INTRODUÇÃO
A Reforma Trabalhista brasileira, aprovada pela Lei nº 13.467/2017, representou a mais ampla modificação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) desde sua criação em 1943. Alterando mais de cem artigos da legislação laboral, a reforma foi apresentada como resposta à necessidade de modernização das relações de trabalho, de adequação às novas dinâmicas do mercado global e de estímulo à geração de empregos formais. Seus defensores sustentam que a flexibilização de regras rígidas, herdadas de um contexto industrial do século XX, seria fundamental para dinamizar a economia e ampliar a competitividade do Brasil. Por outro lado, críticos argumentaram que as mudanças significaram um retrocesso, com supressão de direitos historicamente conquistados, fragilização da proteção social e aumento da precarização. Nesse cenário, a questão que se coloca é se a Reforma Trabalhista de fato promoveu modernização ou se representou supressão de garantias fundamentais asseguradas pela Constituição de 1988.
O Direito do Trabalho no Brasil consolidou-se com a CLT, criada em 1943 no governo de Getúlio Vargas, com o objetivo de unificar normas dispersas e instituir um marco regulatório que garantisse proteção mínima ao trabalhador em um contexto de industrialização crescente. Inspirada na doutrina social do trabalho e nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a CLT se estruturou sobre a função protetiva, materializada em princípios como o da proteção, da irrenunciabilidade de direitos, da norma mais favorável e da condição mais benéfica (Delgado, 2019). Com a Constituição de 1988, os direitos trabalhistas foram elevados à condição de garantias fundamentais. O art. 7º da Carta Magna ampliou o rol de direitos, assegurando jornada máxima de 44 horas semanais, adicional de insalubridade, FGTS, proteção contra despedida arbitrária e outros dispositivos que reafirmaram a centralidade do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana como fundamentos da República (art. 1º, III e IV).
DESENVOLVIMENTO
A reforma de 2017 surgiu em um contexto de crise econômica, recessão e altos índices de desemprego. O governo e setores empresariais defendiam que a rigidez da CLT dificultava contratações, elevava a informalidade e limitava a competitividade do Brasil no cenário global. Flexibilizar normas seria, segundo essa visão, uma forma de dinamizar contratações, permitir maior autonomia negocial e formalizar novas modalidades de trabalho, como o remoto e o intermitente. Contudo, órgãos como o Ministério Público do Trabalho, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) e o DIEESE alertaram que a reforma poderia enfraquecer a proteção social, reduzir direitos e restringir o acesso à Justiça do Trabalho (DIEESE, 2017).
As alterações trazidas pela Lei nº 13.467/2017 foram amplas. O ponto mais debatido foi a prevalência do negociado sobre o legislado, que permitiu que acordos coletivos e convenções prevalecessem sobre a lei em diversos temas, como jornada, banco de horas, intervalo intrajornada e plano de cargos. Para alguns, tratou-se de valorização da autonomia coletiva; para outros, de possibilidade de renúncia a direitos mínimos em um cenário de fragilidade sindical (Barros, 2018). Outra mudança significativa foi a criação do trabalho intermitente, modalidade na qual o empregado é convocado de forma esporádica e remunerado apenas pelas horas efetivamente trabalhadas. Embora apresentado como mecanismo de formalização, diversos juristas afirmam que ele transfere riscos econômicos ao trabalhador e agrava a insegurança laboral (Delgado, 2019).
A regulamentação do teletrabalho ou home office representou um avanço, ao conferir maior segurança jurídica à prática. Entretanto, a lei deixou em aberto temas como o controle de jornada e a responsabilidade por custos com equipamentos, o que gerou controvérsias (Cassar, 2020). Também foram modificadas regras de jornada e descanso, como a possibilidade de redução do intervalo intrajornada por acordo e a criação da jornada 12×36 mediante acordo individual, antes restrita a convenção coletiva. A reforma ainda impactou fortemente a Justiça do Trabalho ao impor restrições ao acesso gratuito, estabelecendo honorários sucumbenciais mesmo para beneficiários da justiça gratuita, o que foi interpretado como obstáculo ao direito de ação (Souto Maior, 2018).
