O revogado Marco Legal das Contratações Públicas dispunha em seu art. 65, I, “a” que os contratos administrativos poderiam ser alterados, com as devidas justificativas, unilateralmente pela Administração Pública quando houvesse modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos.
Já em art. 65, I, “b”, a Lei nº 8.666/1993 também permitia a alteração unilateral dos contratos administrativos por parte dos órgãos e entidades da Administração Pública contratantes quando fosse necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei.
A hipótese de alteração prevista no art. 65, I, “a” do diploma não mais em vigor, mas ainda regendo os contratos administrativos anteriores à Lei n.º 14.133/2021 ou mesmo os assinados no período de transição, contemplava as hipóteses das chamadas alterações qualitativas, ao passo que a hipótese de alteração prevista no art. 65, I, “b” se referia às alterações quantitativas.
No caso das alterações quantitativas, elas estavam limitadas aos percentuais estabelecidos no art. 65, §§1º e 2º do antigo regime jurídico das licitações e contratações públicas, a saber, 25% (vinte e cinco por cento) para obras, serviços ou compras e 50% (cinquenta por cento) para reformas de edifícios ou equipamentos.
Mas e quanto às alterações contratuais unilaterais qualitativas? Bom, comentando o art. 65, I, “a” da Lei nº 8.666/1993, a doutrina especializada lecionava que “embora sabido que é necessária a existência de projeto básico para a licitação de uma obra ou serviço, bem como de projeto executivo para a execução das obras, também é razoável supor que mesmo com todas as cautelas adotadas previamente à licitação e à execução alguma situação fática possa surgir, que demande adequação do próprio projeto ou de especificação nele trazida, com o intuito de melhor adequar tecnicamente a execução aos objetivos pretendidos. Seria esse, por exemplo, o caso de situação em que, após se iniciar a obra, se constatasse que em razão do regime de chuvas no local da execução da obra se deva reforçar muros de arrimo, ou então canaletas de drenagem, cujo dimensionamento foi projetado apenas levando-se em consideração situações de normalidade, mas que, em vista de variações não esperadas, mas possíveis, poderia acarretar problemas tanto para a execução da obra quanto para a construção futura em seu uso. Modificações contratuais cujo intuito seja exatamente atender à necessidade decorrente de adaptações do projeto ou de especificações deste, sempre para melhor adequação técnica aos objetivos pretendidos com a proposição nele contida, poderão ser realizadas pela Administração Pública sem que se demande a anuência da empresa contratada, uma vez que é da natureza do próprio contrato administrativo a aceitação dessa condição. A rigor, a modificação de que trata a alínea ‘a’ do inc. I do art. 65 não está limitada pelos percentuais do §1º desse mesmo artigo, porquanto seria ilógico que se estipulasse limitação para fatores que por natureza são imprevisíveis, como necessidade de modificação do projeto ou de especificações para melhor adequação técnica para atingir o objetivo proposto. Ora, não há como se estimar o imponderável! Logo, o limite não se aplica à hipótese da alínea ‘a’. Aliás, fosse intenção do legislador que o limite se estabelecesse também para a alínea ‘a’, teria ele completado, ao final da redação daquela alínea, com a mesma expressão que acrescentou na alínea seguinte, onde usou ‘nos limites permitidos por esta Lei’. Ao não o fazer, deixou claro que não quis impor à alínea ‘a’ tal óbice. (…) Portanto, a alteração nesse caso está sujeita somente à demonstração de dois requisitos básicos como condição de sua validade: i) que o acréscimo ou diminuição seja decorrente de modificação do projeto ou das especificações que dele constam; ii) que os acréscimos ou supressões se enderecem à melhor adequação técnica aos objetivos previstos no contrato e no projeto[i].”
Entretanto, em decisão amplamente citada na doutrina, em pareceres e até em decisões de Tribunais de Contas locais[ii], o Tribunal de Contas da União (TCU) entendeu – na Decisão nº 215/1999 – que os limites de 25 e 50% impostos às alterações quantitativas também o são, exceto em situações excepcionais, às alterações qualitativas[iii].
Ok. Mas e hoje? Como a questão do limite para as alterações qualitativas em contratos administrativos foi tratado pela Lei nº 14.133/2021, a Nova Lei Geral de Licitações e Contratos (NLGLC)?
O art. 124, I, “a” e “b” da NLGLC estabelece que os contratos administrativos poderão ser alterados unilateralmente pela Administração, com as devidas justificativas, quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica a seus objetivos (alterações qualitativas) e quando for necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto (alterações quantitativas).
