Falar sobre violência de gênero no Brasil, e em especial Pernambuco, é enfrentar uma realidade dura, marcada por estatísticas alarmantes, histórias de dor, silêncios culturais e estigmas. Mas é também, e sobretudo, falar da urgência por transformações estruturais, especialmente no sistema de justiça. E, nesse cenário, o atendimento jurídico humanizado deixa de ser um ideal e passa a ser uma necessidade vital para mitigar o cenário de revitimização.
A atuação da advocacia, nesse contexto, deve ir além da técnica. É claro que o domínio das leis, dos procedimentos e dos prazos é indispensável e comum na prática da advocacia. No entanto, quando o assunto é violência de gênero, isso não basta. É necessária uma escuta empática, um acolhimento sem julgamentos, bem como compreender o impacto da dor e não contribuir para a revitimização, um fenômeno infelizmente ainda recorrente, inclusive dentro das instituições que deveriam proteger.
Muitas vítimas chegam ao sistema de justiça já fragilizadas por violências físicas, psicológicas, sexuais e patrimoniais. E, ao buscarem amparo, enfrentam, muitas vezes, mais uma violência: a institucional. Seja na delegacia que recusa o registro da ocorrência, no servidor público que duvida do relato, ou no julgamento atravessado por estigmas raciais, de classe, de orientação sexual ou identidade de gênero, o que se presencia é um ciclo contínuo de negação de direitos.
Nesse cenário, a advocacia precisa se posicionar como prática de resistência e transformação. Resistência contra um sistema que ainda insiste em silenciar, culpar e descartar as vítimas. Transformação, no sentido de construir novos caminhos de justiça; mais humanos, mais justos, mais atentos à complexidade da vida real.
Um atendimento jurídico humanizado exige também compromisso ético com a escuta ativa, com o respeito à autonomia das vítimas, com a articulação em rede e com a
produção de saberes jurídicos que não desconsiderem as realidades sociais. Não se trata de “militância”, como muitos tentam deslegitimar, mas sim de responsabilidade social da advocacia com os direitos fundamentais.
É papel da advocacia questionar práticas revitimizantes, denunciar omissões institucionais e buscar respostas eficazes. Significa atuar com sensibilidade diante de um relato de abuso, saber que cada silêncio carrega uma história, e que cada história demanda cuidado, tempo e respeito.
O que se espera dos profissionais do direito que atuam no âmbito da violência de gênero não é heroísmo, se espera humanidade e preparo. É saber que será necessário muitas vezes enfrentar um sistema que reproduz desigualdades e que nosso dever é enfrentá-las dentro e fora das salas de audiência.
A luta por um atendimento jurídico humanizado é, portanto, uma luta coletiva. É uma prática que deve ser antirracista, antimisógina, plural e acessível. Que compreenda a dor, mas que também a transforme em ação. Que entenda que o Direito não é apenas ferramenta de controle, mas também de libertação.
Em tempos de retrocessos e banalização da dor alheia, é urgente reafirmar o compromisso com uma advocacia que abrace seu papel social. Porque, no fim das contas, resistir também é advogar, e advogar com humanidade é, sim, um ato político.
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