Tayna Paz da Costa Carvalho

Os efeitos da filiação errônea junto ao

Postado em 03 de setembro de 2025 Por Tayná Paz da Costa Carvalho Advogada, especialista em direito previdenciário, Graduada pela FIS - Faculdade de Integração do Sertão e pós-graduada em prática previdenciária pela FADIC- Faculdade Damas da Instrução Cristã, membro da Comissão da Mulher advogada, também atuante em direito da mulher e social.

Introdução

O Regime Geral de Previdência Social (RGPS) constitui um dos principais instrumentos de concretização do direito fundamental à seguridade social no Brasil. Sua finalidade precípua é garantir proteção ao trabalhador e a seus dependentes diante de eventos como incapacidade, idade avançada, desemprego involuntário, maternidade e morte.

Nesse contexto, a filiação previdenciária assume papel central: é o vínculo jurídico que permite ao segurado acessar benefícios e serviços oferecidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A inscrição, por sua vez, constitui o registro formal dos dados do segurado nos cadastros da autarquia.

Embora interdependentes, os dois institutos guardam distinções fundamentais.

Ocorre que, não raramente, equívocos no ato de filiação ou na inscrição acarretam sérios prejuízos ao segurado. Erros cadastrais, recolhimentos indevidos, enquadramento incorreto de categoria ou contribuições recolhidas em valores inferiores ao legalmente exigido podem culminar em negativa de benefícios. Essa realidade revela a importância de compreender os efeitos jurídicos da chamada filiação errônea e os instrumentos de correção disponíveis.

O presente artigo, portanto, analisa os impactos dessa problemática, explorando o marco normativo, a jurisprudência e as repercussões sociais do tema.

1. O Regime Geral de Previdência Social e seus beneficiários

O RGPS, disciplinado pelas Leis nº 8.212/1991 e nº 8.213/1991, abrange dois grupos de beneficiários: os segurados e seus dependentes.

Os segurados se dividem em obrigatórios e facultativos. Os primeiros incluem empregados, empregados domésticos, trabalhadores avulsos, contribuintes individuais e segurados especiais. Sua filiação é automática, decorrente do exercício de atividade remunerada. Já os facultativos são aqueles que, mesmo sem exercer atividade obrigatória, optam voluntariamente por contribuir, como estudantes, donas de casa e desempregados.

Os dependentes, por sua vez, têm direito a benefícios em decorrência de eventos que afetam o segurado, como morte ou reclusão. A legislação estabelece classes de dependência, em ordem de prioridade, sendo que a existência de dependentes de uma classe exclui os das classes subsequentes.

Esse panorama é relevante porque a natureza do vínculo (obrigatório ou facultativo) influencia diretamente a forma de filiação e inscrição, assim como os efeitos jurídicos de eventuais erros cadastrais.

2. Filiação e inscrição: distinções necessárias

A doutrina previdenciária distingue filiação e inscrição. A filiação é o vínculo jurídico entre o segurado e a Previdência, enquanto a inscrição é o ato formal de cadastramento no CNIS (Cadastro Nacional de Informações Sociais).

Para os segurados obrigatórios, a filiação é automática e decorre do exercício da atividade remunerada. Já os facultativos dependem da inscrição formal acompanhada do recolhimento tempestivo da primeira contribuição.

Essa diferenciação é crucial para a compreensão da filiação errônea: enquanto a inscrição pode conter falhas documentais ou cadastrais, a filiação equivoca-se quando o vínculo jurídico é estabelecido em desacordo com a realidade fática ou normativa.

3. A problemática da filiação errônea

A filiação errônea ocorre quando o vínculo previdenciário é formalizado de modo equivocado, comprometendo a efetividade da proteção social. Esse erro pode se manifestar em diferentes situações, que analisaremos a seguir.

3.1  Retificação de dados no CNIS

O CNIS reúne informações sobre vínculos, remunerações e contribuições. Qualquer inconsistência nesse banco de dados pode acarretar negativa de benefícios. Situações comuns incluem omissão de vínculos empregatícios, erro na data de admissão ou de desligamento, lançamento indevido de óbito ou duplicidade de registros.

A legislação permite ao segurado solicitar retificação mediante apresentação de documentos comprobatórios, como CTPS, recibos de pagamento ou contratos de trabalho. Na ausência de prova documental, admite-se a justificação administrativa, processo no qual testemunhas e outros meios de prova são analisados pelo INSS.

