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Justiça Restaurativa no Brasil: Caminhos Para a Transformação do Sistema Penal

Postado em 04 de junho de 2025 Por José Durval de Lemos Lins Filho É Especialista em Ciências Criminais e Mestre em Direito pela UFPE. Doutorando em Direito pelo PPGD/UNICAP. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) e da Universidade de Pernambuco (UPE). Diretor da Faculdade de Administração e Direito da Universidade de Pernambuco (FCAP/UPE). Vice-Presidente da Comissão de Educação Jurídica da OAB/PE. Advogado Criminalista.

A justiça restaurativa vem ganhando espaço como alternativa ao modelo penal

tradicional, especialmente em países como o Brasil, onde o sistema carcerário enfrenta sérias deficiências estruturais, superlotação, reincidência elevada e desrespeito às garantias fundamentais. Mais que uma metodologia, a justiça restaurativa propõe uma mudança paradigmática: da punição à responsabilização, da retribuição à reparação.

A justiça restaurativa propõe um modelo de justiça que se distancia da centralidade

estatal e da lógica adversarial. Como aponta Fernanda Fonseca Rosenblatt, trata-se de “uma forma de justiça orientada por valores relacionais, como o respeito, a responsabilidade e a solidariedade” e que busca, antes de tudo, respostas mais humanas e significativas ao crime, por meio do diálogo e da escuta (ROSENBLATT, 2014). Nessa abordagem, vítima, ofensor e comunidade são convidados a participar da construção de soluções para o conflito, com vistas à reparação dos danos causados.

A proposta restaurativa considera as necessidades da vítima, os deveres do ofensor e

os interesses da comunidade afetada pelo crime. No Brasil, sua aplicação tem se expandido para escolas, comunidades e também no contexto judicial, especialmente em juizados de violência doméstica e justiça juvenil.

O criminólogo britânico Adam Crawford, ao tratar da justiça restaurativa no contexto

europeu, destacou que “as abordagens restaurativas têm o potencial de reconstruir o capital social e ampliar a capacidade das comunidades para lidar com conflitos de forma mais resiliente e menos dependente do aparato penal” (CRAWFORD, 2015, Involving communities in criminal justice: restorative justice and community justice). Ele salienta que tais práticas, além de reduzir a reincidência, promovem maior confiança pública no sistema de justiça.

Essa perspectiva é especialmente relevante no Brasil, onde a distância entre o Judiciário e a sociedade ainda é acentuada, e os efeitos da exclusão social intensificam a criminalidade. A inserção de práticas restaurativas nesse contexto contribui para uma justiça mais dialógica, inclusiva e preventiva.

Pedro Scuro Neto, um dos principais introdutores da justiça restaurativa no Brasil,

argumenta que “a justiça restaurativa, mais do que uma técnica, deve ser vista como um paradigma em construção, comprometido com a cultura de paz e com uma nova ética relacional no campo jurídico” (SCURO NETO, 2007, Justiça Restaurativa: para além da mediação penal). Ele foi responsável por iniciativas como o Projeto Jundiaí, que implementou práticas restaurativas em escolas e instituições públicas, com resultados significativos na prevenção de conflitos. Para ele, a justiça restaurativa deve ser compreendida como um novo modo de conceber o próprio Direito, capaz de produzir mudanças estruturais nos mecanismos de solução de conflitos e reintegração social, rompendo com a lógica do encarceramento massivo.

A crise do sistema prisional brasileiro é amplamente reconhecida. A justiça

restaurativa, ao priorizar a reparação dos danos e a responsabilização ativa, pode reduzir a entrada de novos presos, especialmente em casos de crimes de menor potencial ofensivo, como já observado em projetos piloto em tribunais estaduais.

Além disso, experiências restaurativas têm demonstrado impacto positivo na redução

da reincidência, ao reconstruírem vínculos familiares e comunitários e promoverem mudanças na percepção do infrator sobre o impacto de sua conduta.

A consolidação da justiça restaurativa no Brasil exige investimento institucional,

formação continuada de facilitadores, marcos normativos mais claros e superação da cultura punitivista que ainda domina o imaginário jurídico nacional. A Resolução nº 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça já representa um avanço, ao instituir a Política Nacional de Justiça Restaurativa no âmbito do Judiciário.

Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer para que essa abordagem deixe de

ser vista como marginal ou experimental e se incorpore de forma orgânica às práticas judiciárias.

A justiça restaurativa representa uma alternativa ética, eficaz e humanizadora ao

sistema penal tradicional. Sua adoção no Brasil pode significar não apenas a redução da população carcerária, mas também o fortalecimento da cidadania, da cultura de paz e da confiança na justiça. Como afirmam Rosenblatt, Crawford e Scuro Neto, trata-se de uma transformação cultural que exige coragem institucional e compromisso com os direitos humanos.

Referências

CRAWFORD, Adam. Involving communities in criminal justice: restorative justice and community justice. In: PALMER, E.; WADSWORTH, E. (Org.). Criminal Justice and Community Justice. Bristol: Policy Press, 2015.

ROSENBLATT, F. F.. Em Busca das Respostas Perdidas: Uma perspectiva crítica sobre a justiça restaurativa. In: Gisele Mendes de Carvalho; Felipe Augusto Forte de Negreiros Deodato; Felix Araujo Neto. (Org.). Criminologias e Política Criminal II. 1ed.Florianópolis: CONPEDI, 2014, v. , p. 443-467.

SCURO NETO, Pedro. Justiça Restaurativa: para além da mediação penal. São Paulo: IBCCRIM, 2007.

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