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Tributar os super-ricos: Um caminho para a Justiça racial e fiscal no Brasil

Postado em 30 de julho de 2025 Por Carlos José da Silva Júnior Acadêmico de Direito, pesquisador focado na área de direito tributário com ênfase em justiça fiscal, antirracismo e direitos fundamentais. É Membro colaborador da comissão de Igualdade Racial da OAB-PE.

O Brasil é um país profundamente marcado pela desigualdade. Esta frase, tão repetida, precisa deixar de ser um diagnóstico conformista e se tornar um ponto de partida para transformações concretas — sobretudo no campo fiscal. A tributação, que deveria ser um instrumento de promoção da justiça social, tem operado no Brasil como reforço da desigualdade. Mais do que isso: trata-se de um sistema que penaliza quem tem menos e protege quem mais acumula. Quando se cruza esse dado com o perfil racial da população, torna-se impossível não identificar ali um componente de seletividade racial. Estamos diante do que denomino de racismo fiscal.

A ideia de justiça tributária deve se apoiar em três pilares constitucionais: capacidade contributiva, isonomia e dignidade da pessoa humana. No entanto, nosso sistema insiste em tributar majoritariamente o consumo e os salários — fontes de renda de pessoas negras, periféricas e, em especial, mulheres negras chefes de família — enquanto poupa grandes fortunas, lucros e dividendos, heranças bilionárias e aplicações financeiras de rentistas. O resultado é uma distorção absurda: quem ganha menos, paga proporcionalmente mais. Quem acumula riqueza, quase não contribui.

Esse modelo regressivo não é um erro técnico, tampouco uma fatalidade orçamentária. É uma escolha política. Uma escolha que, historicamente, protege uma elite econômica — majoritariamente branca — às custas da exploração tributária dos mais pobres — em sua maioria, pessoas negras. Quando o Estado decide não tributar grandes fortunas, mas tributa o arroz, o feijão e o gás de cozinha, ele está fazendo política, e política excludente.

Os dados são eloquentes: as mulheres negras estão entre as que mais contribuem proporcionalmente com impostos indiretos, mas também são as que menos recebem de volta em políticas públicas. Enquanto isso, os hiper-ricos — cerca de 0,3% da população — concentram quase metade da riqueza nacional e são poupados por um sistema que não cobra imposto sobre dividendos e aplica alíquotas tímidas sobre heranças. Isso não é apenas uma injustiça fiscal, mas uma negação da cidadania plena.

É preciso inverter essa lógica. A justiça fiscal passa, necessariamente, pela taxação dos SuperRicos. Medidas como o fim da isenção de lucros e dividendos, o aumento do imposto sobre grandes heranças, a criação de um imposto sobre grandes fortunas e a implementação de um sistema de cashback tributário para famílias de baixa renda não são utopias. São propostas viáveis, já aplicadas em países democráticos que entendem que igualdade exige redistribuição.

Mas justiça fiscal no Brasil só será completa quando for também justiça racial. A estrutura tributária precisa reconhecer que raça, gênero e classe são marcadores que atravessam o sistema e impactam diretamente na forma como se tributa e se retorna em políticas públicas. Uma reforma tributária que ignora esses marcadores está fadada a repetir os erros do passado: modernizar a injustiça sob um novo nome.

É hora de fazer do sistema tributário um instrumento de reparação histórica. Não se trata apenas de arrecadar mais, mas de arrecadar melhor e com justiça. Tributar os Super-Ricos não é punição: é coerência com o projeto constitucional de 1988, que prometeu igualdade, dignidade e justiça social. Promessas que, até hoje, não chegaram a todas e todos, especialmente à população negra e pobre.

Se queremos um país verdadeiramente democrático, precisamos enfrentar os privilégios estruturais onde eles mais se escondem: na sutileza das normas fiscais, nas isenções seletivas, nos benefícios tributários que ninguém ousa tocar. Tributar os Super-Ricos é um passo urgente — não apenas por razões econômicas, mas por um imperativo ético, racial e civilizatório.

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