tulio vasconcelos e juliana marinho

Reforma tributária (EC 132/2023) e os impactos para contribuintes e para a arrecadação municipal de Jaboatão dos Guararapes

Postado em 24 de setembro de 2025 Por Túlio Vasconcelos Advogado Especialista em Direito Tributário. Presidente da Comissão Especial de Processo Fiscal da OAB Jaboatão e Moreno. Vice-presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB Jaboatão e Moreno; Membro da Comissão Especial de Processo Fiscal da OAB/PE; Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE; Autor dos Livros IPTU no Brasil, Execução Fiscal 4.0.Por Juliana Marinho Advogada pós graduada em Direito Eletrônico, Direito Penal e Processual Penal e pós graduanda em Direito Público. Secretária da Comissão Especial de Processo Fiscal da OAB Jaboatão e Moreno.

1. Introdução

A Emenda Constitucional nº 132, promulgada em 20 de dezembro de 2023, promoveu a mais significativa alteração no Sistema Tributário Nacional desde a Constituição de 1988. Com a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, e do Imposto Seletivo (IS), de caráter extrafiscal, a reforma tributária inaugura um novo modelo de tributação sobre o consumo, inspirado em sistemas de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) adotados em diversos países.

Esse redesenho busca enfrentar distorções históricas como a cumulatividade, a complexidade normativa, a guerra fiscal e a regressividade do sistema. Ao centralizar a tributação no destino, a reforma pretende não apenas simplificar a vida do contribuinte, mas também racionalizar a arrecadação, tornando-a mais estável, previsível e proporcional à realidade do consumo. Contudo, as mudanças também trazem desafios expressivos para as administrações locais e para os contribuintes, em especial durante o período de transição, que será gradual e se estenderá ao longo da próxima década.

No plano municipal, os efeitos da reforma assumem maior relevância. Municípios brasileiros dependem fortemente do ISS como fonte de receita própria, sendo que a arrecadação desse imposto, nos últimos anos, cresceu em ritmo superior à do ICMS, refletindo a expansão do setor de serviços na economia nacional. Com a migração do ISS para o IBS, a arrecadação passará a ser redistribuída pelo Comitê Gestor Nacional, exigindo dos gestores municipais um reposicionamento estratégico em matéria fiscal. Em cidades de porte médio-grande, como Jaboatão dos Guararapes, em Pernambuco, essa realidade demanda atenção redobrada: a manutenção do equilíbrio orçamentário dependerá tanto de uma atuação diligente junto ao novo comitê de governança quanto da modernização dos instrumentos de gestão tributária municipal, em especial no que se refere ao IPTU e ao ITBI, que permanecem de competência local.

Do ponto de vista dos contribuintes, a reforma implicará adaptações significativas no cotidiano empresarial. Empresas instaladas em Jaboatão dos Guararapes precisarão ajustar sua escrituração fiscal e contábil a um sistema de créditos financeiros mais amplo e à incidência no destino, o que afeta precificação, logística, contratos de longo prazo e estratégias de planejamento tributário. A simplificação anunciada pela unificação dos tributos sobre consumo trará, por outro lado, novas complexidades de governança, uma vez que os contribuintes deverão acompanhar não apenas a legislação federal, mas também os atos do Comitê Gestor do IBS e os regulamentos municipais que continuarão disciplinando IPTU, ITBI e taxas locais.

A análise da reforma tributária sob a perspectiva do Município de Jaboatão dos Guararapes revela, portanto, um campo fértil de estudo jurídico e prático, que envolve tanto a proteção dos interesses arrecadatórios da administração pública quanto a defesa dos direitos e garantias fundamentais dos contribuintes. A tensão entre arrecadação eficiente e segurança jurídica do contribuinte, longe de ser uma dicotomia, deve ser compreendida como um ponto de equilíbrio indispensável para a construção de um sistema tributário mais justo, transparente e sustentável. Este artigo tem como objetivo examinar os impactos da reforma tributária no contexto municipal de Jaboatão dos Guararapes, articulando doutrina, jurisprudência e prática administrativa, de modo a oferecer uma contribuição útil tanto à comunidade acadêmica quanto aos operadores do direito e gestores públicos.

2. Estrutura da reforma: CBS, IBS e IS

A Emenda Constitucional nº 132/2023 alterou substancialmente o Sistema Tributário Nacional ao instituir um modelo dual de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), inspirado nas experiências internacionais, mas adaptado às peculiaridades do federalismo fiscal brasileiro. O desenho contempla a criação de dois tributos de incidência sobre o consumo, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência da União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios, além do Imposto Seletivo (IS), que terá caráter extrafiscal.

2.1 Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS)

A CBS substituirá as contribuições federais incidentes sobre a receita ou faturamento – PIS/Pasep e Cofins –, bem como o IPI, incorporando uma sistemática de não cumulatividade plena, com créditos financeiros amplos. Sua instituição busca simplificar o regime federal, eliminando a fragmentação normativa e reduzindo os litígios decorrentes de interpretações divergentes sobre insumos e hipóteses de crédito. O modelo aproxima-se de um IVA federal puro, com incidência uniforme e voltada para a tributação no destino.

2.2 Imposto sobre Bens e Serviços (IBS)

O IBS substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal), compondo o núcleo do modelo de IVA subnacional. Sua arrecadação será compartilhada e distribuída automaticamente por meio do Comitê Gestor Nacional do IBS, que centralizará a competência para editar normas de caráter nacional, arrecadar, compensar créditos e efetuar a repartição da receita entre os entes federados.

