A Previdência Social brasileira constitui um dos pilares fundamentais da Seguridade Social, tendo como objetivo assegurar proteção aos trabalhadores em situações de vulnerabilidade, como doença, invalidez, desemprego involuntário e idade avançada. Contudo, observa-se um crescente distanciamento entre o que é garantido pela Constituição Federal de 1988 e a realidade vivenciada por muitos segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A recorrente negativa de benefícios por incapacidade, mesmo diante de comprovações médicas robustas, evidencia falhas nas perícias médicas e compromete o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º, inciso III, da Carta Magna.
No contexto jurídico brasileiro, a dignidade da pessoa humana não se restringe à mera existência física, mas compreende condições materiais mínimas para uma vida saudável, produtiva e participativa. O art. 6º da CF/88, ao elencar os direitos sociais, explicita o dever estatal de assegurar saúde, trabalho, moradia, segurança e previdência social.
A atuação dos peritos do INSS, em diversos casos, tem sido marcada por decisões que desconsideram laudos clínicos e condições de saúde evidentes, obrigando o segurado incapacitado a buscar a via judicial para ter seu direito reconhecido. Entretanto, a judicialização, embora necessária como forma de garantir o acesso à justiça, é frequentemente demorada, agravando a vulnerabilidade social e econômica do indivíduo que depende do benefício para sua subsistência. Essa morosidade processual reflete não apenas a sobrecarga do sistema judiciário, mas também a ineficiência administrativa na análise e concessão dos benefícios previdenciários.
Dessa forma, a problemática que se apresenta vai além de um simples entrave burocrático: trata-se de uma violação direta aos direitos fundamentais, em especial ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito à segurança social. A ausência de celeridade e de sensibilidade nas decisões periciais e judiciais provoca consequências profundas, como o empobrecimento, o sofrimento psicológico e a exclusão social de milhares de brasileiros incapacitados para o trabalho.
Neste contexto, o presente artigo tem por objetivo analisar como as falhas nas perícias médicas do INSS e a morosidade na concessão judicial de benefícios por incapacidade configuram uma afronta à dignidade da pessoa humana, discutindo seus impactos sociais e propondo reflexões sobre possíveis medidas de aprimoramento administrativo e judicial que possam garantir a efetividade dos direitos previdenciários no Brasil.
O princípio da dignidade da pessoa humana, além de valor axiológico, assume caráter jurídico-fundamental, na medida em que impõe ao Estado a obrigação de respeitar, proteger e promover as condições para uma vida digna.
Na seguridade social, cujos pilares no Brasil são saúde, previdência e assistência social (art. 194 e 198 da CF/88), esse princípio se traduz no dever de o Estado assegurar benefícios e serviços que protejam o cidadão quando acometido por riscos sociais – como a incapacidade para o trabalho. Assim, a concessão de benefícios por incapacidade não se limita a um mecanismo técnico-administrativo: trata-se de instrumento de efetivação da dignidade humana, na medida em que garante a subsistência e a inserção social do segurado afastado. Quando o Estado falha em realizar a avaliação pericial de modo razoável ou concede o benefício com morosidade ou indeferimento injustificado, pode estar ocorrendo uma violação desse princípio – uma “invalidez social”, na expressão de parte da doutrina, que vai além da limitação funcional, alcançando a exclusão e a perda de autonomia social do indivíduo.
A perícia médica é o instrumento técnico-administrativo utilizado pelo INSS para avaliar a existência de incapacidade laboral e determinar o direito do segurado ao benefício. Conforme o art. 60, §1º, da Lei nº 8.213/91, “o benefício será devido enquanto o segurado permanecer incapaz”.
De acordo com estudos, a perícia deve transcender a mera avaliação biomédica imediata, incorporando uma visão biopsicossocial da capacidade funcional do segurado, ou seja, além da doença, devem ser observados fatores pessoais, ambientais, de inserção laboral e social. A perícia, portanto, deve ser pautada pela objetividade técnica, pela ética profissional e pela observância dos direitos humanos e sociais do examinado. Entretanto, na prática, tem-se observado a redução da perícia a um procedimento meramente burocrático e desumanizado, que muitas vezes desconsidera o contexto biopsicossocial do segurado.
Diversas falhas apontadas decorrem de relatos de atendimento deficitário, automação excessiva nas respostas aos segurados, ausência de análise aprofundada do quadro funcional, morosidade no agendamento e atendimento, e indeferimentos de pedidos sem justificativa adequada. Por exemplo:
A ineficiência administrativa do INSS tem levado milhares de segurados a recorrerem ao Poder Judiciário para obter o reconhecimento de seus direitos. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2024), as ações previdenciárias correspondem a mais de 15% dos processos em tramitação na Justiça Federal.
O prazo formal para análise de requerimentos de benefícios por incapacidade pelo INSS varia, sendo comum a persistência de atrasos significativos. Em levantamento recente, verificou-se que o tempo médio era superior a 41 dias, e prazos entre 90 e 180 dias em algumas localidades. Além disso, estudos específicos apontam que essa demora ultrapassa, em muitos casos, o prazo de 30 ou 45 dias previsto para análise de requerimentos administrativos, o que gera verdadeiro “limbo previdenciário” para o segurado. Quando o requerimento é indeferido ou o segurado necessita recorrer ao Judiciário, a concessão judicial de benefícios por incapacidade também apresenta morosidades que prolongam o desamparo e aumentam o risco de exclusão social.
Essa morosidade fere não apenas o princípio da dignidade da pessoa humana, mas também os princípios da eficiência (art. 37 da CF), da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII) e da efetividade dos direitos sociais (art. 6º), porque impede a realização de direitos, causa sofrimento e afeta a credibilidade da justiça.
Os efeitos sociais da morosidade ou indeferimento injustificado são múltiplos:
Diante dos problemas identificados, alguns avanços legislativos e propostas apontam caminhos para a superação das violações. Destacam-se:
A análise conduzida revela que a morosidade na concessão dos benefícios por incapacidade do INSS e as falhas no mecanismo de perícia médica pressupõem uma violação efetiva do princípio da dignidade da pessoa humana.
O segurado incapacitado que aguarda sem amparo e o trabalhador que sofre indeferimento injustificado veem-se privados do mínimo existencial garantido pela norma constitucional.
A concretização desse princípio no campo previdenciário exige que as decisões administrativas sejam ágeis, transparentes, fundamentadas e respeitem a complexidade da condição humana incluindo aspectos físicos, psíquicos, sociais e laborais.
Por fim, embora já existam avanços normativos e práticas em curso, é imprescindível que o Estado por meio do INSS e do Poder Judiciário promova efetivamente as reformas necessárias para concretizar o direito à seguridade social, assegurar a dignidade da pessoa humana e mitigar os impactos sociais da incapacidade laboral não apenas como questão individual, mas como dever coletivo de proteção.
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