É possível perceber o aumento expressivo das famílias que adotam a guarda compartilhada no Brasil, especialmente após a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, que tornou essa modalidade a regra nas separações, reforçando o princípio da corresponsabilidade parental. No entanto, apesar das tentativas de equilibrar as responsabilidades e garantir o bem-estar dos filhos, muitos pais e mães acabam transformando a convivência em um verdadeiro campo de disputa emocional, comprometendo a saúde psicológica da criança e a efetividade da guarda.
Este artigo tem como objetivo analisar o comportamento dos genitores no contexto da guarda compartilhada, discutindo os limites éticos, jurídicos e emocionais que devem nortear essa relação, à luz do princípio do melhor interesse da criança, previsto na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A guarda compartilhada está prevista nos arts. 1.583 a 1.589 do Código Civil, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.058/2014. Essa legislação estabelece que ambos os genitores devem participar ativamente das decisões sobre a vida da criança, independentemente do tempo de convivência. Assim, pai e mãe possuem igual poder de decisão e devem buscar acordos pautados no bem-estar da criança em todas as situações que envolvam sua rotina e desenvolvimento.
De acordo com o art. 1.583, §2º, do Código Civil, a guarda compartilhada não significa que o tempo de convívio deva ser dividido igualmente, mas sim que ambos os pais compartilham as responsabilidades e decisões sobre aspectos fundamentais da vida do filho, como educação, saúde e lazer. Essa corresponsabilidade reforça a igualdade entre homens e mulheres, garantindo que ambos exerçam de forma equilibrada o direito e o dever de cuidar e educar os filhos.
O art. 227 da Constituição Federal, juntamente com os arts. 3º e 4º do ECA, reforça o princípio da proteção integral, assegurando que o convívio familiar seja preservado mesmo após a separação dos pais. O objetivo dessas normas é garantir segurança, estabilidade e desenvolvimento integral às crianças e adolescentes. Dessa forma, fica claro que, em qualquer processo judicial envolvendo guarda, o foco principal deve ser sempre a criança.
A guarda compartilhada exige dos pais cooperação e maturidade emocional. É fundamental manter uma comunicação constante e respeitosa, trocando informações sobre saúde, escola, lazer e todas as decisões que envolvem o dia a dia da criança.
Outro dever essencial é incentivar a convivência e o vínculo afetivo da criança com o outro genitor, preservando sua saúde emocional. A guarda compartilhada não é uma competição, mas uma parceria em prol do bem-estar do filho. Como bem afirma Maria Berenice Dias, “o fim do vínculo conjugal não dissolve o vínculo parental”.
Atitudes como manter o diálogo aberto, ouvir a criança e compartilhar informações relevantes são fundamentais para o sucesso da guarda, prevenindo conflitos e promovendo segurança emocional.
A Lei nº 12.318/2010 define a alienação parental como qualquer conduta que prejudique ou dificulte o relacionamento da criança com um dos genitores. Alguns exemplos de comportamentos considerados alienadores incluem:
Mesmo quando sutis, essas atitudes configuram uma forma de violência psicológica, capaz de causar sérios danos emocionais, como ansiedade, depressão, isolamento social, baixa autoestima e comportamentos agressivos ou autodestrutivos.Como bem alerta a doutrina, “a criança não deve ser campo de batalha de mágoas adultas”.Fica evidente, portanto, que tanto os genitores quanto o Poder Judiciário devem ter sensibilidade e responsabilidade ao lidar com essas situações. A criança ou o adolescente, alheio às disputas e sem compreender totalmente o conflito, precisa ser protegido e amparado, cabendo aos adultos resolverem as questões de forma equilibrada e cuidadosa.
A jurisprudência recente reconhece que atos de alienação parental podem justificar a modificação da guarda ou a aplicação de medidas protetivas, sempre com o objetivo de garantir o convívio equilibrado e a preservação do melhor interesse da criança.
O juiz deve sempre atuar com base no princípio do melhor interesse da criança, levando em conta sua rotina, seus vínculos afetivos e a necessidade de estabilidade emocional. A mediação familiar, prevista nos arts. 694 e seguintes do Código de Processo Civil, mostra-se um instrumento eficaz para reduzir conflitos, orientar os pais e fortalecer o vínculo parental.
O Poder Judiciário é a instância tradicional e soberana de solução de conflitos na sociedade. Já a mediação atua como método não litigioso, extrajudicial ou pré-judicial, buscando restaurar o diálogo entre os pais. O acompanhamento psicológico e as avaliações psicossociais, por sua vez, oferecem suporte técnico e emocional ao processo. Juntos, esses três elementos Judiciário, mediação e apoio psicológico são fundamentais para decisões mais equilibradas e verdadeiramente voltadas ao bem-estar da criança.
Psicólogos, assistentes sociais e o Ministério Público exercem papel essencial na orientação parental, prestando suporte às famílias e prevenindo práticas de alienação.
Além disso, políticas públicas e programas de educação parental são indispensáveis para conscientizar os genitores sobre seus direitos e deveres, promovendo, assim, o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança.
O sucesso da guarda compartilhada depende, acima de tudo, da postura ética e responsável dos pais, mais do que da própria decisão judicial.O amor pelos filhos deve sempre prevalecer sobre ressentimentos pessoais e disputas emocionais, pois é esse afeto que garante à criança um ambiente de crescimento saudável.
A guarda compartilhada vai muito além da simples divisão de tempo ou despesas: trata-se de um compromisso contínuo de cooperação, respeito e afeto. Quando praticada com maturidade, ela assegura que a criança cresça em um ambiente seguro, equilibrado e emocionalmente saudável.
REFERÊNCIAS:
1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
2. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>.
3. BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental. Disponível em: <https://legis.senado.gov.br/norma/585315>.
4. BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera dispositivos sobre guarda compartilhada. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm>.
5. DIAS, Maria Berenice. *Manual de Direito das Famílias*. 14. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.
6. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ). Recurso Especial nº 1.558.089/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 19 fev. 2019.
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