No artigo seguinte (art. 125), o Código de Governança e Controle das Compras Públicas estabelece que nas alterações unilaterais previstas no art. 124, I, o contratado “será obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, acréscimos ou supressões de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato que se fizerem nas obras, nos serviços ou nas compras, e, no caso de reforma de edifício ou de equipamento, o limite para os acréscimos será de 50% (cinquenta por cento)”.
Ou seja, a Lei nº 14.133/2021 acolheu o entendimento do TCU e positivou que os limites impostos às alterações quantitativas também o são às alterações qualitativas, conforme se depreende de forma implícita das seguintes lições da doutrina no sentido de que “independentemente de as alterações serem qualitativas (alínea ‘a’ do inciso I do art. 123) ou quantitativas (alínea ‘b’ do inciso I do art. 123), se estas forem unilaterais devem ser limitadas aos 25% (vinte e cinco por cento) ou 50% (cinquenta por cento) [iv].”.
A limitação legal tem sua razão de ser. Vejamos alguns argumentos relevantes em defesa dessa linha interpretativa.
O primeiro aspecto a ser considerado é que essa alteração unilateral é decorrência dos poderes extraordinários da Administração Pública, e que, exatamente por isso, deve ser exercida dentro de um limite colocado pela própria lei, ainda que se trate de uma alteração de qualidade. O regime de exorbitância decorre da lei e nela encontra seus limites.
O segundo aspecto a ser considerado é que o dever de planejar é essencialmente da Administração Pública licitante. A longa fase preparatória prevista na Lei n.º 14.133/2021, marcada por diversos artefatos de planejamento, tem por objetivo fazer com que os contratos administrativos alcancem seus objetivos sem sobressaltos. Sendo assim, não parece sequer legítimo impor ao contratado o ônus de aceitar que alterações qualitativas ocorram sem qualquer limite, decorra o termo aditivo de uma falha de planejamento ou mesmo da constatação de um evento superveniente.
O terceiro aspecto a ser considerado é que, no caso de obras e serviços de engenharia, a imposição de termo aditivo de forma unilateral, sem submissão a qualquer limite legal, mesmo que se trate de uma alteração qualitativa, pode gerar grandes inconvenientes financeiros ao contratado. E isto porque o acréscimo de novos serviços, extras ou excedentes, e a exclusão de serviços planilhados, como decorrência da alteração do projeto ou das especificações, pode comprometer o fator de desconto inicialmente concedido, o que é vedado pelo art. 128 da Lei n.º 14.133/2021.[v]
Entretanto, diga-se que há vozes dissonantes na doutrina, como por exemplo a de Joel De Menezes Niebuhr[vi].
Partindo para uma seara mais prática, registre que, por meio do Parecer Referencial nº 019/2025[vii], a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco trouxe orientações gerais sobre termos aditivos de alterações qualitativas e quantitativas em contratos de obras e serviços de engenharia com base tanto na Lei nº 8.666/1993, como com base na Lei nº14.133/2021. O objetivo do parecer, é fornecer uma “orientação jurídica uniforme da Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Estado de Pernambuco em processos que tenham por objeto a celebração de termos aditivos em contratos de obras e serviços de engenharia que tenham por objeto alterações quantitativas e/ou qualitativas, com repercussões sobre a planilha orçamentária do contrato (acréscimos e/ou supressões de serviços), sejam eles firmados com base no art. 65 da Lei nº 8.666/1993 ou mesmo no art. 124 da Lei nº 14.133/2021”.
Não acolhendo entendimentos doutrinários como o de Niebuhr, o Parecer Referencial nº 019/2025 opinou pela aplicabilidade do limite percentual tanto aos acréscimos decorrentes de alterações quantitativas, quanto àqueles derivados de modificações qualitativas[viii].
Por fim, cabe destacar que no caso de alterações bilaterais, em que a Administração Pública precisa do consentimento do particular para a assinatura do termo aditivo, seja de acréscimo ou supressão, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no bojo do Processo de Consulta n.º 1188209, Relatado pelo Conselheiro Telmo Passareli, proferiu relevante decisão nos seguintes termos:
“2. No caso de acordo entre as partes, não há limitação expressa quanto ao percentual a ser acrescido ou diminuído ao contrato, sendo possível a alteração das quantidades indispensáveis à consecução do objeto, desde que comprovado o interesse público e a necessidade da alteração para a eficiente execução contratual. O acréscimo, contudo, não pode ser manifestamente desproporcional ao quantitativo inicialmente contratado, em respeito aos princípios do planejamento, da isonomia e da vinculação ao edital, cabendo à Administração comprovar, fundamentadamente, a vantajosidade da alteração em relação à realização de novo certame ou procedimento de contratação direta, observando os princípios e dispositivos contidos na Lei 14.133/2021.”
