Quando do julgamento do REsp nº 2172289 – MA, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a “caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso da reserva extrativista, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei n. 9.985/2000)” sob o argumento de que a “especialidade e superveniência da Lei 9.985/2000 afasta as normas gerais de desapropriação por interesse social e utilidade pública no que são com ela incompatíveis, prevalecendo a autonomia do ramo do Direito Ambiental sobre as normas gerais do Direito Administrativo em sentido estrito”.
Bom, partindo do racional empregado pelo STJ é preciso fazer uma leitura sistêmica do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941 que estabelece que “o Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação”[i], pois, para que o Poder Legislativo tome iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, cuida-se por indispensável, o cotejo com os ditames contidos na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei nº 9.985/2000).
Pois bem, o art. 22 da Lei nº 9.985/2000 estabelece que as unidades de conservação (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre; Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural) são criadas por ato do Poder Público, ao passo que o decreto que regulamenta a excogitada lei exige que o ato de criação de uma unidade de conservação obrigatoriamente indique a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração; a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável; a população tradicional residente, quando couber, no caso das Florestas Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas (art. 2º do Decreto nº 4.340/2002).
A legislação ambiental ainda estabelece que a “criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade” (art. 2º, § 2º da Lei nº 9.985/2000).
Ou seja, para que o Poder Legislativo possa, nos termos do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941, tomar a iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental é imprescindível, para a validade do procedimento, que sejam adotadas as condições de procedibilidade previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e no seu decreto regulamentador.
Inclusive, a partir da leitura do art. 4º do Decreto nº 4.320/2002 fica até difícil sustentar a compatibilidade do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941 com os procedimentos exigidos para a desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, vez que o dispositivo regulamentar dispõe que “compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade”.
Ora, imaginando o Poder Legislativo como órgão executor proponente, não nos parece que possua capacidade para realizar os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.
Isso posto, sob a lente da Lei nº 9.985/2000 e do Decreto nº 4.320/2002, é questionável que o Poder Legislativo possa, nos termos do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941, tomar a iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, mas, mesmo ele assim o faça, deverá obrigatoriamente observar as condições de procedibilidade previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e no seu decreto regulamentador, a exemplo dos estudos técnicos e da consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade.
[i] “Por força do princípio da publicidade, as manifestações de vontade da Administração Pública devem ser formalizadas e divulgadas aos administrados em geral. A exigência não é diferente no caso da declaração expropriatória. A regra geral consiste em que essa declaração seja formalizada através de decreto do Chefe do Executivo (Presidente, Governadores, Prefeitos e Interventores) (art. 6º, Decr.-lei nº 3.365/1941). Na verdade é essa a forma comum de declaração, sendo o ato normalmente denominado de decreto expropriatório. Não obstante, dispõe a lei geral, em caráter de exceção: ‘O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação’ (art. 8o). A expressão ‘tomar a iniciativa’ tem o sentido de deflagrar, dar início, o que se consubstancia realmente pela declaração. Em consequência, o dispositivo admitiu que, quando é do Legislativo a iniciativa da desapropriação, a declaração há de se formalizar através de ato administrativo declaratório dele emanado. Alguns autores, sempre que mencionam esse dispositivo, fazem referência à promulgação de lei para esse tipo de declaração expropriatória. Em nosso entender, no entanto, o ato declaratório deveria ser um daqueles de caráter administrativo praticados pelo Legislativo, como é o caso de decretos legislativos, adequados comumente para produzir efeitos externos. Demais disso, o Legislativo certamente só vai tomar a iniciativa se houver alguma desarmonia entre ele e o Executivo. Ora, se assim parece ser, o projeto de lei contendo a declaração, apresentado pelo Legislativo, será obviamente vetado pelo Executivo. A conclusão é a de que toda lei com essa natureza seria alvo de veto do Executivo. Para evitar mais esse graveto para a fogueira, o mais adequado é que o ato seja exclusivo do Legislativo, e esse é exatamente o caso do decreto legislativo”. (Carvalho Filho, José dos Santos, Manual de direito administrativo, 32ª. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2018, págs. 966/967, e-book)
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