Emerson Rodrigues de Souza

Diversidade é também uma questão de justiça

Postado em 05 de novembro de 2025 Por Émerson Rodrigues de Souza Vice-Presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/PE - Advogado. Militante na área do Direito das Famílias e Diversidade

Recentemente, fui convidado pelo amigo Carlos Santtos, Diretor-Presidente da ONG Arco, a escrever para a 1ª edição da Revista Baquara sobre a importância das comissões de diversidade no Sistema OAB. O convite me alegrou imensamente — e, ainda que o tema seja vasto e desafiador, aceitei o desafio com a intenção de contribuir para uma reflexão que considero urgente: qual é o papel dos espaços institucionais na disputa de narrativas e na efetivação dos direitos da população LGBTQIAPN+?

Recordo-me que em 2024, a advocacia pernambucana elegeu a primeira mulher de sua história para presidir a OAB Pernambuco, marcando um novo capítulo na história da advocacia da terra dos altos coqueiros. Este foi (e é) um marco que ultrapassa o simbolismo e nos convida a refletir sobre o sentido mais profundo da representatividade nos espaços de poder e decisão. Falar de diversidade, afinal, não é tratar de exceções, mas de justiça e de como ela se concretiza a partir do reconhecimento de todas as vozes que compõem o tecido social.

O Direito, em sua essência, é um instrumento de transformação. A Constituição da República de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana e a igualdade como fundamentos da República. Entretanto, esses princípios, embora solenes em seu enunciado, ainda enfrentam desafios diários para se tornarem práticas efetivas. A ausência de diversidade nos espaços de decisão, sejam eles públicos ou institucionais, reproduz desigualdades históricas e silencia perspectivas que poderiam enriquecer a construção da justiça.

Quando falamos em representatividade, não nos referimos apenas à presença física de mulheres, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência ou LGBTQIAPN+ nesses espaços. Falamos de um projeto democrático que reconhece que a pluralidade de experiências e identidades é indispensável para a legitimidade das decisões e das instituições. A advocacia, enquanto função essencial à administração da justiça, não pode se manter distante dessa realidade.

Importa destacar que essa reflexão não se restringe aos espaços tradicionais da advocacia ou mesmo aos conselhos de classe: ela alcança os tribunais, o Ministério Público, o sistema judicial e, especialmente, os órgãos de cúpula. No Brasil, observa-se que o Supremo Tribunal Federal nunca teve uma mulher negra em sua composição, apesar de mulheres e pessoas negras serem maioria da população brasileira. Aliás, em mais de 130 anos, o STF só teve três mulheres em sua composição. Na atual, apenas uma cadeira é ocupada por uma mulher (branca).

Movimentos sociais e entidades jurídicas têm defendido que a indicação de uma jurista negra para o STF seria não apenas uma questão simbólica, mas de reparação histórica, de democracia substantiva e de fortalecimento do Estado de Direito. Isso demonstra como a representatividade efetiva (ou sua ausência) repercute de modo estruturante sobre o sistema de justiça e sobre a credibilidade das instituições perante a sociedade.

A ausência de representação feminina no órgão de cúpula do judiciário brasileiro faz com que decisões estruturantes acerca de políticas públicas para as mulheres, por exemplo, sejam tomadas por homens, perpetuando preconceitos e padrões que já deveriam ter sido abandonados há séculos.

Nessa perspectiva, o Estatuto da Advocacia confere à OAB o papel de defender a Constituição, os direitos humanos e a justiça social. Isso significa que a Ordem não deve apenas zelar pelas prerrogativas profissionais, mas também ser protagonista na promoção de uma sociedade mais igualitária. E, para tanto, é preciso que a própria instituição reflita internamente a diversidade da advocacia e da sociedade que representa.

Como advogado e vice-presidente da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB Pernambuco, vejo de perto como a presença de pessoas diversas em cargos de liderança muda a forma como pensamos e agimos coletivamente. Cada cadeira ocupada por alguém historicamente excluído representa um avanço civilizatório. Mas a verdadeira conquista se dá quando essa presença se transforma em ação, quando a diversidade pauta decisões, orienta políticas e inspira outras pessoas a também ocuparem esses espaços.

É evidente que ainda há um longo caminho a percorrer. A representatividade precisa deixar de ser um gesto pontual para se tornar um compromisso institucional. Isso implica rever práticas, ampliar acessos e garantir que a inclusão seja permanente, e não apenas celebrada em momentos de ruptura. Afinal, a democracia se fortalece quando o poder é compartilhado — e não concentrado.

A eleição de uma mulher para presidir a OAB-PE ou para uma vaga no STF é, portanto, um passo importante. Mas é também um ponto de partida para que sigamos construindo uma advocacia mais plural, mais sensível e mais próxima da realidade social brasileira. A diversidade, quando efetivada, amplia horizontes, questiona estruturas e humaniza o Direito.

A representatividade é, antes de tudo, uma forma de justiça. Que a OAB continue sendo exemplo, não apenas pela competência técnica de suas lideranças, mas pela coragem de afirmar que igualdade e diversidade não são ideais distantes, e sim compromissos concretos de uma instituição que acredita no poder transformador da advocacia.

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