Maria Emanuela Oliveira de Lima

Quando o amor vira disputa: o comportamento dos genitores na guarda compartilhada

Postado em 05 de novembro de 2025 Por Maria Emanuela Oliveira de Lima Acadêmica do 4º período de Direito pela UNINASSAU e integrante da Comissão de Direito das Famílias da OAB Paulista. Defende o Direito como instrumento de equilíbrio e justiça social, valorizando o estudo e a prática jurídica responsável.
  1. Introdução

É possível perceber o aumento expressivo das famílias que adotam a guarda compartilhada no Brasil, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, que tornou essa modalidade a regra nas separações, reforçando o princípio da corresponsabilidade parental. No entanto, apesar das tentativas de equilibrar as responsabilidades e garantir o bem-estar dos filhos, muitos pais e mães acabam transformando a convivência em um verdadeiro campo de disputa emocional, comprometendo a saúde psicológica da criança e a efetividade da guarda.

Este artigo tem como objetivo analisar o comportamento dos genitores no contexto da guarda compartilhada, discutindo os limites éticos, jurídicos e emocionais que devem nortear essa relação, à luz do princípio do melhor interesse da criança, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

  1. A guarda compartilhada no ordenamento jurídico brasileiro

A guarda compartilhada está prevista nos arts. 1.583 a 1.589 do Código Civil, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.058/2014. Essa legislação estabelece que ambos os genitores devem participar ativamente das decisões sobre a vida da criança, independentemente do tempo de convivência. Assim, pai e mãe possuem igual poder de decisão e devem buscar acordos pautados no bem-estar da criança em todas as situações que envolvam sua rotina e desenvolvimento.

 De acordo com o art. 1.583, §2º, do Código Civil, a guarda compartilhada não significa que o tempo de convívio deva ser dividido igualmente, mas sim que ambos os pais compartilham as responsabilidades e decisões sobre aspectos fundamentais da vida do filho, como educação, saúde e lazer. Essa corresponsabilidade reforça a igualdade entre homens e mulheres, garantindo que ambos exerçam de forma equilibrada o direito e o dever de cuidar e educar os filhos.

O art. 227 da Constituição Federal, juntamente com os arts. 3º e 4º do ECA, reforça o princípio da proteção integral, assegurando que o convívio familiar seja preservado mesmo após a separação dos pais. O objetivo dessas normas é garantir segurança, estabilidade e desenvolvimento integral às crianças e adolescentes. Dessa forma, fica claro que, em qualquer processo judicial envolvendo guarda, o foco principal deve ser sempre a criança.

  1. O comportamento dos genitores e o dever de cooperação

 A guarda compartilhada exige dos pais cooperação e maturidade emocional. É fundamental manter uma comunicação constante e respeitosa, trocando informações sobre saúde, escola, lazer e todas as decisões que envolvem o dia a dia da criança.

Outro dever essencial é incentivar a convivência e o vínculo afetivo da criança com o outro genitor, preservando sua saúde emocional. A guarda compartilhada não é uma competição, mas uma parceria em prol do bem-estar do filho. Como bem afirma Maria Berenice Dias, “o fim do vínculo conjugal não dissolve o vínculo parental”.

 Atitudes como manter o diálogo aberto, ouvir a criança e compartilhar informações relevantes são fundamentais para o sucesso da guarda, prevenindo conflitos e promovendo segurança emocional.

  1. Alienação parental e condutas prejudiciais à criança

A Lei nº 12.318/2010 define a alienação parental como qualquer conduta que prejudique ou dificulte o relacionamento da criança com um dos genitores. Alguns exemplos de comportamentos considerados alienadores incluem:

  • Falar mal do outro genitor para o filho;
  • Impedir visitas ou dificultar a comunicação;
  • Usar a criança como instrumento de chantagem, vingança ou manipulação emocional.

 Mesmo quando sutis, essas atitudes configuram uma forma de violência psicológica, capaz de causar sérios danos emocionais, como ansiedade, depressão, isolamento social, baixa autoestima e comportamentos agressivos ou autodestrutivos.Como bem alerta a doutrina, “a criança não deve ser campo de batalha de mágoas adultas”.Fica evidente, portanto, que tanto os genitores quanto o Poder Judiciário devem ter sensibilidade e responsabilidade ao lidar com essas situações. A criança ou o adolescente, alheio às disputas e sem compreender totalmente o conflito, precisa ser protegido e amparado, cabendo aos adultos resolverem as questões de forma equilibrada e cuidadosa.

A jurisprudência recente reconhece que atos de alienação parental podem justificar a modificação da guarda ou a aplicação de medidas protetivas, sempre com o objetivo de garantir o convívio equilibrado e a preservação do melhor interesse da criança.

  1. O papel do judiciário, da mediação e do acompanhamento psicológico

O juiz deve sempre atuar com base no princípio do melhor interesse da criança, levando em conta sua rotina, seus vínculos afetivos e a necessidade de estabilidade emocional. A mediação familiar, prevista nos arts. 694 e seguintes do Código de Processo Civil, mostra-se um instrumento eficaz para reduzir conflitos, orientar os pais e fortalecer o vínculo parental.

O Poder Judiciário é a instância tradicional e soberana de solução de conflitos na sociedade. Já a mediação atua como método não litigioso, extrajudicial ou pré-judicial, buscando restaurar o diálogo entre os pais. O acompanhamento psicológico e as avaliações psicossociais, por sua vez, oferecem suporte técnico e emocional ao processo. Juntos, esses três elementos Judiciário, mediação e apoio psicológico são fundamentais para decisões mais equilibradas e verdadeiramente voltadas ao bem-estar da criança.

Psicólogos, assistentes sociais e o Ministério Público exercem papel essencial na orientação parental, prestando suporte às famílias e prevenindo práticas de alienação.

Além disso, políticas públicas e programas de educação parental são indispensáveis para conscientizar os genitores sobre seus direitos e deveres, promovendo, assim, o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança.

  1. Conclusão

O sucesso da guarda compartilhada depende, acima de tudo, da postura ética e responsável dos pais, mais do que da própria decisão judicial.O amor pelos filhos deve sempre prevalecer sobre ressentimentos pessoais e disputas emocionais, pois é esse afeto que garante à criança um ambiente de crescimento saudável.

A guarda compartilhada vai muito além da simples divisão de tempo ou despesas: trata-se de um compromisso contínuo de cooperação, respeito e afeto. Quando praticada com maturidade, ela assegura que a criança cresça em um ambiente seguro, equilibrado e emocionalmente saudável.

REFERÊNCIAS:

1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

2. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.

3. BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental. Disponível em: <https://legis.senado.gov.br/norma/585315>.

4. BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera dispositivos sobre guarda compartilhada. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm>.

5. DIAS, Maria Berenice. *Manual de Direito das Famílias*. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

6. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 1.558.089/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19 fev. 2019.

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