A jurisprudência tem reconhecido a prevalência da realidade sobre o cadastro, admitindo a comprovação judicial quando o segurado é prejudicado por falhas do sistema administrativo.

3.2  Restituição de contribuições indevidas

Outro efeito jurídico relevante diz respeito à restituição de contribuições recolhidas de forma indevida. Isso ocorre, por exemplo, quando há recolhimentos concomitantes acima do teto previdenciário ou quando o segurado é enquadrado erroneamente em categoria que exige alíquota superior.

O direito à restituição encontra fundamento no princípio da vedação ao enriquecimento sem causa e está previsto no art. 165 do Código Tributário Nacional. A devolução deve ser pleiteada administrativamente, mediante o programa PER/DCOMP da Receita Federal, respeitado o prazo prescricional de cinco anos.

3.3 Complementação de contribuições

A filiação errônea também pode se caracterizar quando o segurado recolhe contribuições em valor inferior ao mínimo legal. Nesses casos, os períodos não são computados para fins de tempo de contribuição, comprometendo a concessão de benefícios.

A legislação, entretanto, autoriza a complementação. O segurado pode recolher a diferença acrescida de juros, regularizando sua situação. Essa possibilidade é especialmente relevante para contribuintes individuais e facultativos que, por desconhecimento ou orientação equivocada, recolheram alíquotas reduzidas sem observar suas limitações legais.

4. Repercussões jurídicas e sociais

Os efeitos da filiação errônea transcendem a esfera administrativa. A negativa de benefícios previdenciários compromete a subsistência do segurado e de seus dependentes, violando o direito fundamental à seguridade social previsto no art. 6º da Constituição Federal.

Do ponto de vista jurídico, a filiação equivocada gera uma série de litígios, sobrecarregando o Judiciário com demandas que poderiam ser evitadas por maior eficiência administrativa. Além disso, revela-se um desafio de justiça social: o trabalhador, que já se encontra em situação de vulnerabilidade, vê-se diante da negativa de um direito essencial em razão de falhas burocráticas.

5. Jurisprudência relevante

A jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais e do Superior Tribunal de Justiça demonstra a recorrência da matéria. Diversos julgados reconhecem o direito de retificação de dados no CNIS, a restituição de contribuições indevidas e a complementação de recolhimentos.

O STJ, por exemplo, no REsp 1.573.943/BA, reconheceu a necessidade de oportunizar ao segurado a produção de provas capazes de afastar a presunção de veracidade dos dados do CNIS. Já o TRF da 3ª Região, em múltiplas apelações, tem assegurado a restituição de contribuições recolhidas acima do teto previdenciário.

Essas decisões demonstram que o Judiciário atua como instância reparadora, mas reforçam a urgência de aprimoramento do sistema administrativo, de forma a prevenir a ocorrência de filiações errôneas.

6. Conclusão

O estudo dos efeitos jurídicos da filiação errônea ao RGPS evidencia a relevância do tema para a efetivação da proteção social no Brasil.

A análise demonstrou que os erros mais comuns envolvem falhas cadastrais no CNIS, contribuições recolhidas de forma indevida ou em valor inferior ao mínimo legal e enquadramento equivocado em categorias de segurados. Esses problemas resultam em graves consequências, como a negativa de benefícios e a judicialização de demandas.

Embora a legislação preveja instrumentos de correção, como retificação, restituição e

complementação, o acesso a essas medidas ainda é burocrático e, muitas vezes, ineficiente. Assim, cabe ao Estado investir em mecanismos de prevenção, especialmente no aprimoramento dos sistemas de informação e no fortalecimento da orientação ao segurado.

Conclui-se, portanto, que a filiação errônea, longe de ser um problema meramente administrativo, representa um obstáculo à concretização do direito fundamental à seguridade social, demandando soluções estruturais que garantam maior efetividade ao sistema previdenciário.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre o Plano de Custeio da Previdência Social.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social.

BRASIL. Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999. Aprova o Regulamento da Previdência Social.

BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.

KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Jurisprudência: STJ – REsp 1.573.943/BA; TRF 3ª Região – Apelação Cível 0003896-18.2012.4.03.6109; TRF 4ª Região – AC 5051063-25.2013.404.7000.

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