1. Introdução
A Emenda Constitucional nº 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023, promoveu a mais significativa alteração no Sistema Tributário Nacional desde a Constituição de 1988. Com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, e do Imposto Seletivo (IS), de caráter extrafiscal, a reforma tributária inaugura um novo modelo de tributação sobre o consumo, inspirado em sistemas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) adotados em diversos países.
Esse redesenho busca enfrentar distorções históricas como a cumulatividade, a complexidade normativa, a guerra fiscal e a regressividade do sistema. Ao centralizar a tributação no destino, a reforma pretende não apenas simplificar a vida do contribuinte, mas também racionalizar a arrecadação, tornando-a mais estável, previsível e proporcional à realidade do consumo. Contudo, as mudanças também trazem desafios expressivos para as administrações locais e para os contribuintes, em especial durante o período de transição, que será gradual e se estenderá ao longo da próxima década.
No plano municipal, os efeitos da reforma assumem maior relevância. Municípios brasileiros dependem fortemente do ISS como fonte de receita própria, sendo que a arrecadação desse imposto, nos últimos anos, cresceu em ritmo superior à do ICMS, refletindo a expansão do setor de serviços na economia nacional. Com a migração do ISS para o IBS, a arrecadação passará a ser redistribuída pelo Comitê Gestor Nacional, exigindo dos gestores municipais um reposicionamento estratégico em matéria fiscal. Em cidades de porte médio-grande, como Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, essa realidade demanda atenção redobrada: a manutenção do equilíbrio orçamentário dependerá tanto de uma atuação diligente junto ao novo comitê de governança quanto da modernização dos instrumentos de gestão tributária municipal, em especial no que se refere ao IPTU e ao ITBI, que permanecem de competência local.
Do ponto de vista dos contribuintes, a reforma implicará adaptações significativas no cotidiano empresarial. Empresas instaladas em Jaboatão dos Guararapes precisarão ajustar sua escrituração fiscal e contábil a um sistema de créditos financeiros mais amplo e à incidência no destino, o que afeta precificação, logística, contratos de longo prazo e estratégias de planejamento tributário. A simplificação anunciada pela unificação dos tributos sobre consumo trará, por outro lado, novas complexidades de governança, uma vez que os contribuintes deverão acompanhar não apenas a legislação federal, mas também os atos do Comitê Gestor do IBS e os regulamentos municipais que continuarão disciplinando IPTU, ITBI e taxas locais.
A análise da reforma tributária sob a perspectiva do Município de Jaboatão dos Guararapes revela, portanto, um campo fértil de estudo jurídico e prático, que envolve tanto a proteção dos interesses arrecadatórios da administração pública quanto a defesa dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. A tensão entre arrecadação eficiente e segurança jurídica do contribuinte, longe de ser uma dicotomia, deve ser compreendida como um ponto de equilíbrio indispensável para a construção de um sistema tributário mais justo, transparente e sustentável. Este artigo tem como objetivo examinar os impactos da reforma tributária no contexto municipal de Jaboatão dos Guararapes, articulando doutrina, jurisprudência e prática administrativa, de modo a oferecer uma contribuição útil tanto à comunidade acadêmica quanto aos operadores do direito e gestores públicos.
2. Estrutura da reforma: CBS, IBS e IS
A Emenda Constitucional nº 132/2023 alterou substancialmente o Sistema Tributário Nacional ao instituir um modelo dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), inspirado nas experiências internacionais, mas adaptado às peculiaridades do federalismo fiscal brasileiro. O desenho contempla a criação de dois tributos de incidência sobre o consumo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, além do Imposto Seletivo (IS), que terá caráter extrafiscal.
2.1 Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)
A CBS substituirá as contribuições federais incidentes sobre a receita ou faturamento – PIS/Pasep e Cofins –, bem como o IPI, incorporando uma sistemática de não cumulatividade plena, com créditos financeiros amplos. Sua instituição busca simplificar o regime federal, eliminando a fragmentação normativa e reduzindo os litígios decorrentes de interpretações divergentes sobre insumos e hipóteses de crédito. O modelo aproxima-se de um IVA federal puro, com incidência uniforme e voltada para a tributação no destino.
