O plasma humano não é mercadoria. Embora a Constituição Federal de 1988 não o defina explicitamente como bem público, ao regulamentar a doação e uso de órgãos, tecidos e substâncias humanas, deixou claro que esses elementos devem atender a um fim público. O plasma, derivado do sangue humano, deve ser usado com base em valores éticos e legais que prezam pela dignidade da pessoa humana e pela promoção da saúde, sem espaço para interesses comerciais.
A escolha do constituinte originário foi deliberada: proibir a comercialização de partes do corpo humano. O art. 199, §4º da Constituição, juntamente com a Lei nº 10.205/2001 (Lei do Sangue), formam um marco normativo que estabelece o sangue e seus derivados como instrumentos de política pública, resguardados de qualquer finalidade lucrativa. A esses tecidos humanos, aplica-se um tratamento de excepcionalidade, pautado em princípios como solidariedade, dignidade e interesse social.
Nesse cenário, é equivocado afirmar que há liberdade total quanto à destinação do plasma. Ao contrário, sua utilização deve seguir rigorosamente os preceitos legais e constitucionais. O plasma humano só pode ser aproveitado de maneira que respeite a política pública do sangue, estruturada pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Hemobrás, por exemplo, atua como braço industrial do Estado brasileiro, transformando o excedente de plasma em medicamentos hemoderivados de uso exclusivo do SUS, devolvendo à sociedade o benefício da doação voluntária.
A atividade com plasma humano é regulada e, portanto, sujeita a normas específicas. A coleta, o processamento e a distribuição desses materiais não podem gerar lucro privado. O art. 14, §2º e §3º da Lei do Sangue, além de portarias do Ministério da Saúde, vedam a comercialização do plasma e impõem a destinação obrigatória de seus excedentes a centros públicos de produção. O envolvimento da iniciativa privada, ainda que possível na assistência à saúde, exige a adesão integral aos princípios do SUS e à vedação de monetização dos tecidos humanos.
Permitir que o plasma seja precificado como insumo seria deturpar sua natureza jurídica e ética. Isso abriria espaço para o surgimento de um mercado que lucra com o que deveria ser fruto de altruísmo. Ainda que uma empresa aceite operar nesse segmento, deve fazê-lo ciente de que a obtenção de vantagens econômicas a partir do plasma excedente fere frontalmente os fundamentos da regulação vigente. A regra é clara: não há lucro sobre o que pertence ao corpo humano, mesmo quando doado.
Sob a ótica bioética, a produção de medicamentos exige, além de rigor técnico, respeito profundo à vida humana e aos seus limites morais. A história mostra, inclusive, os riscos de se cruzar essa linha. A liberdade individual, expressa no princípio da autonomia, não é absoluta. Deve ser equilibrada pela beneficência, pela não maleficência e pela justiça — princípios que impõem limites éticos à exploração do corpo humano, mesmo quando com consentimento.
O Código Civil, em seu art. 13, reforça essa perspectiva ao proibir atos de disposição do próprio corpo que comprometam sua integridade ou violem os bons costumes. Isso inclui práticas que visem à comercialização de tecidos humanos, ainda que sob a aparência de legalidade. Nossa sociedade optou por proteger o ser humano de sua própria vulnerabilidade, reafirmando o valor coletivo da dignidade e da solidariedade sobre os interesses comerciais.
Conclui-se, assim, que o plasma humano não deve, e não pode, ser transformado em instrumento de lucro. Essa é uma conquista bioética, jurídica e social. Ao preservar o plasma como expressão de solidariedade e não de comércio, reforçamos o compromisso com a saúde pública, com os bons costumes e, sobretudo, com a dignidade da pessoa humana. O sangue é vida — e a vida não tem preço.
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