Essa inovação busca superar as distorções do sistema atual, marcado por intensa guerra fiscal entre Estados e Municípios, sobretudo em razão de incentivos do ICMS e da fixação de alíquotas atrativas de ISS por alguns municípios. Ao fixar a incidência no destino, o IBS promove maior neutralidade tributária e maior alinhamento ao princípio da justiça fiscal, reduzindo assimetrias regionais.

Para os Municípios, a transição do ISS para o IBS representa tanto um risco de perda de autonomia arrecadatória como uma oportunidade de estabilidade fiscal, já que a repartição automática tende a reduzir a dependência de ações de fiscalização próprias e litígios locais. Em cidades como Jaboatão dos Guararapes, onde a arrecadação do ISS compõe parcela expressiva da receita corrente, será fundamental monitorar os critérios de partilha definidos em lei complementar.

2.3 Imposto Seletivo (IS)

O IS é de competência da União e incidirá sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, como cigarros, bebidas alcoólicas e derivados de petróleo. Trata-se de um imposto extrafiscal, voltado à indução de comportamentos, embora também tenha potencial arrecadatório. A sua coexistência com o IBS e a CBS gera debates sobre bitributação e oneração setorial, o que deverá ser mitigado pela calibragem das alíquotas em lei complementar.

2.4 Regimes diferenciados

A EC 132/2023 prevê regimes especiais para determinados setores, como saúde, educação, transporte público, agropecuária, atividades culturais e cooperativas. Tais regimes poderão contemplar alíquotas reduzidas (60% ou 30%) ou alíquota zero, sendo disciplinados em lei complementar. Além disso, instituiu-se o mecanismo do cash-back, que devolverá parte do imposto pago às famílias de baixa renda, medida voltada a mitigar a regressividade do sistema.

2.5 Princípios e garantias constitucionais preservados

Apesar da reforma, preservaram-se princípios fundamentais do sistema tributário, como a legalidade, a anterioridade, a capacidade contributiva e a isonomia, todos consagrados nos arts. 150 e 151 da Constituição Federal. Também se manteve a estrutura de limitações ao poder de tributar, evitando-se que a unificação dos tributos sobre consumo ampliasse desproporcionalmente a carga tributária.

2.6 Comparativo internacional

O modelo brasileiro aproxima-se de sistemas de IVA já consagrados, como o europeu e o canadense, mas apresenta a peculiaridade de um IVA dual (CBS e IBS), em razão do pacto federativo. Segundo Heleno Taveira Torres, a adoção de um comitê gestor nacional e a repartição automática de receitas configuram uma “solução institucional inovadora” para compatibilizar a autonomia federativa com a necessidade de harmonização normativa.

3. Transição e governança: cronograma e Comitê Gestor do IBS

A reforma tributária estabelecida pela EC nº 132/2023 foi concebida com período de transição longo e escalonado, justamente para reduzir os impactos fiscais abruptos tanto para os entes federados quanto para os contribuintes. O novo sistema de tributação sobre consumo será implementado gradualmente até o início da próxima década, permitindo testes, ajustes de alíquotas e a adaptação de legislações infraconstitucionais e de sistemas tecnológicos.

3.1 Cronograma de transição

O cronograma definido pela Emenda Constitucional compreende fases distintas:

  • 2026-2027: início da cobrança simbólica da CBS (0,9%) e do IBS (0,1%) apenas para fins de testes e compensação de créditos, sem relevância arrecadatória imediata. Trata-se de etapa de “rampa de aprendizado”, voltada à adaptação dos contribuintes e dos fiscos.
  • 2029: início da substituição parcial da base de PIS/Cofins, IPI, ICMS e ISS, com aumento gradual da CBS e do IBS e redução proporcional dos tributos atuais.
  • 2032: extinção definitiva de PIS, Cofins e IPI, com consolidação da CBS.
  • 2033-2035: progressiva redução do ISS e do ICMS, até sua completa substituição pelo IBS.
  • 2036 em diante: plena vigência do novo sistema, com coexistência apenas de CBS, IBS, IS e dos impostos de competência municipal que permanecem intocados (IPTU e ITBI).

Esse escalonamento busca dar previsibilidade e evitar choques na arrecadação, mas exige dos Municípios como Jaboatão dos Guararapes uma projeção plurianual de receitas, incorporando cenários de redução do ISS até a compensação plena pelo IBS.

3.2 Comitê Gestor Nacional do IBS

Uma das inovações centrais da reforma foi a criação do Comitê Gestor Nacional do IBS, entidade de natureza autárquica interfederativa, composta por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O Comitê terá funções decisivas:

  • Regulamentação: edição de normas uniformes sobre arrecadação, fiscalização e cobrança do IBS, garantindo isonomia entre contribuintes de todo o país.
  • Arrecadação centralizada: competência exclusiva para arrecadar o IBS, evitando disputas locais e assegurando uniformidade de procedimentos.
  • Compensação e restituição de créditos: responsabilidade pela sistemática de créditos financeiros do IBS, o que reduz conflitos interpretativos que hoje dominam o ISS e o ICMS.
  • Distribuição automática da receita: repasse direto e regular da parcela do IBS devida a cada ente, de acordo com critérios constitucionais e infraconstitucionais.
  • Contencioso administrativo nacional: competência para decidir litígios entre contribuintes e a administração tributária em matéria de IBS, conferindo maior uniformidade jurisprudencial.