2.2 Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)
O IBS substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), compondo o núcleo do modelo de IVA subnacional. Sua arrecadação será compartilhada e distribuída automaticamente por meio do Comitê Gestor Nacional do IBS, que centralizará a competência para editar normas de caráter nacional, arrecadar, compensar créditos e efetuar a repartição da receita entre os entes federados.
Essa inovação busca superar as distorções do sistema atual, marcado por intensa guerra fiscal entre Estados e Municípios, sobretudo em razão de incentivos do ICMS e da fixação de alíquotas atrativas de ISS por alguns municípios. Ao fixar a incidência no destino, o IBS promove maior neutralidade tributária e maior alinhamento ao princípio da justiça fiscal, reduzindo assimetrias regionais.
Para os Municípios, a transição do ISS para o IBS representa tanto um risco de perda de autonomia arrecadatória como uma oportunidade de estabilidade fiscal, já que a repartição automática tende a reduzir a dependência de ações de fiscalização próprias e litígios locais. Em cidades como Jaboatão dos Guararapes, onde a arrecadação do ISS compõe parcela expressiva da receita corrente, será fundamental monitorar os critérios de partilha definidos em lei complementar.
2.3 Imposto Seletivo (IS)
O IS é de competência da União e incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e derivados de petróleo. Trata-se de um imposto extrafiscal, voltado à indução de comportamentos, embora também tenha potencial arrecadatório. A sua coexistência com o IBS e a CBS gera debates sobre bitributação e oneração setorial, o que deverá ser mitigado pela calibragem das alíquotas em lei complementar.
2.4 Regimes diferenciados
A EC 132/2023 prevê regimes especiais para determinados setores, como saúde, educação, transporte público, agropecuária, atividades culturais e cooperativas. Tais regimes poderão contemplar alíquotas reduzidas (60% ou 30%) ou alíquota zero, sendo disciplinados em lei complementar. Além disso, instituiu-se o mecanismo do cash-back, que devolverá parte do imposto pago às famílias de baixa renda, medida voltada a mitigar a regressividade do sistema.
2.5 Princípios e garantias constitucionais preservados
Apesar da reforma, preservaram-se princípios fundamentais do sistema tributário, como a legalidade, a anterioridade, a capacidade contributiva e a isonomia, todos consagrados nos arts. 150 e 151 da Constituição Federal. Também se manteve a estrutura de limitações ao poder de tributar, evitando-se que a unificação dos tributos sobre consumo ampliasse desproporcionalmente a carga tributária.
2.6 Comparativo internacional
O modelo brasileiro aproxima-se de sistemas de IVA já consagrados, como o europeu e o canadense, mas apresenta a peculiaridade de um IVA dual (CBS e IBS), em razão do pacto federativo. Segundo Heleno Taveira Torres, a adoção de um comitê gestor nacional e a repartição automática de receitas configuram uma “solução institucional inovadora” para compatibilizar a autonomia federativa com a necessidade de harmonização normativa.
3. Transição e governança: cronograma e Comitê Gestor do IBS
A reforma tributária estabelecida pela EC nº 132/2023 foi concebida com período de transição longo e escalonado, justamente para reduzir os impactos fiscais abruptos tanto para os entes federados quanto para os contribuintes. O novo sistema de tributação sobre consumo será implementado gradualmente até o início da próxima década, permitindo testes, ajustes de alíquotas e a adaptação de legislações infraconstitucionais e de sistemas tecnológicos.
3.1 Cronograma de transição
O cronograma definido pela Emenda Constitucional compreende fases distintas:
Esse escalonamento busca dar previsibilidade e evitar choques na arrecadação, mas exige dos Municípios como Jaboatão dos Guararapes uma projeção plurianual de receitas, incorporando cenários de redução do ISS até a compensação plena pelo IBS.
