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Reforma Tributária e proteção ao meio ambiente e suas contradições 

Postado em 17 de dezembro de 2025 Por Rosa Freitas Advogada, Doutora em Direito e Escritora

Apesar de a EC n.º 132/2023 prever, entre os princípios informativos da Reforma Tributária, a proteção ao meio ambiente e a sustentabilidade, na prática, não representa um avanço real. Trago três temas para confirmar o argumento, à luz da LC n.º 214/2025: (i) o Imposto Seletivo possui baixa função extrafiscal e muito maior sua função arrecadatória; (ii) a restrita proteção aos chamados coletores incentivados; e (iii) a ausência de incentivos efetivos ao uso de produtos reciclados e ao reaproveitamento pelas empresas.

1. Os coletores incentivados na LC n.º 214/2025 e os créditos presumidos

O art. 170 prevê que o contribuinte do IBS e da CBS, sujeito ao regime regular, poderá apropriar créditos presumidos relativos às aquisições de resíduos sólidos de coletores incentivados, para utilização em processo de destinação final ambientalmente adequada.

São considerados resíduos sólidos o material, a substância, o objeto ou o bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semissólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis, em face da melhor tecnologia disponível.

A lei não trata, de forma efetiva, do incentivo ao reaproveitamento de matérias que possam ser utilizadas como insumos produtivos. Seria de grande valia que aqueles que adquirem resíduos sólidos pudessem revendê-los para reaproveitamento em processos produtivos, gerando, para seus adquirentes, créditos presumidos no mesmo valor gerado para aqueles que adquirem o material original. Contudo, tal medida não estimularia a extração mineral, tributada pelo Imposto Seletivo, pois este tributo possui ampla função arrecadatória e baixa efetividade extrafiscal.

Outro ponto relevante é que a arrecadação do Imposto Seletivo substituirá os repasses do IPI, tal como hoje conhecidos, a partir de 2027. O governo depende dessas receitas, que são distribuídas aos Estados e Municípios por meio do FPE e do FPM. Considerando a repercussão tributária no âmbito do pacto federativo, é ilógico supor uma política efetiva de redução da extração de minérios e de petróleo.

Considera-se destinação final ambientalmente adequada a destinação de resíduos sólidos para reutilização, reciclagem, compostagem e recuperação, bem como, na forma do regulamento, outras destinações admitidas pelos órgãos competentes, entre elas a disposição final.

2. Os coletores incentivados: limites do modelo adotado

A LC n.º 214/2025 substituiu a nomenclatura “coletores de recicláveis” por “coletores incentivados”. Trata-se de pessoa física que executa a coleta ou a triagem de resíduos sólidos e realiza a venda a contribuinte do IBS e da CBS que lhes confere destinação final ambientalmente adequada. As instituições formatadas para tal fim, como associações ou cooperativas, também são beneficiadas.

À primeira vista, a reserva de mercado para os coletores incentivados parece positiva. Todavia, apesar da estética política da norma, seus efeitos práticos são limitados, pois esses grupos permanecem, em regra, à margem do processo produtivo formal. Ainda assim, o Brasil figura entre os maiores recicladores de latas de alumínio do mundo. O incentivo poderia ser estendido também a empresas que se dedicassem profissionalmente a essa atividade e que pudessem exercer essa função em escala maior.

O apoio governamental, mesmo impostos por normas como a Lei do Saneamento e outras, não produz os resultados pretendidos. Além do mais que se dedica a coleta de recicláveis são pessoas de baixa instrução e pertencente ao histórico de vulnerabilidade social. 

3. O que as empresas ganham de créditos presumidos?

Os créditos presumidos somente poderão ser utilizados para dedução do valor do IBS e da CBS devidos pelo contribuinte. Serão calculados mediante a aplicação de percentuais sobre o valor da aquisição registrado em documento admitido pela administração tributária, na forma do regulamento.

