A execução civil brasileira enfrenta, há décadas, o desafio de garantir a efetividade na satisfação dos créditos. Muitas vezes, as diligências tradicionais — como bloqueio de valores via SISBAJUD, RENAJUD e INFOJUD — mostram-se infrutíferas. Esse cenário estimula magistrados e credores a buscarem alternativas inovadoras.
Nesse contexto, recente decisão do juiz José Carlos de França Carvalho Neto (1ª Vara Cível da Lapa/SP, Processo nº 0012495-64.2023.8.26.0004) autorizou o envio de ofícios à Associação Brasileira de Participantes de Programas de Milhas Aéreas e à Associação Brasileira das Empresas de Mercado de Fidelização para verificar créditos de milhas em nome de 12 devedores, visando garantir o pagamento de R$ 3,7 mil em custas processuais.
Embora ainda relativamente recente, a penhora de milhas e pontos de fidelidade vem ganhando espaço como instrumento legítimo e eficaz na execução.
A medida encontra respaldo no art. 797 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), que estabelece que “ressalvadas as restrições previstas em lei, responde o devedor, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens”.
Além disso, o art. 835, XIII, do CPC admite expressamente a penhora de “outros direitos” — categoria na qual se incluem créditos de milhas e pontos de programas de fidelidade, dada sua natureza patrimonial.
Os arts. 855 a 860 do CPC disciplinam a penhora de créditos, procedimento aplicável aos programas de fidelidade por envolverem direitos com expressão econômica e possibilidade de alienação.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) já consolidou entendimento favorável à penhora de milhas aéreas, considerando-as bens com valor econômico e negociáveis no mercado. Entre os precedentes, destacam-se:
Os programas de fidelidade, criados como estratégia de retenção de clientes, permitem o acúmulo de pontos ou milhas a partir do consumo de produtos e serviços. Esses créditos podem ser utilizados para a aquisição de passagens, produtos, descontos e, inclusive, comercializados.
Empresas especializadas atuam na compra e revenda de milhas, viabilizando a conversão rápida desses ativos intangíveis em dinheiro. Essa característica reforça sua penhorabilidade e utilidade como meio de satisfação do crédito.
Conforme lecionam Gagliano e Pamplona Filho (2025), o crédito é, por excelência, um direito patrimonial transmissível, capaz de integrar o acervo de bens do devedor e, portanto, sujeito à constrição judicial, desde que possua expressão econômica e possibilidade de alienação.
O Projeto de Lei nº 523/2025, em tramitação no Senado Federal, propõe explicitar a possibilidade de penhora de pontos e milhas de programas de fidelidade para quitação de débitos. A proposta visa conferir maior segurança jurídica e uniformidade à aplicação dessa modalidade de constrição patrimonial.
A decisão da 1ª Vara Cível da Lapa/SP evidencia a evolução da execução civil no Brasil, incorporando ativos intangíveis e de natureza digital ao rol de bens penhoráveis.
A consolidação jurisprudencial e a eventual alteração legislativa com o PL 523/2025 podem transformar a penhora de milhas e pontos em ferramenta de uso rotineiro, garantindo maior efetividade, celeridade e adequação da execução à realidade econômica atual.
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