3.2 Comitê Gestor Nacional do IBS
Uma das inovações centrais da reforma foi a criação do Comitê Gestor Nacional do IBS, entidade de natureza autárquica interfederativa, composta por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Comitê terá funções decisivas:
3.3 Impactos para os Municípios
Para os Municípios, o Comitê Gestor representa tanto ganhos de eficiência quanto perda de autonomia. Enquanto hoje o ISS é arrecadado, fiscalizado e normatizado diretamente pelo Município, no novo regime a gestão passa a ser centralizada. Assim, Jaboatão dos Guararapes precisará atuar ativamente em fóruns de representação municipal para garantir que seus interesses arrecadatórios não sejam diluídos frente aos de capitais maiores.
Além disso, o Município terá de aperfeiçoar seus sistemas de informação (notas fiscais eletrônicas, cadastros de contribuintes, cruzamentos de dados com cartórios e registros imobiliários) para fornecer subsídios ao Comitê Gestor e assegurar que sua base de arrecadação seja corretamente considerada nos critérios de repartição.
3.4 Desafios de governança
O êxito da reforma dependerá da capacidade do Comitê Gestor de atuar com transparência, neutralidade política e eficiência administrativa. Doutrinadores como Eurico Marcos Diniz de Santi defendem que a existência de um órgão único de coordenação é condição necessária para evitar a perpetuação da guerra fiscal, mas alertam que a governança federativa exige um pacto de confiança entre União, Estados e Municípios.
Outro desafio será a criação de um contencioso administrativo nacional para o IBS, que conviverá com contenciosos estaduais e municipais relativos a tributos remanescentes. Isso demandará uniformização procedimental, integração de sistemas e harmonização com o processo judicial tributário.
3.5 Oportunidades para Jaboatão dos Guararapes
A participação ativa de Jaboatão dos Guararapes nesse processo pode ser estratégica. O Município pode:
4 Contribuintes em Jaboatão: o que muda no dia a dia
A reforma tributária incidirá diretamente sobre a rotina dos contribuintes estabelecidos em Jaboatão dos Guararapes, tanto pessoas jurídicas quanto físicas que realizam operações sujeitas à tributação sobre o consumo. A transição do modelo atual para o sistema de CBS e IBS implica ajustes contábeis, contratuais e estratégicos, os quais exigem preparação cuidadosa.
4.1 Incidência no destino e crédito amplo
O novo modelo consagra a incidência no destino, segundo a qual a arrecadação será direcionada ao local do consumo, e não mais ao do estabelecimento prestador. Isso representa uma mudança paradigmática para municípios prestadores de serviços, que atualmente se beneficiam da regra de origem do ISS.
Para os contribuintes locais, especialmente os prestadores de serviços sediados em Jaboatão mas que atendem clientes em outros municípios ou estados, haverá a necessidade de ajustar sistemas de faturamento, contratos e políticas de precificação, já que a tributação passará a ocorrer no domicílio do tomador.
Adicionalmente, o regime de crédito financeiro amplo permitirá que as empresas utilizem créditos do IBS e da CBS decorrentes de praticamente todos os custos e despesas com bens e serviços adquiridos, o que mitiga a cumulatividade. Isso favorecerá empresas de comércio e indústria instaladas no município, mas demandará maior rigor na escrituração fiscal digital.
4.2 Regimes diferenciados e cash-back
A EC 132/2023 assegura tratamentos favorecidos para determinados setores, como saúde, educação, transporte coletivo urbano, produtos agropecuários e itens da cesta básica. Empresas que atuam nessas áreas em Jaboatão dos Guararapes deverão acompanhar de perto as leis complementares que fixarão alíquotas reduzidas ou até mesmo alíquota zero.
Outro ponto inovador é o cash-back, que devolverá parte do imposto pago às famílias de baixa renda. Ainda que a devolução seja operacionalizada pelo governo federal e pelo Comitê Gestor do IBS, os contribuintes locais deverão adaptar seus sistemas de emissão de notas fiscais para permitir a rastreabilidade necessária. Essa política, além de estimular a formalização do consumo, pode impactar o fluxo de caixa de setores de bens essenciais.