3.3 Impactos para os Municípios

Para os Municípios, o Comitê Gestor representa tanto ganhos de eficiência quanto perda de autonomia. Enquanto hoje o ISS é arrecadado, fiscalizado e normatizado diretamente pelo Município, no novo regime a gestão passa a ser centralizada. Assim, Jaboatão dos Guararapes precisará atuar ativamente em fóruns de representação municipal para garantir que seus interesses arrecadatórios não sejam diluídos frente aos de capitais maiores.

Além disso, o Município terá de aperfeiçoar seus sistemas de informação (notas fiscais eletrônicas, cadastros de contribuintes, cruzamentos de dados com cartórios e registros imobiliários) para fornecer subsídios ao Comitê Gestor e assegurar que sua base de arrecadação seja corretamente considerada nos critérios de repartição.

3.4 Desafios de governança

O êxito da reforma dependerá da capacidade do Comitê Gestor de atuar com transparência, neutralidade política e eficiência administrativa. Doutrinadores como Eurico Marcos Diniz de Santi defendem que a existência de um órgão único de coordenação é condição necessária para evitar a perpetuação da guerra fiscal, mas alertam que a governança federativa exige um pacto de confiança entre União, Estados e Municípios.

Outro desafio será a criação de um contencioso administrativo nacional para o IBS, que conviverá com contenciosos estaduais e municipais relativos a tributos remanescentes. Isso demandará uniformização procedimental, integração de sistemas e harmonização com o processo judicial tributário.

3.5 Oportunidades para Jaboatão dos Guararapes

A participação ativa de Jaboatão dos Guararapes nesse processo pode ser estratégica. O Município pode:

  1. Capacitar servidores para acompanhar normas do Comitê Gestor e fiscalizar a correta aplicação dos critérios de partilha.
  2. Revisar cadastros do ISS e do ITBI para maximizar a base de cálculo até a migração definitiva ao IBS.
  3. Planejar cenários orçamentários a médio e longo prazo, com projeções realistas da receita disponível em cada fase da transição.
  4. Ampliar políticas de compliance fiscal e de incentivo à formalização, preparando os contribuintes locais para a escrituração digital unificada que o IBS exigirá.

4 Contribuintes em Jaboatão: o que muda no dia a dia

A reforma tributária incidirá diretamente sobre a rotina dos contribuintes estabelecidos em Jaboatão dos Guararapes, tanto pessoas jurídicas quanto físicas que realizam operações sujeitas à tributação sobre o consumo. A transição do modelo atual para o sistema de CBS e IBS implica ajustes contábeis, contratuais e estratégicos, os quais exigem preparação cuidadosa.

4.1 Incidência no destino e crédito amplo

O novo modelo consagra a incidência no destino, segundo a qual a arrecadação será direcionada ao local do consumo, e não mais ao do estabelecimento prestador. Isso representa uma mudança paradigmática para municípios prestadores de serviços, que atualmente se beneficiam da regra de origem do ISS.

Para os contribuintes locais, especialmente os prestadores de serviços sediados em Jaboatão mas que atendem clientes em outros municípios ou estados, haverá a necessidade de ajustar sistemas de faturamento, contratos e políticas de precificação, já que a tributação passará a ocorrer no domicílio do tomador.

Adicionalmente, o regime de crédito financeiro amplo permitirá que as empresas utilizem créditos do IBS e da CBS decorrentes de praticamente todos os custos e despesas com bens e serviços adquiridos, o que mitiga a cumulatividade. Isso favorecerá empresas de comércio e indústria instaladas no município, mas demandará maior rigor na escrituração fiscal digital.

4.2 Regimes diferenciados e cash-back

A EC 132/2023 assegura tratamentos favorecidos para determinados setores, como saúde, educação, transporte coletivo urbano, produtos agropecuários e itens da cesta básica. Empresas que atuam nessas áreas em Jaboatão dos Guararapes deverão acompanhar de perto as leis complementares que fixarão alíquotas reduzidas ou até mesmo alíquota zero.

Outro ponto inovador é o cash-back, que devolverá parte do imposto pago às famílias de baixa renda. Ainda que a devolução seja operacionalizada pelo governo federal e pelo Comitê Gestor do IBS, os contribuintes locais deverão adaptar seus sistemas de emissão de notas fiscais para permitir a rastreabilidade necessária. Essa política, além de estimular a formalização do consumo, pode impactar o fluxo de caixa de setores de bens essenciais.

4.3 Planejamento contratual e transacional

Contratos de prestação de serviços, fornecimento de bens e empreitadas de longo prazo precisarão ser revistos, a fim de incluir cláusulas de reequilíbrio econômico-financeiro diante da substituição gradual dos tributos. Para empresas locais, isso é crucial em setores como construção civil, saúde suplementar, logística e tecnologia, que frequentemente celebram contratos plurianuais.

A migração para o regime do IBS também exige atenção às obrigações acessórias, como declarações unificadas, escrituração digital e cruzamento de dados em tempo real pelo Comitê Gestor. Isso reforça a necessidade de investimentos em compliance tributário e em sistemas informatizados.

