A Lei Complementar n.º 214/2025, que regulamenta o novo modelo de tributação sobre o consumo instituído pela Emenda Constitucional n.º 132/2023, redesenha as fronteiras entre a tributação empresarial e a pessoa física. O artigo 251 dessa norma introduz uma inovação relevante: a possibilidade de a pessoa física ser considerada contribuinte do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), quando realiza operações imobiliárias em determinada escala econômica. Contudo, surge o debate jurídico: trata-se de uma condição automática (aditiva), em que a incidência decorre objetivamente da lei, ou de uma faculdade opcional, em que o contribuinte poderia escolher se submeter ou não ao regime?
O art. 251 da LC 214/2025 dispõe que as pessoas físicas que realizarem operações com bens imóveis serão consideradas contribuintes do regime regular do IBS e da CBS, desde que preencham cumulativamente os requisitos de receita e quantidade de imóveis. O § 2º amplia o alcance da norma ao prever que a pessoa física também será considerada contribuinte no próprio ano-calendário se exceder em 20% o limite de receita (R$ 288.000,00), ainda que não ultrapasse o número de imóveis. O uso dos verbos ‘serão consideradas’ e ‘também será considerada’ revela o caráter imperativo e automático da norma, não comportando manifestação de vontade do contribuinte.
O sistema constitucional tributário, à luz dos arts. 145, § 1º, e 150, I, da Constituição Federal de 1988, estabelece que a tributação deve observar os princípios da capacidade contributiva, da isonomia fiscal e da legalidade estrita. Dessa forma, a LC 214/2025 não cria uma tributação discricionária, mas define critérios objetivos de materialidade econômica que caracterizam a atividade imobiliária como empresarial de fato, quando exercida de forma reiterada e lucrativa. Portanto, a incidência é automática: ao ultrapassar os limites de receita e número de imóveis, a pessoa física é equiparada ao contribuinte regular de IBS e CBS, independentemente de manifestação expressa de adesão.
O texto legal não confere qualquer faculdade de opção ao contribuinte. Diferentemente do que ocorre em regimes simplificados (como o Simples Nacional ou o Lucro Presumido), em que há ato volitivo de adesão, aqui o enquadramento é ex lege — isto é, decorre diretamente da lei. Os critérios são aditivos e cumulativos: a pessoa física deve ter mais de três imóveis distintos e deve auferir receita superior a R$ 240.000,00 com tais operações. O § 2º reforça essa lógica ao estabelecer hipóteses de excedente no próprio exercício, em que o contribuinte é automaticamente incluído no regime quando ultrapassa 120% do limite anual (R$ 288.000,00).
Sob o prisma da capacidade contributiva, o critério adotado pelo legislador é legítimo e proporcional. Ao definir limites quantitativos (imóveis e receita), a lei distingue a locação residencial de natureza civil da atividade econômica reiterada de natureza empresarial, sem violar o princípio da isonomia. O Supremo Tribunal Federal, em precedentes como o RE 651703/PR (Rel. Min. Dias Toffoli, j. 2019), reconheceu que o exercício habitual e profissional de atividade econômica descaracteriza a mera administração patrimonial, sujeitando o agente às normas de direito empresarial e tributário.
A partir da vigência plena da LC 214/2025, pessoas físicas com carteira imobiliária expressiva deverão observar: cadastro fiscal específico como contribuintes de IBS/CBS, emissão de documento fiscal eletrônico nas operações de locação ou cessão onerosa, escrituração e apuração mensal da contribuição conforme o regime regular e planejamento patrimonial e societário para evitar bitributação ou dupla incidência (IRPF + IBS/CBS). Portanto, a norma impõe uma obrigação tributária automática, e não um regime opcional, exigindo que profissionais e investidores revisem suas estruturas jurídicas antes da transição completa prevista entre 2026 e 2033.
A análise integrada da LC 214/2025, da EC 132/2023 e da Constituição Federal evidencia que o enquadramento da pessoa física como contribuinte de IBS e CBS não é uma opção, mas uma condição automática derivada da materialidade da atividade exercida. Trata-se de um avanço técnico-tributário que busca uniformizar a tributação das atividades econômicas, corrigindo distorções entre pessoas físicas e jurídicas e reforçando o princípio da neutralidade fiscal. Entretanto, o novo regime exigirá educação tributária e planejamento especializado, sob pena de o contribuinte pessoa física ser surpreendido por obrigações e fiscalizações até então restritas às empresas.
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