Recentemente, no mês de junho, o Tribunal de Contas do Estado (TCE/PE) divulgou o Painel de Referência da Segurança Pública, com informações inéditas sobre a atuação dos Municípios Pernambucanos na realização de políticas públicas locais, tanto de forma específica quanto em conjunto com os demais entes da Federação.
Os dados são alarmantes e identificam que 97% dos Municípios do Estado de Pernambuco têm deficiências na implementação de políticas públicas de segurança. Entre os números apresentados, destacam-se: 92% dos municípios não possuem Plano Municipal de Segurança Pública; e 97% não realizam um diagnóstico da segurança local.
Na semana passada, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública apresentou o 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com o ranking das 10 cidades mais violentas do país, no qual os Municípios de Cabo de Santo Agostinho e São Lourenço da Mata figuram em quinto e sexto lugar, respectivamente.
O levantamento do Tribunal de Contas e o anuário intensificam o debate sobre a segurança pública no Estado e o papel de cada ente e entidade no desenvolvimento e na efetivação de medidas de prevenção, promoção e repressão nos espaços públicos.
Nesse cenário, tem-se perguntado: os municípios têm responsabilidade na elaboração de políticas públicas de segurança? Qual a forma de atuação? Essas e outras perguntas tentaremos responder a seguir.
Apesar de ter sido publicada em 11 de junho de 2018, com 7 anos de vigência, a Lei nº 13.675, que institui o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) e criou a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), ainda é pouco conhecida da população e dos entes da Federação, sobretudo dos Municípios Brasileiros.
O desconhecimento da norma e de seu conteúdo pode ter explicação no axioma, difundido de forma equivocada, de que a segurança pública não é responsabilidade dos municípios. Contudo, desde a promulgação da Constituição de 1988, está em vigor o art. 144, que prevê a participação compartilhada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no combate à violência e na defesa social da população.
É importante lembrar que a Constituição de 1988 também previu, no art. 30, I, que é de competência do Município dispor e legislar sobre os temas de interesse local. Esse dispositivo constitucional ratifica a tese da responsabilidade dos municípios, prevista no art. 144, na consecução e colaboração na execução de políticas públicas de segurança.
Em 2018, a Lei nº 13.675 resolveu as distorções interpretativas sobre a participação dos municípios na defesa social ao delinear expressamente a responsabilidade compartilhada entre os entes da Federação:
Art. 9º É instituído o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que tem como órgão central o Ministério Extraordinário da Segurança Pública e é integrado pelos órgãos de que trata o art. 144 da Constituição Federal, pelos agentes penitenciários, pelas guardas municipais e pelos demais integrantes estratégicos e operacionais, que atuarão nos limites de suas competências, de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. (Vide ADPF 995)
§ 1º São integrantes estratégicos do Susp:
I – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio dos respectivos Poderes Executivos.
O Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 846.854/SP, reconheceu que as Guardas Municipais executam atividade de segurança pública (art. 144, § 8º, da CF), sendo os municípios parte do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), o que foi afiançado na ADI nº ADI 5538¹, julgada em 1º de março de 2021.
No entanto, até o momento, a atuação dos municípios no desenvolvimento de políticas de defesa social é um grande limbo, quase inexistente ou resumida a medidas ostensivas de repressão, geralmente instrumentalizadas pela Guarda Municipal.
A escassez ou a limitação na concepção sobre o papel dos municípios na segurança pública têm levado ao desperdício de recursos e de projetos já em execução que podem ser utilizados concomitantemente na projeção de interesses comuns entre o Município, Estados, Distrito Federal e União.
Apesar da quase anomia de políticas públicas em segurança, os Municípios Pernambucanos têm um exemplo bem-sucedido de programa de combate à violência. Trata-se do modelo do Pacto pela Vida entre os anos de 2007 e 2013.
Nessa época, ainda sob a gestão do Governador Eduardo Campos e coordenado pelo sociólogo José Luiz Ratton, o PPV – Programa Pacto pela Vida foi instituído como política pública utilizando como indicador para aferir o êxito das políticas implementadas o resultado dos Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Todavia, diferentemente da percepção inicial, o projeto não se resumiu apenas à atuação repressiva das Polícias Civil e Militar.
O PPV era um programa heterogêneo, com a participação do Executivo, Legislativo, Judiciário e da Sociedade Civil Organizada na construção de um sistema de segurança pública. O programa contou com um trabalho científico robusto na coleta e na sistematização de dados e informações, como pressuposto para o melhor diagnóstico da situação do Estado e a criação de atividades e ações específicas no combate à violência.
Além do PPV no Estado, o Ministério Público desenvolveu um projeto concebido como o Pacto dos Municípios pela Segurança Pública. A cidade do Jaboatão dos Guararapes, à época foi o primeiro município a aderir à coalizão com o MPPE².
Naquele momento, já no ano de 2013, com a influência do PPV de 2007, Jaboatão dos Guararapes desenvolveu políticas municipais de acordo com suas características e necessidades, implementando trabalhos multidisciplinares em diversas áreas da administração pública com foco também no combate à violência.
Entre as ações desenvolvidas estavam: a melhoria da iluminação pública, o cadastro de bares, boates e restaurantes, a fiscalização e o cumprimento da Lei Estadual nº 10.454/1990, que trata do perímetro de segurança nas escolas, parcerias com escolas e Instituições de Ensino Superior (IES), cursos, capacitações e outras.
Mais recente, o Município do Recife tem buscado por meio de princípios do Pacto Pela Vida de 2007, erguer uma política pública de segurança. Apesar de diferente do que foi feito pelo Estado, a cidade do Recife implementa projetos de integração de políticas públicas com o viés de diminuição da violência, com destaque para o COMPAZ e os serviços de esportes e lazer desenvolvidos pela Secretaria de Esportes dentro das comunidades.
Assim como Jaboatão dos Guararapes e Recife, os demais municípios do Estado devem realizar políticas próprias de segurança pública, e isso parte consideravelmente da visão dos gestores sobre a responsabilidade municipal e do aproveitamento de programas já existentes para o enfoque específico.
As ações municipais devem ir além do lugar-comum relacionado à criação e à estruturação de uma Guarda Municipal. É pacífico que a Guarda é um ponto importante da política municipal, mas não pode ser o único.
É salutar que os entes diversifiquem as ações em promoção, prevenção e repressão, com a participação da população por meio de conselhos e comissões, trabalhos próprios para as secretarias de Educação, Desenvolvimento Econômico, Esporte, Lazer, Assistência Social e outras, bem como a participação da iniciativa privada.
As políticas públicas devem ser desenvolvidas de forma integrada, com a presença do combate à violência na infância, na família, na assistência social e epidemiológica. Afinal, como alertado por Isaac Luna, especialista em políticas de segurança pública, “na ausência de Estado, o crime prospera”³.
O tempo urge e a população clama. Não cabe mais aos municípios esperar. É chegada a hora da boa governança das políticas públicas para efetivar a participação no Sistema Único de Segurança Pública, com a construção de legislações que os insiram no radar da prospecção de recursos e investimentos em segurança.
Referências:
¹ A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5538 versou sobre a (in)constitucionalidade de normas restritivas do porte de arma para Guardas Municipais.
² Matéria publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco em 18 de setembro de 2013.
³ “Na ausência do Estado, o crime prospera”, diz especialista. Disponível em: https://ne10.uol.com.br/canal/noticias/grande-recife/noticia/2017/02/22/na-ausencia-do-estado-o-crime-prospera-diz-especialista-664103.php. Acesso em 28 de julho de 2025.
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