4.3 Planejamento contratual e transacional
Contratos de prestação de serviços, fornecimento de bens e empreitadas de longo prazo precisarão ser revistos, a fim de incluir cláusulas de reequilíbrio econômico-financeiro diante da substituição gradual dos tributos. Para empresas locais, isso é crucial em setores como construção civil, saúde suplementar, logística e tecnologia, que frequentemente celebram contratos plurianuais.
A migração para o regime do IBS também exige atenção às obrigações acessórias, como declarações unificadas, escrituração digital e cruzamento de dados em tempo real pelo Comitê Gestor. Isso reforça a necessidade de investimentos em compliance tributário e em sistemas informatizados.
4.4 Pequenas empresas e Simples Nacional
Para micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional, a EC 132 preservou o regime unificado, mas prevê a possibilidade de destacar a parcela do IBS e da CBS dentro do recolhimento simplificado. Na prática, isso pode alterar a forma de distribuição da arrecadação e demandará atualização dos sistemas contábeis das empresas enquadradas no Simples em Jaboatão.
Embora a promessa seja de manutenção da simplificação, os contribuintes precisarão avaliar os efeitos sobre a carga tributária efetiva e sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos pelos tomadores de seus serviços.
4.5 Setores estratégicos para a economia local
Em Jaboatão dos Guararapes, destacam-se três áreas que sentirão impactos diretos:
4.6 Riscos e oportunidades para o contribuinte local
Riscos:
Oportunidades:
5 Arrecadação municipal de Jaboatão: riscos e oportunidades (ampliado)
A reforma tributária sobre o consumo não atinge apenas os contribuintes privados; seus reflexos são diretos e profundos sobre a arrecadação municipal, em especial nas cidades de porte médio-grande, como Jaboatão dos Guararapes. O município, que depende de receitas próprias (ISS, IPTU e ITBI) e de transferências constitucionais e voluntárias, deverá se adaptar a um novo cenário de governança tributária.
5.1 Dependência de receitas próprias (ISS, IPTU e ITBI)
Historicamente, Jaboatão tem no ISS uma das principais fontes de receita própria, acompanhada do IPTU e do ITBI. O ISS, em particular, reflete a forte presença do setor de serviços no município, notadamente nas áreas de logística, comércio, saúde e transporte. Com a migração desse imposto para o IBS, a administração municipal perderá parte significativa de sua autonomia para fixar alíquotas, conceder benefícios e gerir diretamente a arrecadação.
Por outro lado, IPTU e ITBI permanecem de competência municipal. Isso reforça a necessidade de uma gestão mais eficiente da base imobiliária, com atualização periódica da Planta Genérica de Valores (PGV), integração entre cadastro imobiliário e cartórios de registro, e o combate a omissões de declarações em transmissões de imóveis.
5.2 Migração do ISS para o IBS: riscos de perda de autonomia
O ISS representa, em média, mais de 50% da receita tributária própria dos municípios brasileiros de médio porte. Em Jaboatão, sua relevância fiscal é inegável. A substituição do ISS pelo IBS cria riscos como:
5.3 IPTU e ITBI: fortalecimento da arrecadação imobiliária
Com a perda da autonomia sobre o ISS, IPTU e ITBI tendem a ganhar protagonismo. O fortalecimento da arrecadação imobiliária passa por medidas como:
5.4 Transferências constitucionais e novas regras de partilha
Outro ponto sensível é a redistribuição automática do IBS pelo Comitê Gestor. Ainda que a reforma preveja mecanismos de transição para compensar perdas, há risco de que municípios com grande base de serviços prestados para fora de seus limites territoriais (caso de Jaboatão, com empresas que atendem a toda Região Metropolitana do Recife) tenham queda relativa em sua arrecadação líquida.
Além disso, a reforma também pode afetar o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e outras transferências, dependendo de como forem calibrados os mecanismos de compensação no período de transição. Isso exige do município atuação estratégica junto a associações municipalistas (CNM, AMUPE) para garantir participação adequada nos debates.
