Kize Lima

Entre o amor e a luta: A maternidade atípica e o direito ao acolhimento

Postado em 03 de setembro de 2025 Por Kize Lima Acadêmica de Direito, Assistente Jurídica, Criadora de Conteúdos Digitais Sobre Maternidade Atípica e Direito Previdenciário, Integrante das Comissões de Direito Médico e da Saúde e da Jovem Advocacia na OAB Cabo de Santo Agostinho - PE.

A maternidade atípica: Um cenário de luta e de resiliência

A maternidade, em sua essência, é uma jornada de amor incondicional e de muita resiliência. Para muitas mulheres, essa experiência se entrelaça com desafios constantes no tocante à maternidade atípica. Esse termo abrange a criação de filhos com deficiência ou doenças raras. Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD), como o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou outras condições que requeiram cuidados e atenções singulares também se incluem nesse conceito. No entanto, mais do que uma simples definição, a maternidade atípica é um universo de demandas específicas que, muitas vezes, colocam essas mães à margem da sociedade, numa realidade invisibilizada e sem apoio necessário. Nesse cenário, é crucial que o direito atue como um guia para garantir o cuidado e o acolhimento dessas famílias.

Mães atípicas e sua jornada de sobrecarga e autocuidado negado

Historicamente o papel de cuidar dos filhos costuma ser atribuído à mãe que, na maioria das vezes, atua como única e principal cuidadora. Nesse contexto, a experiência de ser mãe atípica se torna completamente distinta, se comparada as outras formas de maternidade, começando pela possível falta do autocuidado, uma vez que essa mãe passa a não dispor mais de tempo e de energia devido à carga extenuante de cuidar de um filho com desenvolvimento atípico.  Se a

rotina de uma mãe típica em geral já é exaustiva, a de uma mãe que cuida de um filho com deficiência pode ser ainda mais desafiadora. Com o diagnóstico em mãos, essa mãe passa a enfrentar, geralmente, diversos dilemas tais como a busca por terapias, acompanhamento médico, adaptações escolares, seletividade alimentar, gestão de medicações, dificuldade de aceitação ou de ressignificação, falta de suporte social, além de rotinas intensas envolvendo a busca por informações claras e por apoio institucional. 

O peso do cuidado: A vulnerabilidade da mãe como questão jurídica e social

Entende-se erroneamente, em muitos casos, que o direito ao cuidado deve ser contemplado apenas de forma unilateral, focado no filho e nos direitos que este possui, sem levar em conta o papel central da mãe como principal provedora desse cuidado e, consequentemente, a sua vulnerabilidade. O peso do cuidado, que é contínuo e exaustivo, recai quase exclusivamente sobre a mulher, gerando impactos profundos em sua vida social, em sua saúde física e mental, em sua carreira profissional que, na maioria das vezes e por inúmeros motivos, precisa ser interrompida para que esta mãe possa se dedicar aos cuidados especiais do seu filho. Uma invisibilidade que não pode ser tolerada principalmente em nosso sistema jurídico.

A perspectiva da mãe atípica é fundamental para a interpretação do direito. Embora o Estatuto da Pessoa com Deficiência e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já garantam a proteção do filho com deficiência, a efetividade na prática ainda é um desafio. Muitas mães precisam acionar a justiça para assegurar direitos básicos como saúde e educação.

O nosso sistema jurídico precisa cada vez mais reconhecer o papel central e a vulnerabilidade da mãe atípica como sujeito de direito. Diante disso, a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência aprovou o Projeto de Lei 1520/25. O projeto cria o Auxílio Mãe Atípica (AMA), que oferece apoio financeiro e psicossocial a mães e responsáveis de crianças e adolescentes com deficiência severa ou TEA (AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, 2025). Essa iniciativa, que ainda passará por outras comissões e, se aprovada, se tornará lei, representa um passo importante para a proteção dessas mulheres.

O papel da sociedade também é primordial no tocante ao acolhimento das mães atípicas. O apoio social pode se manifestar de diversas formas com a informação e a conscientização nas escolas, nos ambientes de trabalho e nas comunidades. Além disso, ações como a criação de grupos de apoio e redes de solidariedade permite que as mães atípicas compartilhem suas experiências, fazendo com que se sintam menos isoladas e mais fortalecidas.