4.4 Pequenas empresas e Simples Nacional

Para micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional, a EC 132 preservou o regime unificado, mas prevê a possibilidade de destacar a parcela do IBS e da CBS dentro do recolhimento simplificado. Na prática, isso pode alterar a forma de distribuição da arrecadação e demandará atualização dos sistemas contábeis das empresas enquadradas no Simples em Jaboatão.

Embora a promessa seja de manutenção da simplificação, os contribuintes precisarão avaliar os efeitos sobre a carga tributária efetiva e sobre a possibilidade de aproveitamento de créditos pelos tomadores de seus serviços.

4.5 Setores estratégicos para a economia local

Em Jaboatão dos Guararapes, destacam-se três áreas que sentirão impactos diretos:

  1. Serviços portuários e logísticos – pela proximidade com o Porto de Suape, empresas prestadoras de serviços de armazenagem, transporte e logística terão de se adequar à incidência no destino e às novas regras de créditos, que poderão modificar sua competitividade.
  2. Setor de saúde – hospitais, clínicas e laboratórios instalados no município serão diretamente beneficiados por regimes diferenciados previstos para serviços de saúde, mas precisarão se preparar para adequar contratos e precificação.
  3. Comércio varejista e atacadista – com a não cumulatividade plena, a cadeia de distribuição ganhará maior transparência, mas demandará controles mais sofisticados de créditos.

4.6 Riscos e oportunidades para o contribuinte local

Riscos:

  • aumento da complexidade inicial durante a transição;
  • necessidade de adaptação de sistemas de TI e de contabilidade;
  • incerteza quanto às alíquotas finais, a serem definidas em lei complementar;
  • impacto nos contratos de longo prazo, caso não sejam ajustados.

Oportunidades:

  • redução de litígios tributários em razão da uniformização normativa;
  • eliminação da cumulatividade e maior previsibilidade de custos;
  • possibilidade de aproveitar créditos financeiros mais amplos;
  • incentivo à formalização, com efeito positivo para empresas que já cumprem rigorosamente suas obrigações fiscais.

5 Arrecadação municipal de Jaboatão: riscos e oportunidades (ampliado)

A reforma tributária sobre o consumo não atinge apenas os contribuintes privados; seus reflexos são diretos e profundos sobre a arrecadação municipal, em especial nas cidades de porte médio-grande, como Jaboatão dos Guararapes. O município, que depende de receitas próprias (ISS, IPTU e ITBI) e de transferências constitucionais e voluntárias, deverá se adaptar a um novo cenário de governança tributária.

5.1 Dependência de receitas próprias (ISS, IPTU e ITBI)

Historicamente, Jaboatão tem no ISS uma das principais fontes de receita própria, acompanhada do IPTU e do ITBI. O ISS, em particular, reflete a forte presença do setor de serviços no município, notadamente nas áreas de logística, comércio, saúde e transporte. Com a migração desse imposto para o IBS, a administração municipal perderá parte significativa de sua autonomia para fixar alíquotas, conceder benefícios e gerir diretamente a arrecadação.

Por outro lado, IPTU e ITBI permanecem de competência municipal. Isso reforça a necessidade de uma gestão mais eficiente da base imobiliária, com atualização periódica da Planta Genérica de Valores (PGV), integração entre cadastro imobiliário e cartórios de registro, e o combate a omissões de declarações em transmissões de imóveis.

5.2 Migração do ISS para o IBS: riscos de perda de autonomia

O ISS representa, em média, mais de 50% da receita tributária própria dos municípios brasileiros de médio porte. Em Jaboatão, sua relevância fiscal é inegável. A substituição do ISS pelo IBS cria riscos como:

  • perda de flexibilidade legislativa – o município não poderá mais, por exemplo, alterar alíquotas para políticas de fomento local;
  • dependência de repasses do Comitê Gestor Nacional – a administração dependerá da correta aplicação dos critérios de partilha, que ainda serão definidos em lei complementar;
  • possível descompasso no fluxo de caixa – atrasos ou divergências nos repasses podem comprometer o planejamento orçamentário municipal;
  • impacto em políticas de incentivo – isenções ou benefícios fiscais locais precisarão ser reavaliados, pois estarão submetidos às diretrizes do IBS.

5.3 IPTU e ITBI: fortalecimento da arrecadação imobiliária

Com a perda da autonomia sobre o ISS, IPTU e ITBI tendem a ganhar protagonismo. O fortalecimento da arrecadação imobiliária passa por medidas como:

  • modernização do cadastro multifinalitário – integração entre secretarias de Fazenda, Planejamento e Urbanismo para identificar imóveis não cadastrados ou subavaliados;
  • georreferenciamento – uso de imagens de satélite e inteligência artificial para detectar ampliações e construções irregulares não lançadas no cadastro;
  • política de revisão da PGV – atualização periódica para manter os valores de referência compatíveis com o mercado imobiliário local;
  • fiscalização de ITBI – cruzamento de informações de cartórios, declarações de imposto de renda e sistemas bancários para identificar subfaturamento em transmissões onerosas.

5.4 Transferências constitucionais e novas regras de partilha

Outro ponto sensível é a redistribuição automática do IBS pelo Comitê Gestor. Ainda que a reforma preveja mecanismos de transição para compensar perdas, há risco de que municípios com grande base de serviços prestados para fora de seus limites territoriais (caso de Jaboatão, com empresas que atendem a toda Região Metropolitana do Recife) tenham queda relativa em sua arrecadação líquida.