5.5 Oportunidades para o município
Apesar dos riscos, a reforma também abre oportunidades:
5.6 Ações recomendadas para Jaboatão dos Guararapes
Revisar o Código Tributário Municipal para adaptar normas ao novo cenário, especialmente quanto ao IPTU, ITBI e taxas.
Investir em tecnologia de arrecadação e integração de sistemas, preparando-se para interagir de forma eficiente com o Comitê Gestor do IBS.
Capacitar servidores em matéria de IBS, crédito tributário e contabilidade pública, para atuar na fiscalização e no acompanhamento de repasses.
Participar ativamente dos fóruns de governança do IBS, em conjunto com a CNM e a AMUPE, para defender os interesses locais.
Elaborar cenários de impacto fiscal no Plano Plurianual (PPA), prevendo a redução do ISS e o fortalecimento de receitas imobiliárias.
6 Jurisprudência essencial para o cenário municipal
A jurisprudência dos tribunais superiores desempenha papel determinante na interpretação das competências tributárias municipais, na definição do alcance de imunidades constitucionais e na fixação de limites à tributação. Para o município de Jaboatão dos Guararapes, compreender os precedentes já consolidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é essencial para formular políticas de arrecadação que estejam em consonância com a Constituição e para reduzir riscos de litígios.
6.1 ITBI – Imunidade na integralização de capital (Tema 796 do STF)
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, sob o regime de repercussão geral (Tema 796), o STF fixou a seguinte tese:
“A imunidade em relação ao ITBI prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”
Isso significa que, nas operações de integralização de imóveis no capital social de pessoas jurídicas, somente o valor correspondente ao capital subscrito está protegido pela imunidade. O excedente pode ser tributado pelo ITBI.
Para o município de Jaboatão, esse precedente é estratégico, pois orienta a fiscalização em casos de transferências subavaliadas ou de integralizações desproporcionais, garantindo segurança jurídica e ampliando a base de incidência do imposto.
6.2 Iluminação pública – vedação de taxa (Súmula Vinculante 41 do STF)
O STF editou a Súmula Vinculante nº 41, que dispõe:
“O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”
O custeio deve ser feito por meio da Contribuição de Iluminação Pública (COSIP), prevista no art. 149-A da CF/88. Esse entendimento pacificado impede que municípios criem taxas com a mesma finalidade, evitando nulidades de lançamentos e contenciosos tributários. Para Jaboatão, a observância da súmula assegura conformidade legal na gestão da iluminação pública e reduz passivos fiscais.
6.3 ISS – Local da prestação e guerra fiscal municipal
O STJ, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, estabeleceu que, como regra, o ISS deve ser recolhido no local do estabelecimento prestador (art. 3º da LC nº 116/2003), salvo hipóteses expressamente previstas de exceção (ex.: planos de saúde, cartões de crédito, leasing, construção civil).
Além disso, o STF, em diversos precedentes (como na ADI 5.835/DF), tem reforçado que a concessão unilateral de benefícios fiscais de ISS para atrair empresas configura violação ao pacto federativo, consolidando o combate à chamada “guerra fiscal municipal”.
Esse conjunto de decisões limita a autonomia do município em matéria de incentivos, mas garante maior isonomia e previsibilidade, o que é relevante em um cenário de futura transição para o IBS.
6.4 IPTU – Função social da propriedade e atualização da base de cálculo
O STF já consolidou o entendimento de que é constitucional a progressividade do IPTU em razão do valor venal do imóvel (RE 153.771/MG). Também reconheceu a constitucionalidade da progressividade extrafiscal para assegurar a função social da propriedade (RE 153.771 e ADI 2.332/DF).
No âmbito do STJ, o precedente firmado no REsp 1.111.124/SP (Tema 385) fixou que é legítima a atualização da base de cálculo do IPTU por decreto, desde que não ultrapasse os índices oficiais de correção monetária. Qualquer majoração real, entretanto, exige lei em sentido estrito.
