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O Direito democrático entre a metáfora espacial do dogma e a realidade temporal da vida

Postado em 28 de junho de 2025 Por Carlos Eduardo de Vasconcelos Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, Prof. Visitante da PUC/RIO, Bel. em Direito pela UNICAP/PE, Prof. Honoris Causa pela Faculdade de Olinda, Medalha Joaquim Amazonas pela OAB/PE, Cofundador do Instituto Brasileiro de Justiça Restaurativa. Foi Diretor e Coordenador das Práticas Jurídicas e Restaurativas da UNIFG/PE. Integrou a Comissão que colaborou na redação da Lei de Mediação.

1. Introdução

O Direito Democrático é fruto de uma construção histórica orientada pelo objetivo de limitar o poder. Sua função essencial consiste em garantir que nenhuma força social, por mais hegemônica que seja, exerça dominação arbitrária sobre os indivíduos. Contudo, ao organizar esses limites, o Direito recorre a uma estrutura dogmática que, por sua própria natureza, busca afirmar verdades permanentes e universais.

Tal estrutura se expressa por meio de uma linguagem que delimita espaços, estabelece fronteiras normativas e cria um mapa simbólico das relações sociais. É nesse sentido que podemos falar de uma metáfora espacial do dogma jurídico: um conjunto de marcos normativos que pretende fixar, estabilizar e universalizar os princípios de justiça.

Entretanto, o Direito se realiza nas vidas concretas, no tempo das sociedades que o produzem e o transformam. Aqui se evidencia a tensão central: o Direito Democrático precisa articular uma dogmática aparentemente imutável com as exigências de uma realidade histórica, plural e em constante metamorfose.

2. A espacialidade dogmática: o Direito como mapa normativo

A dogmática jurídica opera como uma tentativa de criar um espaço normativo estável, um mapa de orientações que oferece segurança e previsibilidade. Como observa Jürgen Habermas (1997), a legitimidade do Direito moderno decorre de um processo racional de construção normativa, que busca fixar parâmetros de validade independentemente das contingências sociais.

John Rawls (1971), ao elaborar sua teoria da justiça como equidade, também trabalha com categorias universais, propondo princípios básicos que devem valer em qualquer estrutura de sociedade democrática. O espaço da dogmática, portanto, é o da normatividade abstrata: um conjunto de coordenadas teóricas destinadas a orientar a ação humana.

Do ponto de vista hermenêutico, Ronald Dworkin (1986) reforça esse caráter espacial da dogmática ao falar da existência de uma ‘resposta certa’ para cada caso jurídico, subentendendo uma estrutura normativa pré-existente que o intérprete deve localizar e aplicar.

3. A temporalidade da vida: a experiência histórica do Direito

Por outro lado, o Direito Democrático não pode se desconectar da história. Como afirma Gustav Radbruch (1946), o Direito não é apenas um sistema de normas, mas um fenômeno social que responde a contextos concretos.

As sociedades mudam. As demandas por justiça são historicamente situadas. As lutas por direitos civis, a ampliação de garantias fundamentais, a pluralização das formas de convivência e o reconhecimento de minorias mostram que o Direito, para permanecer legítimo, precisa adaptar-se.

Nesse sentido, a metáfora temporal serve para ilustrar a dimensão de fluidez e transformação que caracteriza a experiência jurídica nas democracias contemporâneas. A vida social é dinâmica, e o Direito, se quiser manter sua função de limite ao poder, precisa acompanhar essas mutações.

4. Direito Democrático: o campo de tensão entre espaço e tempo

O desafio central do Direito Democrático é manter o equilíbrio entre essas duas dimensões. A metáfora espacial da dogmática confere estabilidade; a realidade temporal da vida exige adaptabilidade.

Habermas (1997) propõe a ideia de uma racionalidade procedimental: normas devem ser revistas à luz de processos discursivos, inclusivos e participativos. Dworkin (1986) afirma que a interpretação jurídica exige sensibilidade tanto ao texto normativo quanto à moralidade política do momento histórico.

Além disso, a análise das metáforas jurídicas, como destaca Morra, Rossi e Bazzanella (2010), evidencia que o próprio pensamento jurídico é moldado por linguagens que ora congelam significados, ora permitem sua reinvenção.

5. Conclusão: O Direito como medida histórica do humano

O Direito Democrático não é um sistema de verdades eternas, mas um processo contínuo de construção de sentidos. Sua dogmática opera como uma metáfora espacial que tenta fixar regras e princípios, mas é na temporalidade da vida que ele encontra efetividade e legitimidade.

Assim, o Direito Democrático é complexo e plural, ao operar entre a) a dogmática das regras de conduta, b) o legítimo protagonismo dos atores do mundo da vida e c) a hermenêutica das regras sobre regras.

Se há uma verdade jurídica, ela é histórica, plural e sujeita a metamorfose. O Direito Democrático, portanto, é um esforço permanente de mediação entre o espaço da norma e o mundo temporal da vida, em busca do aprimoramento democrático. E a história vem comprovando que esse aprimoramento se dá, para além da cultura de dominação e violência, no espaço da combatividade construtiva do diálogo emancipatório. Daí a importãncia das habilidades, competências, métodos e estratégias comunicativas, que o Direito Democrático Multiportas nos enseja, em benefício de todos. Em benefício da advocacia e da cidadania democráticas, é de se esperar que o CFOAB aprove a instituição da Comissão Nacional de Integração das Estratégias de uma Advocacia Multiportas.

Referências

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RADBRUCH, Gustav. Filosofia do Direito. Coimbra: Almedina, 1946.
MORRA, G.; ROSSI, A.; BAZZANELLA, C. Metáforas e Direito: Perspectivas Teóricas. Roma: Aracne Editrice, 2010.
LAKOFF, G.; JOHNSON, M. Metáforas da Vida Cotidiana. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

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