Além disso, a reforma também pode afetar o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e outras transferências, dependendo de como forem calibrados os mecanismos de compensação no período de transição. Isso exige do município atuação estratégica junto a associações municipalistas (CNM, AMUPE) para garantir participação adequada nos debates.

5.5 Oportunidades para o município

Apesar dos riscos, a reforma também abre oportunidades:

  1. Estabilidade arrecadatória – a centralização e distribuição automática pelo Comitê Gestor podem reduzir a inadimplência e o custo administrativo de arrecadação.
  2. Redução da guerra fiscal – com o fim da possibilidade de concessão unilateral de benefícios de ISS, cria-se ambiente mais justo para municípios que não podiam competir na “guerra de alíquotas”.
  3. Planejamento orçamentário de longo prazo – a previsibilidade da partilha do IBS poderá melhorar o planejamento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da Lei Orçamentária Anual (LOA).
  4. Fortalecimento do IPTU e ITBI – ao investir na gestão imobiliária, o município poderá ampliar significativamente a receita própria sem depender de transferências.

5.6 Ações recomendadas para Jaboatão dos Guararapes

Revisar o Código Tributário Municipal para adaptar normas ao novo cenário, especialmente quanto ao IPTU, ITBI e taxas.

Investir em tecnologia de arrecadação e integração de sistemas, preparando-se para interagir de forma eficiente com o Comitê Gestor do IBS.

Capacitar servidores em matéria de IBS, crédito tributário e contabilidade pública, para atuar na fiscalização e no acompanhamento de repasses.

Participar ativamente dos fóruns de governança do IBS, em conjunto com a CNM e a AMUPE, para defender os interesses locais.

Elaborar cenários de impacto fiscal no Plano Plurianual (PPA), prevendo a redução do ISS e o fortalecimento de receitas imobiliárias.

6 Jurisprudência essencial para o cenário municipal

A jurisprudência dos tribunais superiores desempenha papel determinante na interpretação das competências tributárias municipais, na definição do alcance de imunidades constitucionais e na fixação de limites à tributação. Para o município de Jaboatão dos Guararapes, compreender os precedentes já consolidados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é essencial para formular políticas de arrecadação que estejam em consonância com a Constituição e para reduzir riscos de litígios.

6.1 ITBI – Imunidade na integralização de capital (Tema 796 do STF)

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 796.376/SC, sob o regime de repercussão geral (Tema 796), o STF fixou a seguinte tese:

“A imunidade em relação ao ITBI prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado.”

Isso significa que, nas operações de integralização de imóveis no capital social de pessoas jurídicas, somente o valor correspondente ao capital subscrito está protegido pela imunidade. O excedente pode ser tributado pelo ITBI.

Para o município de Jaboatão, esse precedente é estratégico, pois orienta a fiscalização em casos de transferências subavaliadas ou de integralizações desproporcionais, garantindo segurança jurídica e ampliando a base de incidência do imposto.

6.2 Iluminação pública – vedação de taxa (Súmula Vinculante 41 do STF)

O STF editou a Súmula Vinculante nº 41, que dispõe:

“O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”

O custeio deve ser feito por meio da Contribuição de Iluminação Pública (COSIP), prevista no art. 149-A da CF/88. Esse entendimento pacificado impede que municípios criem taxas com a mesma finalidade, evitando nulidades de lançamentos e contenciosos tributários. Para Jaboatão, a observância da súmula assegura conformidade legal na gestão da iluminação pública e reduz passivos fiscais.

6.3 ISS – Local da prestação e guerra fiscal municipal

O STJ, no julgamento do REsp 1.060.210/SC, estabeleceu que, como regra, o ISS deve ser recolhido no local do estabelecimento prestador (art. 3º da LC nº 116/2003), salvo hipóteses expressamente previstas de exceção (ex.: planos de saúde, cartões de crédito, leasing, construção civil).

Além disso, o STF, em diversos precedentes (como na ADI 5.835/DF), tem reforçado que a concessão unilateral de benefícios fiscais de ISS para atrair empresas configura violação ao pacto federativo, consolidando o combate à chamada “guerra fiscal municipal”.

Esse conjunto de decisões limita a autonomia do município em matéria de incentivos, mas garante maior isonomia e previsibilidade, o que é relevante em um cenário de futura transição para o IBS.

6.4 IPTU – Função social da propriedade e atualização da base de cálculo

O STF já consolidou o entendimento de que é constitucional a progressividade do IPTU em razão do valor venal do imóvel (RE 153.771/MG). Também reconheceu a constitucionalidade da progressividade extrafiscal para assegurar a função social da propriedade (RE 153.771 e ADI 2.332/DF).

No âmbito do STJ, o precedente firmado no REsp 1.111.124/SP (Tema 385) fixou que é legítima a atualização da base de cálculo do IPTU por decreto, desde que não ultrapasse os índices oficiais de correção monetária. Qualquer majoração real, entretanto, exige lei em sentido estrito.

Para Jaboatão, esses precedentes são cruciais: permitem a atualização periódica da Planta Genérica de Valores (PGV) e o uso do IPTU como instrumento de política urbana, respeitados os limites legais.

6.5 Taxas municipais – Limites de cobrança

O STF já decidiu reiteradas vezes que taxas só podem ser instituídas em razão do exercício do poder de polícia ou da utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis (art. 145, II, CF/88). Assim, taxas genéricas, desproporcionais ou destinadas a custear serviços indivisíveis são inconstitucionais (ADI 2.551/PR, ADI 1.378/RJ).

