Aldem Bernardo Amanda

Considerações sobre a (im)possibilidade de o Poder Legislativo tomar a iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental

Postado em 01 de outubro de 2025 Por Aldem Johnston Barbosa Araújo Advogado de Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão Especial de Saneamento e da Comissão de Direito Administrativo da OAB/PE. Membro da Coordenação de Direito Público da Editora da OAB/PE. Pós-Graduado em Direito Público.Por Bernardo Costa Ramalho Líder da área de Direito Ambiental do Mello Pimentel Advocacia. Membro da União Brasileira da Advocacia Ambiental – UBAA. Pós-graduado em Direito Ambiental e Urbanístico. Pós-graduando em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade.Por Amanda Moreira Quintino Advogada de Mello Pimentel Advocacia. Analista de Desenvolvimento Ambiental na Prefeitura do Recife. Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduanda em Direito Ambiental.

Quando do julgamento do REsp nº 2172289 – MA, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça entendeu que a “caducidade dos decretos de interesse social e utilidade pública é inaplicável aos atos vinculados às unidades de conservação de domínio público, como é o caso da reserva extrativista, ante a incompatibilidade entre as normas administrativas gerais da desapropriação (Decreto-Lei n. 3.365/1941 e Lei n. 4.132/1962) e a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei n. 9.985/2000)” sob o argumento de que a “especialidade e superveniência da Lei 9.985/2000 afasta as normas gerais de desapropriação por interesse social e utilidade pública no que são com ela incompatíveis, prevalecendo a autonomia do ramo do Direito Ambiental sobre as normas gerais do Direito Administrativo em sentido estrito”.

Bom, partindo do racional empregado pelo STJ é preciso fazer uma leitura sistêmica do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941 que estabelece que “o Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação[i], pois, para que o Poder Legislativo tome iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, cuida-se por indispensável, o cotejo com os ditames contidos na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei nº 9.985/2000).

Pois bem, o art. 22 da Lei nº 9.985/2000 estabelece que as unidades de conservação (Estação Ecológica; Reserva Biológica; Parque Nacional; Monumento Natural; Refúgio de Vida Silvestre; Área de Proteção Ambiental; Área de Relevante Interesse Ecológico; Floresta Nacional; Reserva Extrativista; Reserva de Fauna; Reserva de Desenvolvimento Sustentável; e Reserva Particular do Patrimônio Natural) são criadas por ato do Poder Público, ao passo que o decreto que regulamenta a excogitada lei exige que o ato de criação de uma unidade de conservação obrigatoriamente indique a denominação, a categoria de manejo, os objetivos, os limites, a área da unidade e o órgão responsável por sua administração; a população tradicional beneficiária, no caso das Reservas Extrativistas e das Reservas de Desenvolvimento Sustentável; a população tradicional residente, quando couber, no caso das Florestas Nacionais, Florestas Estaduais ou Florestas Municipais; e as atividades econômicas, de segurança e de defesa nacional envolvidas (art. 2º do Decreto nº 4.340/2002).

A legislação ambiental ainda estabelece que a “criação de uma unidade de conservação deve ser precedida de estudos técnicos e de consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade” (art. 2º, § 2º da Lei nº 9.985/2000).

Ou seja, para que o Poder Legislativo possa, nos termos do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941, tomar a iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental é imprescindível, para a validade do procedimento, que sejam adotadas as condições de procedibilidade previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e no seu decreto regulamentador.

Inclusive, a partir da leitura do art. 4º do Decreto nº 4.320/2002 fica até difícil sustentar a compatibilidade do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941 com os procedimentos exigidos para a desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, vez que o dispositivo regulamentar dispõe que “compete ao órgão executor proponente de nova unidade de conservação elaborar os estudos técnicos preliminares e realizar, quando for o caso, a consulta pública e os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade”.

Ora, imaginando o Poder Legislativo como órgão executor proponente, não nos parece que possua capacidade para realizar os demais procedimentos administrativos necessários à criação da unidade.

Isso posto, sob a lente da Lei nº 9.985/2000 e do Decreto nº 4.320/2002, é questionável que o Poder Legislativo possa, nos termos do art. 8o do Decreto-Lei nº 3.365/1941, tomar a iniciativa da desapropriação para criação de unidades de conservação ambiental, mas, mesmo ele assim o faça, deverá obrigatoriamente observar as condições de procedibilidade previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e no seu decreto regulamentador, a exemplo dos estudos técnicos e da consulta pública que permitam identificar a localização, a dimensão e os limites mais adequados para a unidade.


[i] “Por força do princípio da publicidade, as manifestações de vontade da Administração Pública devem ser formalizadas e divulgadas aos administrados em geral. A exigência não é diferente no caso da declaração expropriatória. A regra geral consiste em que essa declaração seja formalizada através de decreto do Chefe do Executivo (Presidente, Governadores, Prefeitos e Interventores) (art. 6º, Decr.-lei nº 3.365/1941). Na verdade é essa a forma comum de declaração, sendo o ato normalmente denominado de decreto expropriatório. Não obstante, dispõe a lei geral, em caráter de exceção: ‘O Poder Legislativo poderá tomar a iniciativa da desapropriação, cumprindo, neste caso, ao Executivo, praticar os atos necessários à sua efetivação’ (art. 8o). A expressão ‘tomar a iniciativa’ tem o sentido de deflagrar, dar início, o que se consubstancia realmente pela declaração. Em consequência, o dispositivo admitiu que, quando é do Legislativo a iniciativa da desapropriação, a declaração há de se formalizar através de ato administrativo declaratório dele emanado. Alguns autores, sempre que mencionam esse dispositivo, fazem referência à promulgação de lei para esse tipo de declaração expropriatória. Em nosso entender, no entanto, o ato declaratório deveria ser um daqueles de caráter administrativo praticados pelo Legislativo, como é o caso de decretos legislativos, adequados comumente para produzir efeitos externos. Demais disso, o Legislativo certamente só vai tomar a iniciativa se houver alguma desarmonia entre ele e o Executivo. Ora, se assim parece ser, o projeto de lei contendo a declaração, apresentado pelo Legislativo, será obviamente vetado pelo Executivo. A conclusão é a de que toda lei com essa natureza seria alvo de veto do Executivo. Para evitar mais esse graveto para a fogueira, o mais adequado é que o ato seja exclusivo do Legislativo, e esse é exatamente o caso do decreto legislativo”. (Carvalho Filho, José dos Santos, Manual de direito administrativo, 32ª. ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Atlas, 2018, págs. 966/967, e-book)

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