O Poder Judiciário recebeu a incumbência de julgar crimes e resolver conflitos individuais. Nessa função, o julgador deve aplicar a norma legal com base em sua interpretação conforme o texto jurídico (ALEXANDRE, 2021). A Teoria da Separação dos Poderes (MONTESQUIEU, 1995) teve por objetivo evitar abusos de poder e privilégios a figuras ligadas ao poder político – os chamados “amigos do rei” –, que eram beneficiados e, muitas vezes, excluídos das determinações legais (SCHOUERI, 2004).
O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, tem, entre suas atribuições, o controle administrativo e financeiro do Poder Judiciário, além da fiscalização dos deveres funcionais dos magistrados, excetuando-se os do Supremo Tribunal Federal (CAMIMURA e MACIEL, 2023).
Os arts. 35, 36 e 40 da Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979, denominada: Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), estabelecem deveres, vedações e penalidades disciplinares aplicáveis aos magistrados, são elas: advertência, censura, remoção compulsória, disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço e demissão.
As penalidades são aplicadas conforme a conduta do magistrado, como descrito no art. 46 da LOMAN, que prevê a aposentadoria compulsória nos casos de negligência; procedimento incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo; e insuficiência de capacidade de trabalho ou comportamento funcional incompatível com o bom desempenho da função judicial.
Mancuso (2003) ensina que a moralidade administrativa é princípio autônomo e que não depende de normas específicas para sua aplicabilidade, inclusive para fundamentar punições. Pazzaglini Filho (2002) amplia o conceito de improbidade administrativa, aproximando-o de atos como corrupção, má gestão administrativa e condutas que subvertem os fins da Administração Pública.
Embora prevista na LOMAN como sanção disciplinar, a aposentadoria compulsória, nos termos do art. 37 da Constituição Federal de 1988, em nome do princípio da legalidade, tornou-se, na prática, uma recompensa disfarçada de punição, o que afronta a moralidade administrativa.
A presente pesquisa utilizou os dados do painel estatístico do site “Justiça em Números”, do CNJ, aplicando os filtros: anos: 2023, 2024 e 2025; tipo de processo: novos casos; assunto: Magistratura (1017), apuração de infração disciplinar (11952) e processo disciplinar/sindicância (10190). Consideraram-se os processos julgados até 30 de abril de 2025, com destaque para os cinco assuntos mais recorrentes: aposentadoria, remuneração, magistratura, juiz leigo e permuta.
Alguns casos julgados pelo CNJ revelam traços de impunidade na aplicação da aposentadoria compulsória, como nos seguintes exemplos:
Tais decisões demonstram que a aposentadoria compulsória compromete a eficácia da responsabilização e da moralidade administrativa, uma vez que mantém a remuneração do magistrado – integral ou proporcional –, mesmo afastado da função, o que gera despesas aos cofres públicos.
Identificada a prática de ato ímprobo, o CNJ deve remeter o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) ao Ministério Público e à Advocacia-Geral da União (ou ao órgão competente local) para eventual propositura de ação penal, com possibilidade de suspensão dos vencimentos em caso de condenação criminal (VIEIRA e ENGELMANN, 2019).
O relatório “Justiça em Números” do CNJ (2024) indica elevado número de aposentadorias compulsórias, em média: 2.002 casos em cada ano, entre 2020 e 2023, com dados parciais para 2024.
Os dados apresentados, quando confrontados com os casos emblemáticos, evidenciam a fragilidade da aplicação da sanção administrativa de aposentadoria compulsória à função jurisdicional do Poder Judiciário, contribuindo com a perpetuação da impunidade de seus membros. Assim, a reflexão crítica é necessária na construção e resgate da credibilidade institucional e confiança da sociedade no sistema de justiça.
Conclusão
Conclui-se que o Poder Judiciário tem como função essencial garantir justiça nos casos concretos, em conformidade com o Estado Democrático de Direito, respeitando o ordenamento jurídico vigente.
Contudo, embora a legislação preveja a aposentadoria compulsória como sanção aplicável ao magistrado por condutas ímprobas ou antiéticas, sua aplicação representa uma afronta ao princípio da moralidade previsto no art. 37 da Constituição Federal.
Na prática, a aposentadoria compulsória configura-se como instrumento ineficaz de sanção disciplinar e representa “recompensa maquiada”, já que o magistrado condenado permanece recebendo remuneração paga pelos cofres públicos, mesmo sem exercer a função.
Sempre que um magistrado é aposentado compulsoriamente por condutas graves, crimes ou atos de improbidade administrativa, abala-se a confiança pública na Justiça. Torna-se, portanto, imprescindível reformar a LOMAN para permitir sanções mais rigorosas, que impeçam a continuidade do recebimento de subsídios por quem violou a ética, a moralidade administrativa e a legalidade.
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[2] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ aplica pena de aposentadoria compulsória a juiz de Santa Catarina. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-aplica-pena-de-aposentadoria-compulsoria-a-juiz-de-santa-catarina/. Acesso em: 12 jun. 2025.
[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. CNJ aposenta compulsoriamente juiz por liberação de valor milionário sem amparo legal. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/cnj-aposenta-compulsoriamente-juiz-por-liberacao-de-valor-milionario-sem-amparo-legal/. Acesso em: 13 jun. 2025
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