Maria Eduarda Silva de Souza

Criminalização das fake news: Liberdade de expressão ou proteção social?

Postado em 22 de outubro de 2025 Por Maria Eduarda Silva de Souza Acadêmica em Direito pela Faculdade Católica Imaculada Conceição - FICR.

A disseminação das chamadas fake news constitui um dos mais complexos desafios jurídicos da atualidade. O fenômeno transcende o campo da informação e atinge diretamente a tutela dos direitos fundamentais, exigindo do ordenamento jurídico um equilíbrio delicado entre dois valores constitucionais: a liberdade de expressão e a proteção da coletividade. Assim, o presente artigo analisa a tensão entre o exercício da livre manifestação do pensamento e a necessidade de resguardar a dignidade humana e a ordem democrática frente à desinformação em massa.

As redes sociais, inicialmente concebidas como instrumentos de democratização da comunicação, ampliaram o acesso à informação e fortaleceram o debate público. Contudo,essa mesma abertura propiciou a circulação de conteúdos falsos e manipulados, capazes de violar direitos individuais, influenciar decisões políticas e comprometer a estabilidade institucional.

Durante a pandemia da COVID-19, essa realidade se revelou de modo evidente: boatos sobre vacinas e tratamentos prejudicaram políticas sanitárias e impactaram negativamente a confiança social nas instituições. Do ponto de vista jurídico-constitucional, a Carta Magna de 1988, em seus artigos 5º, IV e IX, e artigo 220, assegura a livre manifestação do pensamento e veda qualquer censura de natureza política, ideológica ou artística. Entretanto, a própria Constituição estabelece limites implícitos a essa liberdade ao proteger a honra, a imagem e a vida privada (art. 5º,X), reafirmando que nenhum direito é absoluto.

A harmonização entre liberdade e responsabilidade deve, portanto, observar o princípio da proporcionalidade, que orienta o intérprete a ponderar os valores constitucionais em conflito, evitando excessos ou omissões estatais que possam ferir o núcleo essencial dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, o Projeto de Lei nº 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News, busca responsabilizar as plataformas digitais e promover maior transparência na circulação de conteúdos. O texto, ainda em debate no Congresso Nacional, suscita divergências: para alguns, é instrumento de proteção social e democrática; para outros, representa risco à liberdade comunicativa e à crítica política legítima.

O Supremo Tribunal Federal (STF) também tem desempenhado papel decisivo. Desde 2019, com o Inquérito das Fake News, a Corte tem fixado parâmetros para coibir condutas atentatórias à democracia. Em recentes decisões, o Tribunal reafirmou que não há proteção constitucional para discursos de ódio, incitação à violência ou ataques às instituições democrática, reafirmando a compatibilidade entre repressão à desinformação e preservação do Estado de Direito.

Na doutrina, Alexandre de Moraes sustenta que a liberdade de expressão deve ceder quando utilizada para violar a dignidade da pessoa humana, valor estruturante da Constituição. Já José Afonso da Silva defende uma interpretação sistemática e harmonizadora dos direitos fundamentais, de modo a impedir a prevalência absoluta de um em detrimento de outro. Tais visões teóricas são fundamentais para compreender o desafio de compatibilizar o direito à informação com a proteção da verdade e da convivência democrática.

No cenário internacional, países como a Alemanha, com a Lei NetzDG, e a União Europeia, com o Digital Services Act, vêm estabelecendo parâmetros de responsabilização das plataformas e medidas de combate à desinformação. Esses exemplos demonstram que a preocupação é global e que as respostas devem buscar equilíbrio, transparência e proporcionalidade.

Importa ressaltar que o Direito Penal deve atuar como ultima ratio, sendo aplicado apenas quando outros meios regulatórios se revelarem insuficientes. A criminalização das fake news é cabível em casos de extrema gravidade, mas não deve ser tratada como solução isolada. A responsabilização civil e administrativa, a educação midiática e as políticas públicas de conscientização compõem instrumentos mais eficazes e preventivos no combate à desinformação.

Essas mesmas redes que expandiram a liberdade comunicativa e democratizaram o debate público, também ampliaram a responsabilidade coletiva quanto aos impactos do conteúdo compartilhado. Enfrentar a desinformação exige um compromisso conjunto entre Estado,plataformas e cidadãos, fundamentado no princípio da proporcionalidade e no respeito à dignidade humana.

O verdadeiro desafio do Direito contemporâneo é assegurar que o combate às fake news não se converta em censura, mas sim em proteção democrática. A repressão à mentira é legítima apenas quando realizada de forma racional, transparente e constitucionalmente equilibrada.

Assim, a resposta jurídica ao problema deve ser firme, proporcional e educativa,promovendo a consciência crítica da sociedade e fortalecendo os valores republicanos. Afinal, criminalizar a mentira é admissível — desde que não se silencie a verdade, pois somente com liberdade responsável se preserva a essência da democracia que o Direito busca proteger.

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