No caso do IBS, os percentuais serão: (a) em 2029, 1,3%; (b) em 2030, 2,6%; (c) em 2031, 3,9%; (d) em 2032, 5,2%; e (e) a partir de 2033, 13%. Para a CBS, o percentual será de 7%.

À primeira vista, os percentuais parecem elevados, mas não o são, pois a base de cálculo — o valor de venda dos materiais reciclados — é significativamente baixa.

Estão excluídas da concessão dos créditos presumidos de IBS e de CBS as aquisições de: (i) agrotóxicos, seus resíduos e embalagens; (ii) medicamentos domiciliares de uso humano, industrializados e manipulados, bem como, observados os critérios do regulamento, suas embalagens; (iii) pilhas e baterias; (iv) pneus; e (v) produtos eletroeletrônicos.

As baterias constituem um dos maiores problemas na transição da matriz energética, tanto sob o aspecto da poluição decorrente da extração das chamadas “terras raras” quanto no descarte. Os carros elétricos não são tão sustentáveis quanto o discurso dominante sugere. Os pneus são reciclados e também integram cadeias produtivas ligadas aos eletrônicos. Contudo, observa-se que tais insumos são tributados pelo Imposto Seletivo, e o governo não pretende criar concorrência arrecadatória para si mesmo.

O Brasil é, há mais de quinhentos anos, um espaço de extração de recursos voltados à economia externa. A cana-de-açúcar, o látex, o café e o algodão são exemplos históricos. Continuamos a exportar commodities e a importar produtos industrializados. A recente crise comercial com os Estados Unidos ilustra essa dependência. A baixa industrialização do país encontra respaldo, primeiro, na Lei Kandir e, agora, na Reforma Tributária, que parecem aceitar a posição do Brasil na divisão internacional do trabalho como exportador de grãos e de recursos minerais.

4. A regulação do Imposto Seletivo e a manutenção dos valores arrecadados com o IPI

O IPI possui uma longa cadeia de incidência e, ao lado do ICMS, historicamente viabilizou o financiamento do Estado. A EC n.º 132/2023, ao alterar o art. 130 do ADCT, prevê mecanismos de compensação da arrecadação, conforme o § 3º, ao definir o Teto de Referência da União e o Teto de Referência Total, calculados a partir da média da receita entre 2012 e 2021, como proporção do PIB. De acordo com o art. 490. Legislador considerou no § 1º que para fins de incidência do Imposto Seletivo, consideram-se prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente os bens classificados nos códigos da NCM/SH e o carvão mineral, e os serviços listados no Anexo XVII, referentes a: I – veículos; II – embarcações e aeronaves; III – produtos fumígenos; IV – bebidas alcoólicas; V – bebidas açucaradas; VI – bens minerais; VII – concursos de prognósticos e fantasy sport.

A União compromete-se a repassar a eventual diferença a menor da arrecadação, o que reforça o caráter fiscal do Imposto Seletivo. Se sua função fosse verdadeiramente extrafiscal, o sucesso do tributo seria medido pela redução da arrecadação, e não pela sua preservação ou ampliação.

5. Conclusão: sete pontos para reflexão

  1. A sustentabilidade ambiental permanece mais como discurso normativo do que como diretriz efetiva da Reforma Tributária.
  2. O Imposto Seletivo consolida-se como instrumento arrecadatório, com reduzida capacidade de induzir comportamentos ambientais virtuosos.
  3. Os créditos presumidos destinados aos coletores incentivados possuem alcance limitado e baixo impacto econômico.
  4. A exclusão de insumos estratégicos da política de créditos revela a prioridade arrecadatória do Estado.
  5. A manutenção da arrecadação substitutiva do IPI demonstra a dependência fiscal da extração mineral e do petróleo.
  6. A Reforma Tributária reafirma a inserção periférica do Brasil na economia global como exportador de commodities.
  7. Sem uma política industrial articulada, a promessa de sustentabilidade tributária tende a permanecer retórica.

Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Emenda Constitucional n.º 132, de 20 de dezembro de 2023.

BRASIL. Lei Complementar n.º 214, de 2025.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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