Outro ponto relevante foi a alteração da contribuição sindical, que deixou de ser obrigatória e passou a ser facultativa. Se, por um lado, essa mudança ampliou a liberdade de escolha do trabalhador, por outro fragilizou financeiramente os sindicatos, reduzindo sua capacidade de mobilização e negociação coletiva.
Os argumentos a favor da reforma destacaram a flexibilidade contratual, a adequação às novas dinâmicas de trabalho, a possibilidade de formalizar vínculos precários e a redução da judicialização, além do fortalecimento da negociação coletiva. Economistas como José Pastore (2017) sustentaram que a rigidez da CLT era incompatível com as necessidades modernas e que a reforma representava o passo necessário para aumentar a competitividade. Entretanto, as críticas apontaram a precarização das condições de trabalho, o enfraquecimento da proteção constitucional, as restrições ao acesso à Justiça do Trabalho e o desmonte sindical. A OIT, em relatório de 2018, demonstrou preocupação com dispositivos como o trabalho intermitente e a prevalência do negociado sobre o legislado, entendendo que poderiam comprometer convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.
Os impactos sociais e econômicos da reforma ainda são objeto de debate. Passados mais de cinco anos, não houve geração massiva de empregos formais como prometido. Segundo dados do IBGE (2022), mais de 40% da força de trabalho brasileira permanece na informalidade. O trabalho intermitente e parcial cresceu, mas sem representar solução estrutural para o desemprego. Pelo contrário, estudos do DIEESE (2021) apontam que tais modalidades funcionaram mais como nichos de precarização do que como mecanismos de proteção. No campo sindical, a extinção da contribuição obrigatória reduziu a capacidade de negociação de entidades, o que reforçou a desigualdade nas relações de poder entre capital e trabalho.
Na esfera constitucional, a análise é igualmente complexa. A Constituição de 1988 consagra a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho como fundamentos da República. O art. 7º estabelece direitos sociais de natureza fundamental, e o princípio da proteção orienta o Direito do Trabalho para corrigir desigualdades estruturais. Nesse sentido, a prevalência irrestrita do negociado sobre o legislado pode fragilizar a função protetiva do direito laboral. Como explica Delgado (2019), o Direito do Trabalho existe precisamente para equilibrar relações marcadas pela desigualdade estrutural entre capital e trabalho. Ainda assim, o Supremo Tribunal Federal tem validado diversos dispositivos da reforma, reforçando a autonomia coletiva e a liberdade de negociação.
CONCLUSÃO
A Reforma Trabalhista de 2017 representou um marco de mudanças profundas nas relações laborais brasileiras. Ela trouxe elementos de modernização, como a regulamentação do teletrabalho e o reconhecimento de maior autonomia coletiva, mas também acarretou riscos evidentes de supressão de direitos, precarização de vínculos e enfraquecimento sindical. A promessa de dinamizar contratações e reduzir a informalidade não se concretizou plenamente, e os desafios do mercado de trabalho permanecem.
Assim, a resposta à questão “modernização ou supressão de direitos?” não pode ser unívoca. A reforma contém aspectos de ambos os lados, revelando-se como um processo híbrido, em que a modernização veio acompanhada de retrocessos significativos. O desafio futuro é repensar um modelo que concilie flexibilidade e competitividade econômica com a preservação da dignidade do trabalhador e dos princípios constitucionais que sustentam o Direito do Trabalho.
REFERÊNCIAS
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2018. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Altera a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União, Brasília, 14 jul. 2017.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 2019.
DIEESE. Nota Técnica: Reforma Trabalhista e impactos. São Paulo: DIEESE, 2017.
DIEESE. Balanço dos impactos da reforma trabalhista. São Paulo: DIEESE, 2021.
IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua 2022. Brasília: IBGE, 2022.
OIT. Relatório sobre o Brasil: observações relativas à reforma trabalhista. Genebra: OIT, 2018.
PASTORE, José. Trabalho e Emprego: o Brasil e o futuro. São Paulo: LTr, 2017.
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. A crítica à Reforma Trabalhista. São Paulo: LTr, 2018.
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