Para Jaboatão, esses precedentes são cruciais: permitem a atualização periódica da Planta Genérica de Valores (PGV) e o uso do IPTU como instrumento de política urbana, respeitados os limites legais.
6.5 Taxas municipais – Limites de cobrança
O STF já decidiu reiteradas vezes que taxas só podem ser instituídas em razão do exercício do poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis (art. 145, II, CF/88). Assim, taxas genéricas, desproporcionais ou destinadas a custear serviços indivisíveis são inconstitucionais (ADI 2.551/PR, ADI 1.378/RJ).
Esse entendimento é particularmente relevante para Jaboatão, que precisa manter a legalidade das taxas relativas a fiscalização, alvarás, coleta de lixo e funcionamento de estabelecimentos, sob pena de contestações judiciais.
6.6 Jurisprudência e reforma tributária: pontos de atenção
A transição para o IBS não elimina a importância dos precedentes, pois:
7 Doutrina: linhas de leitura para a prática municipal
A reforma tributária proposta pela EC nº 132/2023 exige não apenas compreensão normativa, mas também reflexão doutrinária para guiar a interpretação do novo modelo de tributação sobre o consumo. A doutrina brasileira tem se debruçado sobre o tema sob diversos enfoques: constitucional, financeiro, administrativo e prático. Para o Município de Jaboatão dos Guararapes, a leitura integrada dessas contribuições é fundamental, pois a cidade precisará equilibrar interesses arrecadatórios com os direitos fundamentais dos contribuintes.
7.1 Doutrina clássica e princípios constitucionais
Autores tradicionais como Roque Antonio Carrazza e Paulo de Barros Carvalho fornecem as bases para a interpretação das competências tributárias e das limitações constitucionais ao poder de tributar.
7.2 Doutrina aplicada ao federalismo fiscal
A literatura de Heleno Taveira Torres é particularmente relevante para os Municípios. O autor ressalta que a governança federativa da reforma só será eficaz se houver transparência no Comitê Gestor do IBS, evitando concentração de poder e assegurando repasses automáticos. Para Torres, o modelo de IVA dual brasileiro é uma solução pragmática que concilia a necessidade de simplificação com o respeito à autonomia federativa.
7.3 Doutrina prática sobre ISS e a transição para o IBS
José Eduardo Soares de Melo, em suas obras sobre ISS, aponta que a tributação sobre serviços sempre foi um dos pilares da receita municipal e alerta que sua migração para o IBS pode provocar choque orçamentário se não houver critérios de repartição justos. Ele defende que os Municípios se organizem coletivamente para fortalecer sua posição no Comitê Gestor, evitando que grandes capitais monopolizem o debate.
Esse ponto é essencial para Jaboatão dos Guararapes, já que sua arrecadação do ISS em setores como logística e saúde pode ser redirecionada para localidades de consumo final, reduzindo a receita disponível no município de origem.
7.4 Doutrina contemporânea sobre o IVA e a simplificação
Pesquisadores como Eurico Marcos Diniz de Santi e o grupo da FGV Direito SP têm se dedicado ao estudo dos modelos de IVA e de regimes diferenciados. Defendem que o crédito financeiro amplo e a neutralidade tributária são pilares da reforma, mas alertam que regimes especiais e exceções podem comprometer a simplicidade pretendida.
Esse debate é relevante para a prática municipal: enquanto o contribuinte de Jaboatão deve buscar segurança em operações de crédito amplo, a Prefeitura precisa monitorar eventuais regimes diferenciados (como educação e saúde) que impactam a arrecadação.
7.5 Doutrina sobre IPTU e ITBI: fortalecimento da base imobiliária
Em matéria de impostos municipais remanescentes (IPTU e ITBI), autores como Kiyoshi Harada e Ricardo Lobo Torres ressaltam a importância do princípio da função social da propriedade e da capacidade contributiva.
Essas lições reforçam que Jaboatão deve investir em cadastramento imobiliário eficiente, garantindo arrecadação justa e estável, sem descuidar da proteção ao contribuinte contra arbitrariedades.
