Edila Maria Romao da Silva 1

Violência doméstica e a dependência financeira: A urgência de políticas públicas de renda mínima para mulheres sob medidas protetivas

Postado em 27 de agosto de 2025 Por Edila Maria Romão da Silva Curso em Direito concluso em 2025.1 na estácio abdias de carvalho (aguardando colação de grau)

1. INTRODUÇÃO

A violência doméstica contra mulheres no Brasil permanece como uma das violações de direitos humanos mais persistentes, frequentemente sustentadas por fatores econômicos que fragilizam a autonomia e dificulta a ruptura do ciclo de abuso se tornando um fenômeno complexo e multidimensional. No Brasil, os índices de agressões físicas, psicológicas, sexuais e patrimoniais dentro do ambiente doméstico e familiar continuam alarmantes, apesar dos avanços legislativos, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), tendo sua eficácia  limitada sem suporte econômico e social fortalecido, fazendo com que muitas mulheres com medidas protetivas  deixem de ter o sustento, principalmente quando o agressor era o provedor. Sem alternativas viáveis, muitas acabam retornando à situação abusiva. Um dos fatores negligenciado, porém central, é a dependência financeira da mulher em relação ao agressor, que atua como obstáculo à denúncia, à separação e à reconstrução da vida em segurança.

Muitas mulheres permanecem em relacionamentos abusivos, sofrendo violência por não possuírem condições econômicas de subsistência, sem profissão, estudo, especialmente quando têm filhos. Diante disso, este artigo busca demonstrar como a implementação de uma renda mínima direcionada a mulheres sob medidas protetivas pode representar uma política pública eficaz de enfrentamento à violência doméstica e de promoção da autonomia feminina, facilitando assim o rompimento com o ciclo da violência.

2. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E DEPENDÊNCIA FINANCEIRA: UM CICLO INTERLIGADO

A violência doméstica e a dependência financeira formam um ciclo complexo e interdependente comprometendo a saúde física e mental das mulheres, doenças psicossomáticas com sintomas de pânico e depressão vêm afetando sua capacidade de trabalhar ou estudar, perpetuando a situação de vulnerabilidade e por consequência disso dificultando a saída da vítima da relação abusiva. Diversos estudos científicos apontam que a falta de autonomia econômica é um dos principais fatores que mantêm mulheres em situações de violência e vulnerabilidade, pois o agressor utiliza o controle financeiro como forma de abuso.

A dependência financeira têm tornado as vítimas mais vulneráveis totalmente dependentes de seus agressores, pois dificulta sua capacidade de tomar decisões, de buscar ajuda ou sair de casa. Em muitos casos, o agressor utiliza o controle econômico como uma forma de abuso, limitando o acesso a recursos básicos, como dinheiro, documentos e contas bancárias.

Por outro lado, a convivência com o agressor tem em muitas vezes comprometido à saúde física e mental das vítimas, afetando sua capacidade de trabalhar ou estudar, perpetuando assim a vulnerabilidade financeira. Essa relação cíclica – em que a falta de recursos mantém a vítima presa no ambiente abusivo e o abuso dificulta a conquista da autonomia – cria um quadro de aprisionamento.

Pesquisas indicam que políticas públicas que promovem o empoderamento econômico das mulheres, tais como, qualificação profissional, acesso a crédito e programas de transferência de renda, podem ser determinantes para a ruptura desse ciclo. A institucionalização de um programa nacional de renda mínima emergencial deve estar articulada com serviços de acolhimento (como casas de abrigo), e inserção laboral (como o Tem Saída). Políticas públicas como o aluguel social  reforçam a necessidade de segurança residencial enquanto a autonomia é construída. Além disso, o suporte psicológico, jurídico e social também é essencial para que as vítimas consigam reconstruir suas vidas de forma independente, segura e digna.

A violência doméstica não se limita a um único tipo de agressão, embora a violência física ainda seja a mais denunciada, a violência psicológica é a mais recorrente, afetando mais de 80% das mulheres em situação de violência doméstica e familiar. Essa forma de abuso envolve humilhações, ameaças, isolamento social, controle emocional e chantagens, minando a autoestima e a capacidade de reação da vítima, evoluindo para a violência moral — como calúnia, difamação e injúria que são frequentemente negligenciadas, apesar de exercerem forte impacto sobre a dignidade e autonomia da mulher A violência patrimonial e econômica, caracterizada pelo controle dos recursos financeiros, destruição de bens ou impedimento ao acesso ao trabalho, é uma estratégia comum dos agressores para manter o poder sobre suas vítimas. O reconhecimento dessas múltiplas etapas de violência é essencial para garantir a efetividade das políticas públicas e a integralidade no atendimento às vítimas

De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024), mais de 60% das mulheres vítimas de violência doméstica afirmaram ter alguma forma de dependência financeira de seus agressores. Esse dado demonstra como a autonomia econômica é um fator central na capacidade de romper o ciclo  de violência.

