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A Guarda Compartilhada na Prática da Sociedade Brasileira: Entre a Norma e a Realidade

Postado em 21 de maio de 2025 Por Danielle Farias Advogada de Familias

Introdução

A guarda compartilhada foi instituída como regra no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei nº 13.058/2014, com o objetivo de assegurar o direito da criança e do adolescente à convivência equilibrada com ambos os genitores, mesmo após o fim da relação conjugal. Apesar da previsão legal, o que se observa, na prática, é um descompasso significativo entre a norma e a realidade das famílias brasileiras.

Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre os principais desafios e limitações enfrentados na efetiva implementação da guarda compartilhada, bem como sugere alternativas para o aperfeiçoamento de sua aplicação.

1. Fundamentação legal e conceito

Nos termos do art. 1.583 do Código Civil, a guarda compartilhada é aquela em que a responsabilização pelos filhos é exercida de forma conjunta pelos pais, ou seja, ambos têm o direito e dever de opinar sobre saúde e educação da criança, independentemente da residência fixa desta.

 A Lei nº 13.058/2014 trouxe importante inovação ao estabelecer que o modelo da guarda compartilhada é preferencial, mesmo em situações de litígio, o que nos leva à questão de ser o de melhor aplicação.

O modelo, como sendo regra geral, quando aplicado em situações de litígio, gera um desgastante embate judicial, posto que é extremamente comum pais em litígio se utilizarem dos poderes de “guarda” para atingir o ex-cônjuge de qualquer forma. É nesse aspecto que trazemos o ponto a se discutir.

O objetivo é promover a coparentalidade, garantindo que pai e mãe participem ativamente das decisões relativas aos filhos, mesmo estando na residência do outro pai, mas na prática não ocorre desta forma.

2. Desafios da aplicação prática

Apesar do avanço legislativo, diversos fatores comprometem a efetiva concretização da guarda compartilhada na sociedade brasileira:

2.1. Confusão conceitual É comum a confusão entre guarda compartilhada e guarda alternada. Esta última, sem previsão legal expressa, caracteriza-se pela alternância da residência da criança entre os pais, em tempos iguais, garantindo assim a convivência de tempo real da criança com ambos.

A guarda compartilhada, por sua vez, refere-se às responsabilidades parentais conjuntas, sendo possível que a criança resida majoritariamente com um dos genitores. Essa confusão leva à aplicação equivocada do instituto.

2.2. Conflitos entre os genitores O modelo compartilhado exige comunicação minimamente eficaz entre os pais. Em relações marcadas por litígios intensos, acusações de alienação parental ou histórico de violência doméstica, a guarda compartilhada pode ser ineficaz ou mesmo prejudicial, sendo muitas vezes aplicada formalmente, mas não na prática. Sendo o modelo mais comum aplicado pelos Tribunais brasileiros, muitas vezes aplica-se sem observar a beligerância extrema havida em cada caso.

2.3. Ausência de estrutura e preparo emocional A efetiva coparentalidade requer maturidade emocional, planejamento logístico e apoio familiar. Muitas famílias, sobretudo em contextos de vulnerabilidade, não dispõem dos recursos necessários para garantir uma convivência qualitativa e equitativa entre pai, mãe e filho.

O que, deveria ser considerado pelo Juiz antes de fixar a guarda compartilhada em casos de litígios complexos.

2.4. Postura do Judiciário Embora a lei determine a guarda compartilhada como regra, ainda há decisões judiciais que se baseiam em padrões tradicionais, privilegiando a guarda materna unilateral, especialmente quando há litígio.

Também se verifica a concessão da guarda compartilhada de forma simbólica, sem qualquer compromisso efetivo de ambos os genitores na criação dos filhos. O que nos leva à questão: se não se pretende se comprometer com a educação e as decisões que envolvem o filho, porque conceder um tipo de guarda onde um dos genitores pode ser questionado à todo tempo, e muitas vezes confrontado? É o que deve ser questionado ao Magistrado quando da aplicação.

3. O direito da criança à convivência equilibrada

A Constituição Federal (art. 227) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 19) asseguram às crianças o direito à convivência familiar ampla. Esse direito deve prevalecer sobre os interesses individuais dos genitores, exigindo dos profissionais do Direito uma atuação orientada pelo melhor interesse do menor.

4. Caminhos para a efetivação da guarda compartilhada

  • Educação parental: incentivo a cursos, oficinas e orientação jurídico-psicológica para os genitores.
  • Mediação familiar obrigatória: instituição de procedimentos extrajudiciais para resolução de conflitos.
  • Formacão de operadores do Direito: capacitação técnica e empática para advogados, promotores e magistrados.
  • Criação de planos parentais personalizados: detalhamento prático da rotina e responsabilidades parentais, adaptado à realidade de cada família.

Conclusão

A guarda compartilhada representa um avanço no reconhecimento da coparentalidade como modelo ideal de convivência familiar. No entanto, sua efetiva implementação ainda encontra resistências culturais, estruturais e emocionais na sociedade brasileira.

Para que a norma se traduza em realidade, é necessário um esforço conjunto de educação, sensibilização e comprometimento dos atores jurídicos e das famílias. Somente assim será possível assegurar o direito das crianças a uma convivência sadia, equilibrada e amorosa com ambos os pais.

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