XXI? 

No século XIX, o estudo do Direito era restrito a um grupo seleto. As oportunidades eram limitadas, o acesso era complicado e a profissão muitas vezes estava atrelada a posições de destaque social e político. Nos dias atuais, a situação é completamente diferente: há uma infinidade de cursos distribuídos por todo o estado, abrangendo tanto as capitais quanto as cidades do interior. Embora essa democratização amplie o acesso, também apresenta um risco: a possibilidade de redução da qualidade. É importante reconhecer que nem todas as instituições conseguem oferecer a estrutura, o corpo docente e a metodologia que são essenciais para preparar juristas capazes de enfrentar os desafios que surgem na contemporaneidade. Dessa forma, Pernambuco enfrenta um dilema: conservar sua reputação de excelência ou ceder à lógica do ensino em massa, que privilegia números e diplomas, sem dar atenção às competências e aos valores. 

A noção de que basta saber a lei para ser um advogado ou magistrado competente é uma visão ultrapassada e arriscada. Atualmente, um profissional do Direito deve possuir um conjunto de habilidades que vai além do que está nos códigos: deve dominar o pensamento crítico, o raciocínio lógico, a comunicação eficaz, a utilização de tecnologias, a inteligência emocional e a sensibilidade social. Além disso, o Direito não pode ser visto de forma isolada. Ele interage com a economia, as ciências, a política e a cultura. Ignorar essa interação multidisciplinar resulta na formação de juristas que não conseguem enxergar além de sua área, enquanto o mundo atual exige uma visão mais abrangente. Em Pernambuco, esse desafio se intensifica devido às desigualdades regionais. Enquanto algumas instituições oferecem laboratórios de prática jurídica, bibliotecas digitais e docentes envolvidos em pesquisa, outras ainda enfrentam dificuldades para garantir o mínimo necessário. Essa diferença impacta diretamente na competitividade e nas oportunidades de emprego para os graduados. 

O ensino jurídico que não integra a tecnologia como um componente fundamental corre o risco de se tornar obsoleto. Ferramentas como o processo eletrônico, inteligência artificial, contratos digitais, blockchain e plataformas de resolução de conflitos online já fazem parte do cotidiano e não são mais novidades. Entretanto, muitos cursos de direito em Pernambuco ainda tratam esses tópicos como “secundários”, quando na realidade deveriam ser considerados essenciais na formação dos alunos. A prática da advocacia e as carreiras no setor público estão mudando rapidamente, e a educação deve acompanhar essa evolução. Contudo, a tecnologia não deve ser enxergada apenas como um recurso, mas sim como um campo para reflexão ética e jurídica. Temas como proteção de dados, crimes virtuais, regulamentação de algoritmos e o efeito das redes sociais no sistema judicial devem ser abordados nas instituições acadêmicas. 

Em um estado com tão grandes disparidades, a formação de advogados deve levar em conta seu impacto social. A advocacia é primordialmente um serviço público vital para a justiça. Isso significa defender direitos, mas também evitar disputas e promover a cidadania. Pernambuco oferece amplas oportunidades jurídicas em áreas que vão desde meio ambiente ao direitos humanos. Um advogado de Pernambuco que vê sua função apenas sob uma ótica comercial perde a chance de ser um agente de mudanças sociais. Isso requer uma formação que ultrapasse as habilidades técnicas: é essencial cultivar valores éticos, empatia e um compromisso com a construção de uma sociedade mais equitativa. 

Para manter e projetar a importância do ensino jurídico em Pernambuco para o futuro, algumas ações são urgentes. Dentre elas, destaca-se a reforma abrangente do currículo, que deve incluir práticas desde os primeiros períodos de estudo, colaboração com outras disciplinas e uso intenso de tecnologias; formação contínua dos docentes, já que professores atualizados são cruciais para a qualidade, o que demanda investimentos e incentivo à pesquisa; formação de parcerias institucionais, por meio de acordos com tribunais, ministérios públicos, defensorias e escritórios para expandir o campo prático; promoção da inclusão social, com iniciativas que garantam que estudantes de baixa renda possam ingressar e concluir seus cursos com excelência, evitando exclusões por dificuldades econômicas; e inovação pedagógica, através da aplicação de metodologias ativas, ensino baseado em projetos, simulações e estudos de casos reais. Essas iniciativas não são apenas estratégicas, mas necessitam de implementação imediata. A cada grupo de formandos que deixa a faculdade sem a devida preparação, a qualidade da advocacia diminui e a sociedade perde direitos fundamentais. 

No campo do Direito, existem disposições inalteráveis: normas constitucionais que não podem ser eliminadas, nem mesmo através de emendas. Dentro da educação jurídica, a “cláusula pétrea” deveria representar a busca pela excelência e pelo impacto social. O dia 11 de agosto representa uma chance para reafirmar esse compromisso. Pernambuco possui uma trajetória que o torna um exemplo nacional na formação de profissionais do Direito. Contudo, a tradição, por si só, não assegura um futuro promissor. É essencial ter coragem, inovar e reconhecer que a educação jurídica não deve ser apenas um meio de replicar teorias: deve transformar os estudantes em agentes de mudança. Se desejamos que o diploma de bacharel em Direito continue simbolizando capacidade, ética e liderança, devemos resguardar essa cláusula de formação da mesma forma que defendemos os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. Pois, sem uma educação jurídica sólida, o Direito se torna vulnerável e, com isso, a própria justiça também.

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