O dia 11 de agosto é mais do que uma data comemorativa. É um símbolo da fundação do ensino jurídico no Brasil, da luta por cidadania e da construção de uma identidade nacional. Em 1827, Dom Pedro I sancionou a criação dos primeiros cursos de Direito em Olinda (PE) e São Paulo (SP), consolidando um marco na formação das elites políticas e jurídicas do país. Desde então, essa data passou a representar também o Dia do Estudante, celebrando o papel transformador da educação.
A criação dos cursos jurídicos em 1827 foi uma resposta à necessidade de formar quadros nacionais após a independência. Até então, os brasileiros estudavam em Coimbra. A instalação das faculdades em Olinda e São Paulo representou um passo decisivo na construção do Estado brasileiro. Essas instituições formaram juristas, políticos e intelectuais que moldaram o país. No entanto, também reproduziram desigualdades, sendo por muito tempo espaços elitistas e
Para muitos, o Direito é um conjunto de normas. Para outros, como eu, estudante do 8º período e oriundo da periferia, o Direito é a voz dos esquecidos. É a ferramenta que pode romper ciclos de exclusão e dar visibilidade às populações negras e marginalizadas. Como afirma Silvio Almeida, “a responsabilização jurídica não é suficiente para que a sociedade deixe de ser uma máquina produtora de desigualdade racial”. O ensino jurídico, portanto, não pode se limitar à técnica. Ele deve ser um espaço de resistência, crítica e emancipação. Como dizia Paulo Freire, “a inclusão acontece quando se aprende com as diferenças e não com as igualdades”.
Segundo o estudo Perfil ADV, apenas 8% dos advogados brasileiros se autodeclaram pretos, e 25% pardos. Em grandes escritórios, esse número é ainda menor. A advogada Sílvia Souza, da OAB Nacional, afirma que “a ausência de pessoas negras no Judiciário transmite a ideia de que não somos intelectualmente capazes de ocupar esses espaços”. A democratização do ensino jurídico passa por ações afirmativas, políticas de permanência e valorização da diversidade. Como estudante negro, sei o que é adiar um sonho por falta de recursos. Hoje, com o apoio da tecnologia e com políticas estudantis e valores acessíveis, me preparo para atuar globalmente, com foco em Direito Internacional.
Luiz Gama, advogado autodidata, libertou mais de 500 pessoas escravizadas usando o próprio sistema jurídico como arma contra a opressão. Sua trajetória inspira uma advocacia comprometida com a justiça social, não com o privilégio. Gama é símbolo de uma advocacia que não se cala diante da injustiça. Como ele, muitos jovens negros hoje enfrentam o racismo estrutural nas universidades e no mercado de trabalho, mas seguem resistindo.
A revolução digital transformou o ensino jurídico. Plataformas online, inteligência artificial e simulações processuais são hoje ferramentas essenciais. No entanto, o acesso desigual à tecnologia pode reproduzir exclusões. É preciso garantir que a inovação venha acompanhada de formação crítica, ética e inclusiva, como propõe o artigo de Bruno Beuron e Andressa Maurmann.
O advogado é essencial à justiça. Mas, em tempos difíceis, quem defende a Constituição é chamado de “ditador”, e quem atua no penal é visto como “protetor de bandido”. Essa distorção precisa ser combatida com formação ética e compromisso social. A advocacia deve ser instrumento de defesa dos direitos humanos, da democracia e da dignidade. Como afirmou a OAB-SP, “sem a advocacia, o Brasil não seria nada”.
Propostas para um ensino jurídico mais justo
A OAB tem defendido um marco regulatório para conter a proliferação de cursos de Direito sem qualidade. Com mais de 1.800 faculdades, o Brasil forma milhares de bacharéis por ano, muitos sem preparo adequado. Para enfrentar esse cenário, é essencial ir além da quantidade e focar na qualidade da formação jurídica.
Uma proposta fundamental seria a criação, no âmbito da OAB, de uma Comissão de Fiscalização e Acompanhamento das Universidades de Direito, com o objetivo de garantir que os cursos autorizados ofereçam estrutura, corpo docente qualificado e conteúdo alinhado às demandas sociais e jurídicas contemporâneas. Não basta autorizar novos cursos — é preciso assegurar que eles realmente preparem os estudantes para atuar com competência, ética e compromisso social.
Outras propostas incluem:
O 11 de agosto é um convite à reflexão. Celebrar essa data é reconhecer o passado, mas também assumir o compromisso com um futuro mais justo. Como estudante de Direito e futuro especialista em Direito Internacional, acredito que o ensino jurídico deve ser ponte, não barreira. Que este artigo seja uma porta de entrada para o debate, a ação e a transformação. Porque o Direito, quando bem aplicado, é a voz dos que nunca foram ouvidos.
ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. São Paulo: Pólen, 2019.
GAMA, Luiz. Primeiras trovas burlescas. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
BEURON, Bruno; MAURMANN, Andressa. Ensino jurídico e tecnologia: desafios e perspectivas. Revista de Direito, v. 28, n. 2, 2022.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
OAB. Perfil da advocacia brasileira. Brasília: Conselho Federal da OAB, 2021.
ALLENDE, Salvador. Discurso na ONU, 1972.
OAB-SP. A importância da advocacia na democracia. São Paulo: OAB-SP, 2023.
BRASIL. Decreto Imperial nº 1.311, de 11 de agosto de 1827. Criação dos cursos jurídicos no Brasil.
SOUZA, Sílvia. Inclusão racial na advocacia. Revista da OAB Nacional, v. 15, n. 3, 2021.
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