Patricia Maria da Silva

A seletividade da Justiça criminal de Pernambuco no enfrentamento a violência doméstica contra a mulher negra e a criminalização daquelas que reagem as agressões

Postado em 05 de novembro de 2025 Por Patrícia Maria da Silva Estudante de Direito do 6 período e membro do Núcleo de Prática Jurídica, com foco em Direitos Humanos. Interessada em temas sociais e internacionais, busca unir Direito Internacional e Direitos Humanos em projetos e pesquisas voltados à promoção da justiça e da dignidade humana.

Dados estatísticos recentes do instituto de pesquisa DATASENADO (divulgados em novembro de 2023) mostram que 202.608 Brasileiras sofreram algum tipo de violência doméstica, sendo que 55% eram mulheres pretas e pardas. Diante disso, é valido fundamentar que 45 milhões de mulheres negras estão concentradas exclusivamente nas regiões Nordeste (36%) e Sudeste (38%). Dessa forma, a falta de ensino formal, e a ausência de mão de obra qualificada, faz com que essas mulheres vivencie um ciclo de violência doméstica familiar que se perpetue por um longo período. Esses dados reforçam a necessidades de políticas públicas no enfrentamento a violência doméstica familiar e aos impasses percorridos para que essas vítimas se desvinculem de seus agressores, seja por conta de questões socioeconômicas, ou seja por questões emocionais.

Dessa forma, a justiça Penal Brasileira, especialmente em Pernambuco, ainda opera sob vertentes entre o racismo e machismo, quando a vítima é uma mulher negra, pobre e periférica o tratamento e a omissão do Estado em prover a dignidade da pessoa previsto na constituição costuma ser, omisso, e desprotegido, (uma combinação perfeita para que transforme o Direito a justiça no enfrentamento a violência Doméstica manobra para seletividade.) A violência doméstica que deve ser enfrentada de forma célere e protetiva, costuma ser preconceituosas e ganha contornos quando a cor entra em cena. Mulheres negras enfrentam dificuldades ao registrar ocorrências referente a Lei Maria da Penha, principalmente no tempo de espera que a viatura costuma chegar ao local, e em muitas vezes a Polícia Militar termina chegando no ambiente e a vítima já está morta. A mesma justiça que age de forma omissa com as mulheres pretas, é a mesma que age de forma punitiva quando a vítima reage e passa a se tornar acusada em um processo de legitima defesa para preservar a sua integridade.

Essa Seletividade da Justiça Criminal em contexto de Violência doméstica familiar, só reforça a capacidade do sistema em escolher em quem vai punir, e quem vai defender reforçando um parâmetro gigantesco entre as desigualdades sociais no âmbito no enfrentamento a essas violências. Em Pernambuco a população negra representa a maioria e essa seletividade na justiça criminal é uma forma aberta na violação desses Direitos Humanos. O estado brasileiro é signatário da convenção dos Direitos Humanos, Convenção de Belém do Pará, e da CEDAW que tem o dever internacional de proteger, investigar e punir a violência de gênero no Brasil sem discriminação. Quando a cor se torna fator determinante no acesso à justiça o país falha em cumprir com a sua obrigação principal de promover um país livre, justo, solidário e sem discriminação conforme o artigo 3 da nossa Constituição Federal, essa Seletividade Criminal, não é um problema que está atrelado apenas há um estado, mas sim em diversas localidades do Brasil, como por exemplo em Sete Lagoas (MG) uma mulher alega ter matado seu ex companheiro depois de ser brutalmente agredida por ser recusar a fazer sexo com ele, devido a negativa, o agressor tentou estuprá-la. Decorrido disso, ela foi punida e levada a prisão. Essa seletividade Criminal mostra ser triste, controversa, e radical, pois uma mulher sufocada com

uma vida de violência cotidiana na maioria das vezes essa situação estarrecedora, termina ocasionando em feminicídio. De certa forma, ao chegar ao ponto de vítimas matarem seus agressores denota uma situação de fragilidade emocional diante de diversos sofrimentos ocorridos no cotidiano da vítima ocasionado então ao Homicídio do seu agressor.

De acordo com Guilherme de Souza Nucci, “A legítima defesa é o exercício de um direito natural de autopreservação, que se manifesta quando o Estado não consegue agir a tempo de proteger o indivíduo.” (código penal comentado) 19ª ed., p. 233). No contexto de violência doméstica a reação da mulher não deve ser considerada de forma isolada, mas sim analisado dentro do ciclo de agressões repentinas cotidianas.

Por mais que exista documentos e tratados internacionais no enfrentamento a violência doméstica, ainda existem impasses que intensificam para a solidificação de medidas mais eficazes, de certa forma, tribunais Brasileiros tem reconhecido a legitima defesa quando a mulher após anos de violência reage ao agressor. Nesse sentido, o STJ tem decisões importantes nessa sistemática.

“É possível reconhecer a legítima defesa em casos de violência doméstica quando a mulher, após  sucessivas  agressões,  age  para  repelir  nova  investida  do  companheiro.” (STJ, HC 536.697/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, j. 03/12/2019)

Além disso, nos casos em que a mulher vítima de intensas agressões, reage utilizando os meios necessários para proteger a sua integridade física e emocional se enquadra estritamente na excludente de ilicitude de legitima defesa. Negar esse reconhecimento é ignorar o contexto anteriores de vulnerabilidade e ciclo repetitivo de violências. Mostrando-se então o desmembramento de violação não só dos direitos da vítima, mas também de tratados internacionais, princípios constitucionais e a preservação da dignidade da pessoa previsto no artigo 5 que protegem intrinsicamente a proteção e os diretos de todos os seres humanos.

A mudança no combate à violência doméstica e a seletividade da justiça criminal não exige apenas a fomentação de novas Leis, mas sim capacitação de servidores públicos, orientando referente ao Racismo estrutural e institucional, para que o tratamento nas ocorrências, delegacias e tribunais seja feita de forma célere e igualitária.

A justiça só será verdadeiramente justa, fiel e igualitária quando deixar de ser seletiva. Enquanto a cor das vítimas continuar determinando a força e a proteção estatal, a promessa de igualdades de Direitos e dignidade a justiça seguira sendo ficção jurídica na busca pelos Direitos Humanos.

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