Com o intuito de desonerar a cadeia de exportação, o governo federal editou, inicialmente no ano de 2011, a MP 540/2011, posteriormente convertida na Lei Nº 12.546/2011[1], que instituiu o Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para empresas exportadoras – REINTEGRA. O dispositivo legal que teve como objetivo “reintegrar valores referentes a custos tributários federais residuais existentes nas suas cadeias de produção”, se propôs a ser uma alternativa para evitar a exportação tributos, das empresas que atendem o mercado externo. Posteriormente, a norma foi reeditada através da Lei 13.043/2014[2], modificando o texto de seu objetivo para “devolver parcial ou integralmente o resíduo tributário remanescente na cadeia de produção de bens exportados”.
O crédito tributário gerado para os exportadores, que é devolvido nas proporções de 17,84% e 82,16%, a título das Contribuições PIS/Pasep e Cofins, respectivamente, inicialmente regulamentado pelo DECRETO Nº 8.415, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2015[3], e chegou a alcançar uma alíquota de 3%, aplicada sobre o valor das exportações, foi sendo desidratado aos poucos, até chegar ao singelo percentual de 0,1% quando da edição do DECRETO Nº 9.393, DE 30 DE MAIO DE 2018[4]. Tal decreto, que reduziu o percentual de 2% para 0,1%, foi objeto de diversos questionamentos, pelos quais o STF adotou o Tema 1108, uma vez que, dentre as reduções de percentuais previstos pela norma citada, não teriam sido observados os princípios da anterioridade geral e nonagesimal. A corte, ao apreciar os pedidos, fixou a seguinte tese[5]:
As reduções do percentual de crédito a ser apurado no Reintegra, assim como a revogação do benefício, ensejam a majoração indireta das contribuições para o PIS e Cofins e devem observar, quanto à sua vigência, o princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 195, § 6º, da CF, não se lhes aplicando o princípio da anterioridade geral ou de exercício, previsto no art. 150, III, b. (grifos nossos)
Com isso, empresas exportadoras que entraram com ações no judiciário, puderam ao menos manter o crédito em 2% sobre o valor das exportações, por mais 90 dias, após a publicação do decreto 9.393/2018.
Recentemente o REINTEGRA passou por novas alterações legislativas quando, após o tarifaço imposto pelo governo americano a alguns produtos brasileiros, o governo aprovou Lei Complementar 216 de 2025[6], criando o Programa Acredita Exportação que, além de manter a variação dos percentuais de 0,1% a 3%, previu diferenciações por tipo de produto e por porte de empresa, que venha a efetuar exportações.
Com efeitos práticos imediatos, as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas nos termos da Lei Complementar 123 de 2006[7], já têm a previsão legal regulamentada[8], para usufruir, entre agosto de 2025 e dezembro de 2026, o direito a 3% de crédito de REINTEGRA, incidentes sobre os valores dos bens exportados. No entanto, as demais empresas que não se enquadram no critério de micro e pequenas empresas, e que representam quase 60% do total, em quantidade, e mais de 90%, em valor absoluto de exportações, seguem tendo direito 0,1% de crédito, ao menos até a data de submissão deste artigo.
Para entendermos melhor o impacto que poderia ter o alcance da medida, caso fosse ampliada a todos os exportadores, passamos a observar os dados das empresas brasileiras que exportam, em números:
Gráfico 1 – Quantidade de empresas exportadoras
Gráfico 2 – Exportações totais por porte em US$
Fonte: Secretaria de Comércio Exterior – SECEX/MDIC[9]
A partir dos dados extraídos, com base no ano de 2024 e nos valores históricos dos anos anteriores, podemos observar que, em números absolutos, as empresas que seguem tendo direito a apenas 0,1% do crédito de REINTEGRA, representam, em valores de exportação, uma proporção absolutamente maior do que as que foram, até o momento, beneficiadas com a majoração para 3% do benefício. Ou seja, as médias e grandes empresas seguem exportando tributos, e tendo sua cadeia produtiva onerada.
Além disso, chamamos atenção para outro ponto que nunca chegou a ser regulamentado: o adicional de 2% de crédito, caso seja levantado resíduo tributário que justifique sua devolução, assim previsto na Lei 13.043/2014, Art. 22, § 2º:
Excepcionalmente, poderá ser acrescido em até 2 (dois) pontos percentuais o percentual a que se refere o § 1º, em caso de exportação de bens em cuja cadeia de produção se verifique a ocorrência de resíduo tributário que justifique a devolução adicional de que trata este parágrafo, comprovado por estudo ou levantamento realizado conforme critérios e parâmetros definidos em regulamento. (grifos nossos)
A ocorrência de resíduo tributário pode nos levar a diversas intepretações conceituais. No entanto, no contexto da reforma tributária do consumo, prevista na Emenda Constitucional 132 de 2023[10] e regulamentada pela LC 214 de 2025[11], esse resíduo pode ser substancialmente reduzido, até a completa implementação da reforma em 2033, já que dentre os novos princípios tributários instituídos, está o Princípio da Não Cumulatividade Plena dos novos tributos (IBS e CBS). Porém, até lá, teremos uma longa jornada e a convivência com tributos cumulativos e “parcialmente” não cumulativos, como é o caso do ICMS que, dentre outras situações, não permite o aproveitamento de crédito sobre materiais de uso e consumo. A título exemplificativo, se avaliarmos a “linha do tempo” das vedações de crédito de ICMS sobre aquisições de materiais de uso e consumo, previsto da lei Kandir[12], veremos que o fim da vedação ocorrerá no mesmo período da extinção do imposto, que será substituído pelo IBS:
Imagem 1 – Texto do Art. 33, da Lei Kandir
Essa é apenas uma das situações em que podemos verificar a ocorrência de resíduos tributários, mas podemos citar diversas outras, tanto no campo do ICMS, quanto em outros tributos. Vejamos alguns exemplos:
ICMS sobre energia elétrica
IPI[15]
ISS[16]
As situações indicadas certamente dão uma noção das operações que oneram as cadeias produtivas de empresas exportadoras, considerando a cumulatividade dos tributos incidentes, tendo como consequência o aumento dos custos de produção.