7.6 Síntese doutrinária para a realidade de Jaboatão
A partir da leitura integrada desses autores, é possível extrair algumas diretrizes doutrinárias práticas:
8 Recomendações objetivas
A transição para o novo sistema tributário, instituído pela EC nº 132/2023, exige planejamento antecipado e adaptação estratégica. Tanto contribuintes quanto o Poder Público municipal devem adotar medidas práticas para reduzir riscos e aproveitar oportunidades que emergem do novo modelo de tributação sobre o consumo.
8.1 Para contribuintes locais
8.2 Para a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes
8.3 Síntese de recomendações
Com essas medidas, Jaboatão dos Guararapes poderá minimizar os riscos da transição, assegurar estabilidade orçamentária e fomentar um ambiente de negócios mais previsível e seguro para os contribuintes locais.
9 Conclusão
A Emenda Constitucional nº 132/2023 inaugura um novo marco na história da tributação brasileira, ao instituir um sistema dual de IVA com a criação da CBS e do IBS, além do Imposto Seletivo. O objetivo declarado da reforma é a simplificação, a redução da litigiosidade e o aumento da neutralidade econômica da tributação sobre o consumo. Todavia, os efeitos da mudança não se restringem ao plano abstrato: repercutem de forma direta no dia a dia dos contribuintes e na gestão fiscal dos municípios.
No caso específico de Jaboatão dos Guararapes, a transição traz desafios e oportunidades. De um lado, a migração do ISS para o IBS representa risco de perda de autonomia tributária e de diminuição relativa de receitas, o que exige vigilância permanente sobre os critérios de repartição estabelecidos pelo Comitê Gestor. De outro lado, a centralização da arrecadação e a distribuição automática prometem maior previsibilidade, reduzindo custos administrativos e litígios, se devidamente implementadas com transparência e eficiência.
Para os contribuintes, a reforma exige uma mudança cultural e tecnológica. Será preciso investir em compliance fiscal, reestruturar contratos de longo prazo e acompanhar a regulamentação em leis complementares para evitar riscos de inadimplência ou perda de créditos. A nova sistemática de incidência no destino e o crédito amplo criam ambiente mais favorável à neutralidade tributária, mas impõem adaptação rigorosa.
Já para o Município, o fortalecimento do IPTU e do ITBI assume papel estratégico. A modernização dos cadastros imobiliários, a atualização periódica da Planta Genérica de Valores e o combate ao subfaturamento em transmissões de imóveis são medidas indispensáveis para equilibrar o orçamento e compensar eventuais perdas de receita do ISS. Além disso, a educação fiscal e a transparência no uso dos recursos arrecadados reforçam a confiança social e ampliam a legitimidade da tributação.
A doutrina e a jurisprudência oferecem balizas seguras para essa transição: o STF, ao fixar limites claros sobre imunidades do ITBI (Tema 796) e sobre a impossibilidade de cobrança de taxa de iluminação pública (SV 41), reafirma a importância da legalidade estrita e da segurança jurídica. Do mesmo modo, a doutrina de autores como Carrazza, Paulo de Barros Carvalho, Heleno Taveira Torres e Soares de Melo mostra que a simplificação tributária só será eficaz se acompanhada de governança democrática e respeito à autonomia federativa.
Assim, a reforma tributária deve ser compreendida não como um fim em si mesma, mas como um processo de transformação institucional que requer engajamento de todos os atores: União, Estados, Municípios, contribuintes e sociedade civil. Jaboatão dos Guararapes, ao se preparar de forma estratégica e proativa, pode não apenas preservar sua capacidade de arrecadação, mas também fortalecer seu papel como ente federativo autônomo e eficiente, em benefício direto de sua população.
Conclui-se, portanto, que a efetividade da reforma dependerá de dois fatores centrais:
A reforma tributária, embora complexa e desafiadora, representa uma janela histórica para corrigir distorções e construir um sistema mais simples, justo e transparente. Cabe a Jaboatão dos Guararapes transformar esse cenário em oportunidade de modernização administrativa, justiça fiscal e desenvolvimento econômico sustentável.
Referências
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