Augustus Scagliarini

A transição energética, a tributação sobre carbono e a regulamentação brasileira dos créditos de carbono: Fundamentos constitucionais e perspectivas futuras

Postado em 03 de setembro de 2025 Por Augustus Scagliarini Advogado. Cientista Político. Administrador. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB-PE. Mestrando em Administração e Desenvolvimento (UFRPE).

Introdução

A crescente preocupação com as mudanças climáticas tem colocado a transição energética e os mecanismos de mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) no centro das agendas globais. Nesse contexto, os instrumentos econômicos de proteção ambiental, como a taxa de carbono e os mercados de créditos de carbono, vêm sendo discutidos e implementados em diferentes países, incluindo o Brasil, que recentemente regulamentou dispositivos relacionados ao tema.

A questão ambiental, no entanto, não pode ser desvinculada de seu fundamento constitucional: o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que consagra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de terceira dimensão, de titularidade difusa, impondo ao Estado e à coletividade o dever de preserválo para as presentes e futuras gerações.

O presente artigo busca analisar, em profundidade, os seguintes pontos:

  1. O conceito e os desafios da transição energética;
  2. O papel da tributação ambiental e da taxa de carbono como instrumentos econômicos de regulação;
  3. O desenvolvimento normativo do mercado de créditos de carbono no Brasil, com especial atenção às regulamentações mais recentes;
  4. A interpretação e aplicação do art. 225 da Constituição Federal como fundamento jurídico da política climática e energética.

1. Transição Energética: Conceito, Necessidade e Desafios

A transição energética consiste no processo de substituição gradual da matriz energética baseada em combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural) por uma matriz limpa, renovável e sustentável, pautada em fontes como energia solar, eólica, biomassa, hidrogênio verde e outras tecnologias de baixo carbono.

1.1 Contexto Internacional

Desde o Acordo de Paris (2015), que estabeleceu metas de mitigação climática e compromissos nacionais determinados (NDCs), o movimento global tem se intensificado.

A União Europeia, por exemplo, avança com o Green Deal e o mecanismo de ajuste de carbono nas fronteiras (CBAM). Os Estados Unidos, por sua vez, criaram incentivos fiscais por meio da Inflation Reduction Act (IRA).

1.2 Contexto Brasileiro

O Brasil possui uma matriz elétrica relativamente limpa, com destaque para as hidrelétricas, mas enfrenta desafios na expansão da energia solar e eólica, no incentivo à mobilidade elétrica e na redução das emissões do setor de transporte e agropecuária.

O país, ao mesmo tempo, encontra-se em posição estratégica para liderar o mercado global de créditos de carbono, dado seu potencial de preservação florestal e de energias renováveis.

2. A Tributação Ambiental e a Taxa de Carbono

2.1 Conceito de Tributação Ambiental

A tributação ambiental é um instrumento econômico que busca internalizar as externalidades negativas geradas por atividades poluidoras, corrigindo falhas de mercado. Trata-se de aplicar a lógica do princípio do poluidor-pagador, já consagrado pelo Direito Ambiental internacional e incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro.

2.2 A Taxa de Carbono

A taxa de carbono (ou imposto sobre carbono) consiste na fixação de um valor monetário sobre cada tonelada de CO₂ equivalente emitida, incentivando empresas e consumidores a reduzirem suas emissões e a investirem em tecnologias de baixo carbono.

No cenário internacional, países como Suécia, Canadá e Chile já implementaram modelos consolidados de taxação de carbono. No Brasil, ainda se discute a viabilidade da medida, em diálogo com a implementação do mercado regulado de créditos de carbono.

2.3 Taxa de Carbono x Mercado de Créditos de Carbono

Enquanto a taxa de carbono atua pela imposição de um custo direto às emissões, o mercado de créditos de carbono cria um sistema de compensação e negociação de reduções de emissões. Ambos os instrumentos podem ser complementares, compondo uma estratégia de transição energética eficiente.

3. Créditos de Carbono e a Regulamentação Brasileira

3.1 Conceito e Funcionamento

O crédito de carbono é uma unidade de medida que corresponde à redução ou remoção de uma tonelada de CO₂ equivalente da atmosfera. Ele pode ser negociado em mercados voluntários ou regulados, permitindo que empresas compensem suas emissões ao financiar projetos sustentáveis, como reflorestamento, energias renováveis ou captura de carbono.

3.2 Marcos Internacionais

O Protocolo de Quioto (1997) e o Acordo de Paris (2015) forneceram as bases normativas internacionais para a criação dos mercados de carbono.

3.3 A Regulamentação Brasileira Recente

O Brasil, em 2023, avançou com a Política Nacional de Comércio de Emissões (PNMCe), aprovada no Congresso e sancionada pelo Executivo, criando o mercado regulado de créditos de carbono. Essa legislação define:

  • Os setores que deverão reportar suas emissões;
  • O estabelecimento de limites de emissões;
  • A possibilidade de comercialização de créditos excedentes por empresas que superarem suas metas de redução.

Além disso, o Brasil busca alinhar-se ao Artigo 6 do Acordo de Paris, que trata dos mecanismos de mercado para mitigação climática global.

3.4 Oportunidades e Riscos

A regulamentação abre oportunidades para atrair investimentos e consolidar o Brasil como um dos maiores fornecedores de créditos de carbono do mundo. Entretanto, também apresenta riscos, como a necessidade de transparência, credibilidade metodológica e governança eficiente para evitar a chamada “greenwashing”.

4. O Fundamento Constitucional: Art. 225 da Constituição Federal

O art. 225 da Constituição Federal de 1988 estabelece:

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Este dispositivo constitui o fundamento normativo central das políticas ambientais no Brasil, conferindo natureza de direito fundamental ao meio ambiente equilibrado.

4.1 O Princípio da Solidariedade Intergeracional

O art. 225 explicita a noção de solidariedade intergeracional, impondo ao Estado o dever de adotar políticas que garantam a qualidade de vida futura. A transição energética e os mecanismos de mercado de carbono são, portanto, expressões práticas dessa obrigação constitucional.

4.2 O Princípio do Poluidor-Pagador

A Constituição também admite a utilização de instrumentos econômicos de proteção ambiental, o que legitima a criação de tributos ambientais, como a taxa de carbono, e a regulação do comércio de emissões.

4.3 Jurisprudência Constitucional

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem reiterado a importância da proteção ambiental, reconhecendo que o meio ambiente é bem jurídico indisponível e de natureza difusa, impondo limites à atividade econômica sempre que necessário para assegurar sua preservação.

5. Perspectivas Futuras e Considerações Finais

A transição energética é inevitável e urgente. O Brasil, com sua matriz energética relativamente limpa e seu potencial de preservação florestal, tem condições de assumir protagonismo internacional.

A implementação da taxa de carbono e a consolidação do mercado regulado de créditos de carbono representam instrumentos importantes, mas que exigem segurança jurídica, eficiência administrativa e participação social para que cumpram seu papel.

O art. 225 da Constituição Federal deve permanecer como a bússola normativa da política energética e climática nacional, garantindo que o desenvolvimento econômico se dê em harmonia com a preservação ambiental.

Em síntese, a conjugação de fundamentos constitucionais, instrumentos tributários e de mercado pode impulsionar o Brasil rumo a uma economia de baixo carbono, assegurando não apenas o cumprimento de compromissos internacionais, mas também a efetivação de um direito fundamental essencial: o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

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