A “cláusula esquecida” – o § 2º do art. 22 da Lei 13.043/2014 – é clara ao condicionar o acréscimo do crédito a ser devolvido à comprovação técnica da existência de resíduos tributários. Mas o dispositivo permanece inerte, pois jamais foi regulamentado pelo Poder Executivo. A ausência de regulamentação torna o benefício juridicamente inaplicável, frustrando expectativas legítimas do setor exportador e esvaziando o alcance da norma. Essa omissão normativa foi reconhecida em decisões judiciais, como no Agravo Regimental no RE 1.285.177[17], em que o STF afirmou que não há direito à devolução adicional sem regulamentação específica, remetendo a discussão ao STJ por tratar-se de matéria infraconstitucional.
Do ponto de vista doutrinário, autores como Heleno Taveira Torres[18] e Valter Lobato[19] já alertaram para o risco de se criar normas de eficácia limitada, cuja aplicação depende de atos infralegais que nunca se concretizam. O § 2º é um exemplo clássico de norma programática não implementada, que compromete a efetividade do Reintegra como política pública de desoneração.
Além disso, a falta de parâmetros técnicos para mensurar o resíduo tributário — como já discutido na ADI 6040 — reforça a necessidade de uma definição legal e metodológica clara, sob pena de perpetuar um modelo fiscal marcado pela discricionariedade e insegurança jurídica. A regulamentação do § 2º do art. 22 da Lei 13.043/2014 não é apenas uma questão técnica: é um imperativo de justiça fiscal. Enquanto o dispositivo permanecer inerte, o Reintegra seguirá como uma promessa não cumprida, e o Brasil continuará exportando não apenas bens, mas também tributos. Cabe ao legislador e ao Executivo enfrentar essa lacuna com seriedade, sob pena de perpetuar um modelo que penaliza a produção nacional e compromete a competitivid
[1] LEI Nº 12.546, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2011. Acessado em 19 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12546.htm >
[2] LEI Nº 13.043, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014. Acessado em 22 de agosto de 25, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm>
[3] DECRETO Nº 8.415, DE 27 DE FEVEREIRO DE 2015. Acessado em 21 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/decreto/d8415.htm>
[4] DECRETO Nº 9.393, DE 30 DE MAIO DE 2018. Acessado em 19 de agosto de 2025, de:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Decreto/D9393.htm#art1>
[5] STF: Redução do Reintegra produz efeitos após 90 dias da alteração. Acessado em 19 de agosto de 2025, de: < https://www.migalhas.com.br/quentes/431040/stf-reducao-do-reintegra-produz-efeitos-apos-90-dias-da-alteracao>
[6] LEI Nº 13.043, DE 13 DE NOVEMBRO DE 2014. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13043.htm>
[7] LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp123.htm>
[8] DECRETO Nº 12.565, DE 28 DE JULHO DE 2025. Acessado em 20 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2025/Decreto/D12565.htm#art1>
[9] Exportação e Importação por Porte Fiscal das empresas. Acessado em 21 de agosto de 2025, de: <https://balanca.economia.gov.br/balanca/outras/porte/relatorio_porte.html >
[10] EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 132, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2023. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03///////Constituicao/Emendas/Emc/emc132.htm>
[11] LEI COMPLEMENTAR Nº 214, DE 16 DE JANEIRO DE 2025. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp214.htm>
[12] LEI COMPLEMENTAR Nº 87, DE 13 DE SETEMBRO DE 1996. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp87.htm>
[13] LEI No 10.637, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2002. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10637compilado.htm>
[14] LEI No 10.833, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2003. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2003/L10.833.htm>
[15] DECRETO Nº 7.212, DE 15 DE JUNHO DE 2010. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/decreto/d7212.htm>
[16] LEI COMPLEMENTAR Nº 116, DE 31 DE JULHO DE 2003. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp116.htm>
[17] ARE 1285177. Acessado em 22 de agosto de 2025, de: <https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/…>
[18] – TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica. São Paulo: Thomson Reuters, 2019
[19] – LOBATO, Valter. Segurança Jurídica e Tributação: Limites à Discricionariedade Fiscal. Belo Horizonte: Fórum, 2017.
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