Esse entendimento é particularmente relevante para Jaboatão, que precisa manter a legalidade das taxas relativas a fiscalização, alvarás, coleta de lixo e funcionamento de estabelecimentos, sob pena de contestações judiciais.

6.6 Jurisprudência e reforma tributária: pontos de atenção

A transição para o IBS não elimina a importância dos precedentes, pois:

  • O ITBI e o IPTU permanecem de competência municipal e seguirão sendo objeto de litígios.
  • As taxas municipais continuarão exigindo observância rigorosa à jurisprudência consolidada.
  • O histórico da “guerra fiscal” orientará o funcionamento do Comitê Gestor do IBS, evitando práticas que possam violar a neutralidade do novo sistema.

7 Doutrina: linhas de leitura para a prática municipal

A reforma tributária proposta pela EC nº 132/2023 exige não apenas compreensão normativa, mas também reflexão doutrinária para guiar a interpretação do novo modelo de tributação sobre o consumo. A doutrina brasileira tem se debruçado sobre o tema sob diversos enfoques: constitucional, financeiro, administrativo e prático. Para o Município de Jaboatão dos Guararapes, a leitura integrada dessas contribuições é fundamental, pois a cidade precisará equilibrar interesses arrecadatórios com os direitos fundamentais dos contribuintes.

7.1 Doutrina clássica e princípios constitucionais

Autores tradicionais como Roque Antonio Carrazza e Paulo de Barros Carvalho fornecem as bases para a interpretação das competências tributárias e das limitações constitucionais ao poder de tributar.

  • Carrazza destaca a importância da reserva de lei e da isonomia, reforçando que qualquer alteração estrutural do sistema deve respeitar os direitos fundamentais do contribuinte.
  • Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, enfatiza a segurança jurídica e a tipicidade cerrada do fato gerador, lembrando que o novo sistema de CBS/IBS precisará ser aplicado de forma clara e precisa para evitar ambiguidades interpretativas semelhantes às vividas com o PIS/COFINS.

7.2 Doutrina aplicada ao federalismo fiscal

A literatura de Heleno Taveira Torres é particularmente relevante para os Municípios. O autor ressalta que a governança federativa da reforma só será eficaz se houver transparência no Comitê Gestor do IBS, evitando concentração de poder e assegurando repasses automáticos. Para Torres, o modelo de IVA dual brasileiro é uma solução pragmática que concilia a necessidade de simplificação com o respeito à autonomia federativa.

7.3 Doutrina prática sobre ISS e a transição para o IBS

José Eduardo Soares de Melo, em suas obras sobre ISS, aponta que a tributação sobre serviços sempre foi um dos pilares da receita municipal e alerta que sua migração para o IBS pode provocar choque orçamentário se não houver critérios de repartição justos. Ele defende que os Municípios se organizem coletivamente para fortalecer sua posição no Comitê Gestor, evitando que grandes capitais monopolizem o debate.

Esse ponto é essencial para Jaboatão dos Guararapes, já que sua arrecadação do ISS em setores como logística e saúde pode ser redirecionada para localidades de consumo final, reduzindo a receita disponível no município de origem.

7.4 Doutrina contemporânea sobre o IVA e a simplificação

Pesquisadores como Eurico Marcos Diniz de Santi e o grupo da FGV Direito SP têm se dedicado ao estudo dos modelos de IVA e de regimes diferenciados. Defendem que o crédito financeiro amplo e a neutralidade tributária são pilares da reforma, mas alertam que regimes especiais e exceções podem comprometer a simplicidade pretendida.

Esse debate é relevante para a prática municipal: enquanto o contribuinte de Jaboatão deve buscar segurança em operações de crédito amplo, a Prefeitura precisa monitorar eventuais regimes diferenciados (como educação e saúde) que impactam a arrecadação.

7.5 Doutrina sobre IPTU e ITBI: fortalecimento da base imobiliária

Em matéria de impostos municipais remanescentes (IPTU e ITBI), autores como Kiyoshi Harada e Ricardo Lobo Torres ressaltam a importância do princípio da função social da propriedade e da capacidade contributiva.

  • Harada enfatiza que o IPTU progressivo é instrumento legítimo de política urbana, especialmente em cidades que enfrentam desigualdade na ocupação territorial.
  • Torres, em sua obra de Direito Financeiro, reforça que a tributação imobiliária é uma das formas mais seguras de financiamento da máquina pública, justamente pela vinculação direta com o território.

Essas lições reforçam que Jaboatão deve investir em cadastramento imobiliário eficiente, garantindo arrecadação justa e estável, sem descuidar da proteção ao contribuinte contra arbitrariedades.

7.6 Síntese doutrinária para a realidade de Jaboatão

A partir da leitura integrada desses autores, é possível extrair algumas diretrizes doutrinárias práticas:

  1. Segurança jurídica e legalidade estrita (Carrazza e Paulo de Barros) – a reforma não pode criar novos espaços de indeterminação normativa.
  2. Governança federativa equilibrada (Heleno Torres) – participação ativa de Jaboatão no Comitê Gestor é indispensável.
  3. Proteção da receita municipal (Soares de Melo) – o município deve fiscalizar de perto os critérios de partilha do IBS.
  4. Neutralidade e simplificação (Eurico de Santi) – a adoção de regimes diferenciados deve ser monitorada para não comprometer o sistema.
  5. Fortalecimento da tributação imobiliária (Harada e Ricardo Lobo Torres) – IPTU e ITBI devem ser tratados como pilares estratégicos do orçamento local.

