Kennedy Eduardo Barbosa da Silva

O reintegra e a cláusula esquecida: A invisibilidade do § 2º do Art. 22 da Lei 13.043/2014

Postado em 03 de setembro de 2025 Por Kennedy Eduardo Barbosa da Silva Kennedy Eduardo é Advogado e Contador, Membro da Comissão de Direito da Energia da OAB/PE, com especialização em direito Tributário e atuação na área fiscal / tributária de indústrias há mais de 15 anos.

Com o intuito de desonerar a cadeia de exportação, o governo federal editou, inicialmente no ano de 2011, a MP 540/2011, posteriormente convertida na Lei Nº 12.546/2011[1], que instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para empresas exportadoras – REINTEGRA. O dispositivo legal que teve como objetivo “reintegrar valores referentes a custos tributários federais residuais existentes nas suas cadeias de produção”, se propôs a ser uma alternativa para evitar a exportação tributos, das empresas que atendem o mercado externo. Posteriormente, a norma foi reeditada através da Lei 13.043/2014[2], modificando o texto de seu objetivo para “devolver parcial ou integralmente o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados”.

O crédito tributário gerado para os exportadores, que é devolvido nas proporções de 17,84% e 82,16%, a título das Contribuições PIS/Pasep e Cofins, respectivamente, inicialmente regulamentado pelo DECRETO Nº 8.415, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2015[3], e chegou a alcançar uma alíquota de 3%, aplicada sobre o valor das exportações, foi sendo desidratado aos poucos, até chegar ao singelo percentual de 0,1% quando da edição do DECRETO Nº 9.393, DE 30 DE MAIO DE 2018[4]. Tal decreto, que reduziu o percentual de 2% para 0,1%, foi objeto de diversos questionamentos, pelos quais o STF adotou o Tema 1108, uma vez que, dentre as reduções de percentuais previstos pela norma citada, não teriam sido observados os princípios da anterioridade geral e nonagesimal. A corte, ao apreciar os pedidos, fixou a seguinte tese[5]:

 As reduções do percentual de crédito a ser apurado no Reintegra, assim como a revogação do benefício, ensejam a majoração indireta das contribuições para o PIS e Cofins e devem observar, quanto à sua vigência, o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 195, § 6º, da CF, não se lhes aplicando o princípio da anterioridade geral ou de exercício, previsto no art. 150, III, b. (grifos nossos)

Com isso, empresas exportadoras que entraram com ações no judiciário, puderam ao menos manter o crédito em 2% sobre o valor das exportações, por mais 90 dias, após a publicação do decreto 9.393/2018.

Recentemente o REINTEGRA passou por novas alterações legislativas quando, após o tarifaço imposto pelo governo americano a alguns produtos brasileiros, o governo aprovou Lei Complementar 216 de 2025[6], criando o Programa Acredita Exportação que, além de manter a variação dos percentuais de 0,1% a 3%, previu diferenciações por tipo de produto e por porte de empresa, que venha a efetuar exportações.

Com efeitos práticos imediatos, as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas nos termos da Lei Complementar 123 de 2006[7], já têm a previsão legal regulamentada[8], para usufruir, entre agosto de 2025 e dezembro de 2026, o direito a 3% de crédito de REINTEGRA, incidentes sobre os valores dos bens exportados. No entanto, as demais empresas que não se enquadram no critério de micro e pequenas empresas, e que representam quase 60% do total, em quantidade, e mais de 90%, em valor absoluto de exportações, seguem tendo direito 0,1% de crédito, ao menos até a data de submissão deste artigo.

Para entendermos melhor o impacto que poderia ter o alcance da medida, caso fosse ampliada a todos os exportadores, passamos a observar os dados das empresas brasileiras que exportam, em números:

Gráfico 1 – Quantidade de empresas exportadoras

image

Gráfico 2 – Exportações totais por porte em US$

image 3

Fonte: Secretaria de Comércio Exterior – SECEX/MDIC[9]

A partir dos dados extraídos, com base no ano de 2024 e nos valores históricos dos anos anteriores, podemos observar que, em números absolutos, as empresas que seguem tendo direito a apenas 0,1% do crédito de REINTEGRA, representam, em valores de exportação, uma proporção absolutamente maior do que as que foram, até o momento, beneficiadas com a majoração para 3% do benefício. Ou seja, as médias e grandes empresas seguem exportando tributos, e tendo sua cadeia produtiva onerada.

Além disso, chamamos atenção para outro ponto que nunca chegou a ser regulamentado: o adicional de 2% de crédito, caso seja levantado resíduo tributário que justifique sua devolução, assim previsto na Lei 13.043/2014, Art. 22, § 2º:

Excepcionalmente, poderá ser acrescido em até 2 (dois) pontos percentuais o percentual a que se refere o § 1º, em caso de exportação de bens em cuja cadeia de produção se verifique a ocorrência de resíduo tributário que justifique a devolução adicional de que trata este parágrafo, comprovado por estudo ou levantamento realizado conforme critérios e parâmetros definidos em regulamento. (grifos nossos)

A ocorrência de resíduo tributário pode nos levar a diversas intepretações conceituais. No entanto, no contexto da reforma tributária do consumo, prevista na Emenda Constitucional 132 de 2023[10] e regulamentada pela LC 214 de 2025[11], esse resíduo pode ser substancialmente reduzido, até a completa implementação da reforma em 2033, já que dentre os novos princípios tributários instituídos, está o Princípio da Não Cumulatividade Plena dos novos tributos (IBS e CBS). Porém, até lá, teremos uma longa jornada e a convivência com tributos cumulativos e “parcialmente” não cumulativos, como é o caso do ICMS que, dentre outras situações, não permite o aproveitamento de crédito sobre materiais de uso e consumo. A título exemplificativo, se avaliarmos a “linha do tempo” das vedações de crédito de ICMS sobre aquisições de materiais de uso e consumo, previsto da lei Kandir[12], veremos que o fim da vedação ocorrerá no mesmo período da extinção do imposto, que será substituído pelo IBS:

Imagem 1 – Texto do Art. 33, da Lei Kandir

image 4

Essa é apenas uma das situações em que podemos verificar a ocorrência de resíduos tributários, mas podemos citar diversas outras, tanto no campo do ICMS, quanto em outros tributos. Vejamos alguns exemplos:

ICMS sobre energia elétrica

  • Vedado quando não a aquisição não for objeto de operação de saída de energia elétrica;
  • Vedado quando não for consumida no processo de industrialização;
  • Vedado na Proporção em que seu consumo não resulte de saída para o exterior.

PIS[13] e COFINS[14]

  • No caso de empresas comerciais, o crédito fica restrito às operações de compra para revenda;
  • No caso de empresas industriais e prestadoras de serviços, o crédito fica restrito às operações de compras, custos e demais despesas utilizadas no processo produtivo ou da prestação de serviços, ficando de fora diversas despesas voltadas para atividades administrativas dos estabelecimentos.

IPI[15]

  • Restrições ao crédito do que não for aplicado diretamente no processo produtivo;
  • Restrições ao crédito na aquisição de Equipamentos para integralizar o ativo imobilizado das companhias

ISS[16]

  • O tributo não permite nenhum tipo de aproveitamento de crédito, pois tem natureza cumulativa.

As situações indicadas certamente dão uma noção das operações que oneram as cadeias produtivas de empresas exportadoras, considerando a cumulatividade dos tributos incidentes, tendo como consequência o aumento dos custos de produção.

A “cláusula esquecida” – o § 2º do art. 22 da Lei 13.043/2014 – é clara ao condicionar o acréscimo do crédito a ser devolvido à comprovação técnica da existência de resíduos tributários. Mas o dispositivo permanece inerte, pois jamais foi regulamentado pelo Poder Executivo. A ausência de regulamentação torna o benefício juridicamente inaplicável, frustrando expectativas legítimas do setor exportador e esvaziando o alcance da norma. Essa omissão normativa foi reconhecida em decisões judiciais, como no Agravo Regimental no RE 1.285.177[17], em que o STF afirmou que não há direito à devolução adicional sem regulamentação específica, remetendo a discussão ao STJ por tratar-se de matéria infraconstitucional.

Do ponto de vista doutrinário, autores como Heleno Taveira Torres[18] e Valter Lobato[19] já alertaram para o risco de se criar normas de eficácia limitada, cuja aplicação depende de atos infralegais que nunca se concretizam. O § 2º é um exemplo clássico de norma programática não implementada, que compromete a efetividade do Reintegra como política pública de desoneração.

Além disso, a falta de parâmetros técnicos para mensurar o resíduo tributário — como já discutido na ADI 6040 — reforça a necessidade de uma definição legal e metodológica clara, sob pena de perpetuar um modelo fiscal marcado pela discricionariedade e insegurança jurídica. A regulamentação do § 2º do art. 22 da Lei 13.043/2014 não é apenas uma questão técnica: é um imperativo de justiça fiscal. Enquanto o dispositivo permanecer inerte, o Reintegra seguirá como uma promessa não cumprida, e o Brasil continuará exportando não apenas bens, mas também tributos. Cabe ao legislador e ao Executivo enfrentar essa lacuna com seriedade, sob pena de perpetuar um modelo que penaliza a produção nacional e compromete a competitivid

[1] LEI Nº 12.546, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2011. Acessado em 19 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm >

[2] LEI Nº 13.043, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014. Acessado em 22 de agosto de 25, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm>

 [3] DECRETO Nº 8.415, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2015. Acessado em 21 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8415.htm>

 [4] DECRETO Nº 9.393, DE 30 DE MAIO DE 2018. Acessado em 19 de agosto de 2025, de:

<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9393.htm#art1>

 [5] STF: Redução do Reintegra produz efeitos após 90 dias da alteração. Acessado em 19 de agosto de 2025, de: < https://www.migalhas.com.br/quentes/431040/stf-reducao-do-reintegra-produz-efeitos-apos-90-dias-da-alteracao>

[6] LEI Nº 13.043, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm>

 [7] LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp123.htm>

 [8] DECRETO Nº 12.565, DE 28 DE JULHO DE 2025. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Decreto/D12565.htm#art1>

 [9] Exportação e Importação por Porte Fiscal das empresas. Acessado em 21 de agosto de 2025, de: <https://balanca.economia.gov.br/balanca/outras/porte/relatorio_porte.html >

[10] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 132, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2023. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03///////Constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm>

[11] LEI COMPLEMENTAR Nº 214, DE 16 DE JANEIRO DE 2025. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp214.htm>

 [12] LEI COMPLEMENTAR Nº 87, DE 13 DE SETEMBRO DE 1996. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp87.htm>

[13] LEI No 10.637, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2002. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10637compilado.htm>

 [14] LEI No 10.833, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2003. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.833.htm>

 [15] DECRETO Nº 7.212, DE 15 DE JUNHO DE 2010. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7212.htm>

[16] LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm>

[17] ARE 1285177. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/…>

 [18] – TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica. São Paulo: Thomson Reuters, 2019

[19] – LOBATO, Valter. Segurança Jurídica e Tributação: Limites à Discricionariedade Fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2017.

A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.

Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.

Gostou? Compartilhe esse Conteúdo.

Fale Conosco pelo WhatsApp
Ir para o Topo do Site