As políticas públicas e o papel da advocacia na construção do acolhimento necessário

É de extrema importância que haja mecanismos de inclusão e apoio às mães atípicas com o estabelecimento de políticas públicas que ofereçam suporte psicossocial, terapias especializadas, acesso a informações e ao judiciário de forma desburocratizadas, até mesmo suporte financeiro incluindo oportunidades de renda e de participação em programas assistenciais reconhecendo o trabalho árduo de cuidado dessas mães que, muitas vezes, não é remunerado. 

Nesse contexto o papel da advocacia em defesa da maternidade atípica requer uma compreensão profunda das nuances dessa realidade, buscando a aplicação de princípios constitucionais e o diálogo com outras áreas do conhecimento, como a medicina e a psicologia, por exemplo. É no trabalho diário de advogados e de juristas que a letra da lei deve “ganhar vida” e efetividade no tocante aos cuidados e ao acolhimento às mães atípicas. É preciso atuarmos além da busca por direitos individuais; mas também na busca por transformação social, contribuindo para a construção de uma sociedade que enxergue a maternidade atípica e sua trajetória de luta, amor e resistência.

Conclusão: Amor e Lei, um caminhar por dignidade

A maternidade atípica desafia o direito a ir além da proteção do filho e a abraçar a perspectiva da mãe como sujeito de direitos. A jornada dessas mulheres, marcada por desafios singulares, exige mais do que políticas públicas: demanda um imperativo ético e social. Portanto, a luta pelo acolhimento é uma luta por dignidade e respeito, na qual a justiça e a sociedade devem atuar de forma conjunta para garantir que o amor incondicional dessas mães não seja o único combustível, mas sim o ponto de partida para uma vida mais digna e amparada.

O direito ao acolhimento nos convida a expandir o alcance da justiça e do bemestar para as mães atípicas. Diferente de uma jornada guiada por manuais, a maternidade atípica se inicia com um diagnóstico que pode trazer, em primeiro momento, medo e incertezas, por isso o apoio social com a disseminação de informações claras e direcionadas são, desse modo, essenciais para essa caminhada. O amor presente na luta incansável pelos direitos e pelo bem-estar dos filhos é o que sustenta cada mãe atípica. Todavia o amor dessas mães, apesar de imensurável, não pode ser unicamente o condutor para a sua trajetória. O direito, como instrumento de equilíbrio social, deve garantir o amparo e a proteção que elas merecem. 

Que o amor e a lei possam caminhar juntos na construção de um futuro mais justo e mais acolhedor para cada família atípica.

Referências Bibliográficas

AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS. Comissão aprova auxílio financeiro e psicológico a mães de pessoa com deficiência ou autismo. Brasília, DF, 2 set. 2025. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1180262-comissaoaprova-auxilio-financeiro-e-psicologico-a-maes-de-pessoa-com-deficiencia-ouautismo/. Acesso em: 2 set. 2025.

AMORIM, Simone. Uma reflexão sobre maternidade atípica. Dra. Simone Amorim neurofisiologista e neurologista infantil. Disponível em: https://drasimoneamorim.com.br/uma-reflexao-sobre-maternidade-atipica/. Acesso em: 28 ago. 2025.

BANDEIRA, Gabriela. Maternidade atípica: conheça a história de duas mães de autistas. Cuidado Genial. Disponível em: https://genialcare.com.br/blog/maternidade-atipica/. Acesso em: 25 ago. 2025.

BASTOS, T. Mães atípicas: quem cuida delas? Taniabastos. Disponível em: https://www.taniabastos.com/maes-atipicas-quem-cuida-delas/.Acesso em: 25 ago. 2025.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Acesso em: 28 ago. 2025.

BRASIL. Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. ECA. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 28 ago. 2025.

BRASIL. Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20152018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em: 28 ago. 2025.

VIANA, C. T. de S.; Benicasa, M. Maternidade Atípica: Termo e Conceito. 2023. Disponível em: https://revistaacademicaonline.com/index.php/rao/article/view/299. Acesso em: 28 ago. 2025.

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