8 Recomendações objetivas

A transição para o novo sistema tributário, instituído pela EC nº 132/2023, exige planejamento antecipado e adaptação estratégica. Tanto contribuintes quanto o Poder Público municipal devem adotar medidas práticas para reduzir riscos e aproveitar oportunidades que emergem do novo modelo de tributação sobre o consumo.

8.1 Para contribuintes locais

  1. Mapeamento de créditos tributários
    • Levantar operações que hoje não geram crédito (como certos serviços e despesas administrativas) e projetar os efeitos do crédito amplo do IBS e da CBS.
    • Preparar sistemas de ERP e escrituração fiscal digital para capturar automaticamente esses créditos.
  2. Adequação contratual
    • Incluir cláusulas de reequilíbrio econômico-financeiro em contratos de longo prazo, prevendo variação da carga tributária durante a transição (2026–2035).
    • Nos contratos intermunicipais, ajustar cláusulas relativas ao local da incidência (destino), para refletir as novas regras constitucionais.
  3. Compliance tributário
    • Revisar processos internos de emissão de notas fiscais, cadastros e recolhimento de tributos.
    • Implantar programas de conformidade para reduzir riscos de autuações durante a transição.
  4. Gestão de riscos financeiros
    • Avaliar o impacto do IBS sobre margens de lucro em setores com menor possibilidade de repasse de preço (ex.: transporte coletivo, saúde suplementar).
    • Utilizar ferramentas de planejamento tributário para comparar cenários de carga antes e depois da transição.
  5. Capacitação e acompanhamento legislativo
    • Promover treinamentos internos para equipes fiscais e contábeis.
    • Acompanhar a tramitação das leis complementares que definirão alíquotas, regimes diferenciados e regras de partilha, garantindo atuação preventiva.

8.2 Para a Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes

  1. Diagnóstico da base tributária
    • Atualizar e integrar os cadastros de ISS, IPTU e ITBI.
    • Realizar auditorias nos incentivos fiscais em vigor, avaliando compatibilidade com o novo modelo.
  2. Fortalecimento do IPTU e ITBI
    • Atualizar a Planta Genérica de Valores (PGV) periodicamente, respeitando limites jurisprudenciais (STJ – Tema 385).
    • Investir em georreferenciamento e cruzamento de dados com cartórios, registros de imóveis e declarações de IR para identificar omissões.
    • Intensificar fiscalização de transmissões imobiliárias, combatendo subavaliação do ITBI.
  3. Planejamento orçamentário e de gestão
    • Incluir cenários de redução do ISS e compensação do IBS nas peças de planejamento (PPA, LDO e LOA).
    • Criar fundo de reserva ou provisão para eventuais discrepâncias nos repasses do IBS durante a fase de transição.
  4. Governança e interlocução institucional
    • Participar ativamente de associações municipalistas (CNM, AMUPE) para defender critérios justos de repartição no Comitê Gestor do IBS.
    • Designar equipe técnica permanente para acompanhar normas e decisões do Comitê Gestor, monitorando o impacto na arrecadação local.
  5. Educação fiscal e transparência
    • Desenvolver programas de educação fiscal voltados aos contribuintes locais, explicando os efeitos da reforma e incentivando a formalização.
    • Ampliar a transparência no Portal do Contribuinte, com informações sobre arrecadação e repasses recebidos do IBS, fortalecendo a confiança social.
    •  
  6. Capacitação administrativa
    • Promover cursos para servidores da Secretaria da Fazenda sobre IBS, CBS e mecanismos de repartição.
    • Criar grupo de trabalho intersetorial (Fazenda, Procuradoria e Planejamento) para alinhar estratégias jurídicas, orçamentárias e de fiscalização.

8.3 Síntese de recomendações

  • Para contribuintes: foco em compliance, revisão contratual e planejamento financeiro.
  • Para o Município: foco em fortalecer IPTU e ITBI, atualizar cadastros, participar da governança do IBS e investir em tecnologia e transparência.

Com essas medidas, Jaboatão dos Guararapes poderá minimizar os riscos da transição, assegurar estabilidade orçamentária e fomentar um ambiente de negócios mais previsível e seguro para os contribuintes locais.

9 Conclusão

A Emenda Constitucional nº 132/2023 inaugura um novo marco na história da tributação brasileira, ao instituir um sistema dual de IVA com a criação da CBS e do IBS, além do Imposto Seletivo. O objetivo declarado da reforma é a simplificação, a redução da litigiosidade e o aumento da neutralidade econômica da tributação sobre o consumo. Todavia, os efeitos da mudança não se restringem ao plano abstrato: repercutem de forma direta no dia a dia dos contribuintes e na gestão fiscal dos municípios.

No caso específico de Jaboatão dos Guararapes, a transição traz desafios e oportunidades. De um lado, a migração do ISS para o IBS representa risco de perda de autonomia tributária e de diminuição relativa de receitas, o que exige vigilância permanente sobre os critérios de repartição estabelecidos pelo Comitê Gestor. De outro lado, a centralização da arrecadação e a distribuição automática prometem maior previsibilidade, reduzindo custos administrativos e litígios, se devidamente implementadas com transparência e eficiência.