3. MEDIDAS PROTETIVAS E A FALTA DE SUSTENTAÇÃO ECONÔMICA

A Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006),  prevê medidas protetivas de urgência, como o afastamento do agressor, proibição de contato e a concessão de abrigo temporário. No entanto, essas medidas são, muitas vezes, insuficientes sem uma rede de apoio econômico e social que garanta a subsistência da mulher e de seus dependentes.

Mulheres que recebem medidas protetivas frequentemente enfrentam a perda do sustento, já que, na maioria dos casos, o agressor é também o provedor financeiro do lar. Apesar de iniciativas pontuais, como o programa “Tem Saída” (implantado em parceria com o CNJ), e propostas de políticas de aluguel social e renda mínima emergencial, ainda não há, no Brasil, uma política nacional consolidada voltada à proteção econômica de mulheres sob medidas protetivas. É fundamental que a proteção à mulher vítima de violência doméstica e familiar sob medida protetiva vá além da esfera jurídica e envolva suporte financeiro imediato, qualificação profissional e acesso à moradia, como condições mínimas para o rompimento definitivo do ciclo da violência. Sem uma política pública eficaz que ofereça suporte financeiro emergencial ou de longo prazo, essas mulheres acabam retornando ao ciclo de violência, por falta de alternativas viáveis.

Diversos estudos apontam que a ausência de renda própria e de suporte  econômico as vítimas e seus dependentes é um dos principais fatores que mantêm mulheres em relações abusivas, muitas vítimas acabam desistindo das medidas protetivas por medo de ficarem sem sustento, especialmente quando o agressor é o único provedor do lar.

Além disso, a dependência financeira tem sido uma arma utilizada como instrumento de controle pelo agressor, configurando uma forma de violência econômica, aprisionando muitas mulheres, essa triste realidade limita a autonomia da mulher e enfraquece a eficácia das medidas protetivas, especialmente em contextos em que o Estado não oferece suporte imediato à vítima.

4. A URGÊNCIA DE POLÍTICAS DE RENDA MÍNIMA PARA MULHERES SOB MEDIDAS PROTETIVAS

Programas sociais de transferência de renda, como a Bolsa Família, embora desempenhem um papel relevante na mitigação da pobreza e contribuam indiretamente para a proteção de mulheres em situação de vulnerabilidade, ainda não contemplam de forma específica aquelas que enfrentam violência doméstica. Nesse cenário, evidencia-se a urgência da formulação e implementação de políticas públicas de renda mínima direcionada exclusivamente a mulheres sob medidas protetivas, considerando sua condição de risco, dependência econômica e necessidade de autonomia imediata.

Países como a Espanha e o Canadá já implementaram políticas de auxílio financeiro a mulheres vítimas de violência doméstica, condicionadas ao cumprimento de medidas protetivas e à busca de inserção no mercado de trabalho. No Brasil, iniciativas pontuais como o programa “Mulher Viver sem Violência” tentaram avançar nesse campo, mas com alcance limitado e orçamento reduzido.

Sugere-se, portanto, a institucionalização de uma política nacional de renda mínima emergencial para mulheres sob medidas protetivas, articulada com serviços de acolhimento, capacitação profissional e inserção laboral.

CONCLUSÃO

A violência doméstica não pode ser enfrentada apenas sob a ótica criminal, reduzir o enfrentamento da violência doméstica à sua dimensão criminal é insuficiente diante da complexidade social, econômica e psicológica que envolve a realidade das mulheres vítimas. Embora o aparato legal, como a Lei Maria da Penha, represente um marco importante na responsabilização dos agressores, a efetividade da proteção só será alcançada quando for acompanhada por políticas públicas eficazes integradas, que promovam a autonomia da mulher e rompam com os ciclos de dependência e vulnerabilidade. A dependência financeira é um fator determinante na dissolução do ciclo de abuso, e políticas públicas de assistência econômica são essenciais para garantir a efetividade das medidas protetivas. A implementação de programas de renda mínima pode ser a chave para permitir que mulheres vítimas reconstruam suas vidas com segurança e dignidade.

O investimento em políticas públicas que promovam a autonomia econômica das mulheres é, portanto, uma estratégia de prevenção da violência de gênero e uma responsabilidade do Estado na proteção dos direitos humanos.

REFERÊNCIAS

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