[i] Oliveira, Antônio Flávio de, Comentários à Lei de Licitações e Contratações Públicas, Belo Horizonte: Fórum, 2021, págs. 512/514.
[ii] “De acordo com o art. 65, Inciso I, alínea ‘b)’, §1º, da Lei Federal nº 8.666/93 e a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, em contratos administrativos decorrentes de processos licitatórios, não é possível o acréscimo ao objeto superior ao limite de 25% (vinte e cinco por cento), com o objetivo de assegurar o cumprimento do objeto licitado e de resguardar a lisura do processo” (TCE/PE, Acórdão nº 1039/2023 – Pleno, Processo TCE-PE n° 22100873-1 (Consulta), Relator: Conselheiro Eduardo Lyra Porto)
[iii] “O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
8.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII, § 2º da Lei nº 8.443/92, e no art. 216, inciso II, do Regimento Interno deste Tribunal, responder à Consulta formulada pelo ex-Ministro de Estado de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho, nos seguintes termos:
a) tanto as alterações contratuais quantitativas – que modificam a dimensão do objeto – quanto as unilaterais qualitativas – que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I – não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II – não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III – decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV – não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V – ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI – demonstrar-se – na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea ‘a’, supra – que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;”
[iv] Bonatto, Hamilton, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, Fortini, Cristiana; Oliveira, Rafael Sérgio Lima de; Camarão, Tatiana (Coords.), Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 384.
[v] Em outro momento, enquanto o tema ainda era disciplinado no bojo do Art. 14 do Decreto n.º 7.983/2013, o TCU chegou a determinar a glosa da diferença que fosse necessária para recompor o desconto inicialmente dado pelo licitante no momento da licitação:
““9.2.3. na hipótese de celebração de aditivos contratuais para a inclusão de novos serviços, tal qual consta na publicação “Orientações para Elaboração de Planilhas Orçamentárias de Obras Públicas” (TCU, 2014), o preço desses serviços deve ser calculado considerando o custo de referência e a taxa de BDI de referência especificada no orçamento-base da licitação, subtraindo desse preço de referência a diferença percentual entre o valor do orçamento-base e o valor global do contrato obtido na licitação, com vistas a garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato e a manutenção do percentual de desconto ofertado pelo contratado, em atendimento ao art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e aos arts. 14 e 15 do Decreto n. 7.983/2013;
9.2.4. nas situações em que, em virtude do aditivo, houver diminuição do desconto originalmente concedido, pode-se incluir parcela compensatória negativa como forma de se dar cumprimento ao art. 14 do Decreto 7.983/2013, ressalvada a exceção prevista em seu parágrafo único;”
(Acórdão TCU n.º 2699/2019 – Plenário)”
[vi] “O artigo 125 da Lei n. 14.133/2021 refere-se apenas às alterações quantitativas unilaterais e, por via de consequência, com escusas pela redundância, os limites nele previstos se aplicam apenas para as alterações quantitativas unilaterais e não para as alterações quantitativas consensuais nem para as alterações qualitativas. Não há outro dispositivo na Lei n. 14.133/2021 que prescreva limites expressos e específicos para as alterações quantitativas consensuais nem para as qualitativas unilaterais ou consensuais.” (Niebuhr, Joel de Menezes, Licitação pública e contrato administrativo, 5ª. ed., Belo Horizonte: Fórum, 2022, pág. 1.074)
[vii] Disponível em https://www.pge.pe.gov.br/App_Themes/Parecer%20Referencial%2019.2025.pdf acesso em 28/09/2025.
[viii] “30. Sendo assim, a vedação à descaracterização do objeto contratual, sob a égide da Lei nº 14.133/2021, possui respaldo literal na norma, além de, naturalmente, continuar a encontrar esteio na principiologia da NLLC. 31. Além do requisito em destaque, os acréscimos e supressões decorrentes de alterações quantitativas e qualitativas estão submetidos a limites percentuais, que incidem sobre o valor inicial atualizado do contrato. Em relação às supressões, o limitador é de 25%, o qual se mostra eficaz apenas para as supressões determinadas unilateralmente pela Administração. As supressões ocorridas em bases consensuais não estão sujeitas ao referido limite.”
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