Para os contribuintes, a reforma exige uma mudança cultural e tecnológica. Será preciso investir em compliance fiscal, reestruturar contratos de longo prazo e acompanhar a regulamentação em leis complementares para evitar riscos de inadimplência ou perda de créditos. A nova sistemática de incidência no destino e o crédito amplo criam ambiente mais favorável à neutralidade tributária, mas impõem adaptação rigorosa.

Já para o Município, o fortalecimento do IPTU e do ITBI assume papel estratégico. A modernização dos cadastros imobiliários, a atualização periódica da Planta Genérica de Valores e o combate ao subfaturamento em transmissões de imóveis são medidas indispensáveis para equilibrar o orçamento e compensar eventuais perdas de receita do ISS. Além disso, a educação fiscal e a transparência no uso dos recursos arrecadados reforçam a confiança social e ampliam a legitimidade da tributação.

A doutrina e a jurisprudência oferecem balizas seguras para essa transição: o STF, ao fixar limites claros sobre imunidades do ITBI (Tema 796) e sobre a impossibilidade de cobrança de taxa de iluminação pública (SV 41), reafirma a importância da legalidade estrita e da segurança jurídica. Do mesmo modo, a doutrina de autores como Carrazza, Paulo de Barros Carvalho, Heleno Taveira Torres e Soares de Melo mostra que a simplificação tributária só será eficaz se acompanhada de governança democrática e respeito à autonomia federativa.

Assim, a reforma tributária deve ser compreendida não como um fim em si mesma, mas como um processo de transformação institucional que requer engajamento de todos os atores: União, Estados, Municípios, contribuintes e sociedade civil. Jaboatão dos Guararapes, ao se preparar de forma estratégica e proativa, pode não apenas preservar sua capacidade de arrecadação, mas também fortalecer seu papel como ente federativo autônomo e eficiente, em benefício direto de sua população.

Conclui-se, portanto, que a efetividade da reforma dependerá de dois fatores centrais:

  1. Do lado público, a capacidade de gestão do Município em modernizar cadastros, fortalecer receitas próprias e participar ativamente do Comitê Gestor do IBS;
  2. Do lado privado, o comprometimento dos contribuintes em adaptar-se ao novo modelo, utilizando-o como oportunidade de planejamento lícito e de incremento da competitividade.

A reforma tributária, embora complexa e desafiadora, representa uma janela histórica para corrigir distorções e construir um sistema mais simples, justo e transparente. Cabe a Jaboatão dos Guararapes transformar esse cenário em oportunidade de modernização administrativa, justiça fiscal e desenvolvimento econômico sustentável.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, compilado até a Emenda Constitucional nº 132/2023. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2023. Disponível em: Biblioteca do Senado. Acesso em: 17 set. 2025. Senado

BRASIL. Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023. Altera o Sistema Tributário Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 dez. 2023. Disponível em: Câmara dos Deputados – Legislação. Acesso em: 17 set. 2025. Portal da Câmara dos Deputados

MINISTÉRIO DA FAZENDA. Reforma Tributária – Regulamentação. Brasília, 2025. Disponível em: Gov.br Ministério da Fazenda. Acesso em: 17 set. 2025. Serviços e Informações do Brasil

CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE (CFC). Reforma Tributária: o novo Sistema Tributário Brasileiro. Brasília, 2024. Disponível em: CFC – publicação técnica (PDF). Acesso em: 17 set. 2025. ::Conselho Federal de Contabilidade::

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE MUNICÍPIOS (CNM). A reforma tributária do consumo e os municípios: riscos e oportunidades. Brasília, 2025. Disponível em: CNM – Biblioteca (PDF). Acesso em: 17 set. 2025. CNM

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Tema 796 de Repercussão Geral (RE 796.376/SC) – ITBI. Tese: a imunidade do art. 156, §2º, I, da CF não alcança valor que exceda o capital a integralizar. Julg. em 2021/2022. Disponível em: acórdãos e decisões correlatas. Acesso em: 17 set. 2025. Tribunal de Justiça de Minas Gerais+1

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). Súmula Vinculante 41 – Iluminação pública não pode ser remunerada mediante taxa. Brasília, 2009/2015. Disponível em: Portal do STF – súmulas vinculantes. Acesso em: 17 set. 2025. Supremo Tribunal Federal

PREFEITURA DO JABOATÃO DOS GUARARAPES. Cartilha de Incentivos Fiscais. Jaboatão dos Guararapes, 2025. Disponível em: Portal da Transparência (PDF). Acesso em: 17 set. 2025. Portal da Transparência

PREFEITURA DO JABOATÃO DOS GUARARAPES. Portal do Contribuinte – serviços de ISS, ITBI, IPTU. Acesso em: 17 set. 2025. Tinus

TESOURO NACIONAL. Siconfi/Finbra – Demonstrativos de Contas Anuais. Brasília, 2025. Disponível em: Tesouro Transparente. Acesso em: 17 set. 2025. Tesouro Transparente

Doutrina
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
MELO, José Eduardo Soares de. ISS – Teoria e Prática. 7. ed. São Paulo: Dialética, 2018.
TORRES, Heleno Taveira. Direito Constitucional Financeiro e Tributário. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
SANTI, Eurico Marcos Diniz de (org.). Reforma Tributária e o IVA no Brasil. São Paulo: FGV Direito SP, 2020.

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