Em tempos em que o conhecimento concorre com os algoritmos, ensinar Direito tornou-se um exercício de resistência. E, por que não dizer, de militância. Especialmente para quem, como eu mulher, advogada e professora de Direito em instituições privadas acredita que formar operadores jurídicos vai muito além de aprovar alunos em concursos ou treiná-los para repetir fórmulas em petições genéricas.
A universidade, notadamente os cursos de Direito, vem sofrendo uma pressão intensa e silenciosa: a de se adaptar, quase que sem resistência, à lógica do consumo imediato. Aulas precisam ser “leves”, conteúdos precisam “engajar”, avaliações devem “motivar”, e tudo precisa “vender”. O ensino se curva ao cliente-aluno que, legitimamente, deseja aprender, mas tem sido condicionado a esperar performance em vez de profundidade. E nós, professores, ficamos no fio da navalha entre o rigor necessário e o apelo superficial.
Não é fácil manter-se firme diante da mercantilização crescente do ensino jurídico. Salas repletas de jovens que cresceram em tempos de velocidade, recompensas instantâneas e descrença nas instituições não se conectam naturalmente ao estudo de Kant, Maquiavel, Norberto Bobbio ou Pontes de Miranda. Mas será que devemos ceder?
Ceder à lógica do entretenimento como método principal é um atalho perigoso. Afinal, o Direito é, por essência, uma ciência complexa, exigente, dialógica, construída com base em fundamentos históricos, filosóficos e argumentativos. Torná-lo um produto “palatável” para um mercado que busca apenas “resultados” e “facilidades” é contribuir para o esvaziamento de sua função transformadora. E transformar o professor num animador de auditório.
É preciso, sim, dialogar com a linguagem da nova geração. Sim, usar metodologias ativas, gamificação, vídeos curtos e simulações. Mas tudo isso precisa ser ponte, não substituto daquilo que forma, de fato, um jurista: leitura densa, pensamento crítico, debate embasado, raciocínio lógico, pesquisa empírica. Ensinar Direito é construir cidadãos comprometidos com a justiça, não apenas aprovados no exame da OAB.
A valorização do professor começa na forma como ele encara o seu próprio papel: não como um “provedor de conteúdo”, mas como um formador de mentalidades. Não devemos temer o novo, mas também não devemos abandoná-lo ao sabor do modismo. Há espaço para Aristóteles e inteligência artificial. Há espaço para TikTok, mas também para leitura de acórdãos e discussões doutrinárias. O segredo está na curadoria criteriosa, no propósito pedagógico e, sobretudo, na coragem de não ceder à mediocridade.
A universidade precisa parar de competir com o mercado e voltar a ser contraponto a ele. Nós, professores, somos guardiões dessa missão. E nossa resistência está em cada aula que desacomoda, que desafia, que exige e que, por isso, transforma.
Porque o Direito não é espetáculo. É responsabilidade. E ensinar é, mais do que nunca, um ato político.
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