A complexidade fiscal brasileira torna o custo financeiro enorme para os empresários poderem arcar com a tributação imposta sobre os seus produtos e serviços, representando desafios significativos tanto para os particulares, quanto para a saúde fiscal do erário. Desta forma, o planejamento tributário surge como uma ferramenta crucial para a gestão financeira das empresas de capital privado.
Destarte, quando essas práticas transcendem a otimização legal, a boa-fé e se aventuram em estratégias que andam pelo limiar da legalidade, seus métodos e consequências podem se tornar um ponto de grande preocupação para ambas as partes.
Ocorre que a elusão fiscal ou planejamento tributário agressivo, é uma medida que se caracteriza por achar “brechas” ou “contornos” nas legislações que muitas vezes são aproveitadas por grandes empresas ou conglomerados com a finalidade (assessoria ou principal) de pagar menos impostos, mas em desconformidade, mesmo que parcial, com a legislação vigente. Uma estratégia que muitos discutem suas aplicações éticas e jurídicas, apesar de causarem grave dano à União.
Respeitando o princípio da legalidade, Takano[1] argumenta que a inexistência de definições legais infraconstitucionais, tipificando tais medidas pormenorizadas como ilícitas, é o suficiente para afastar quaisquer ações de responsabilidade fiscal. Sem normas prévias regulamentando-as, além de gerar insegurança jurídica, poderíasse causar o desincentivo ao crescimento econômico, além de ser do caráter confiscatório do poder de polícia do Estado.
Oliveira[2] (2019) tem uma visão completamente oposta ao do Takano, onde discorre sobre o planejamento tributário agressivo, argumentando que o maior controle Estatal das operações empresariais é a saída para frear tal ação antiética, mesmo que isso possa carecer de instrumentos legais. Haja vista, que tal comportamento inadequado fere a saúde financeira dos Estados, causando déficit na arrecadação em valores bilionários, impactando a economia e a eficiência da União. Como exemplificado em um estudo feito pela organização Oxfam Intermón,[3] onde apontam que a maior parte da renda perdida dos Estados soberanos são ocasionadas por via de elisão fiscal.
Na África, por exemplo, cerca de 65% do défit são provenientes do planejamento tributário agressivo, ou seja, há manobras massivas que indiretamente prejudicam as atividades estatais, apesar de toda a fiscalização de maneira imersiva nas atividades econômicas do contribuinte. Entrementes, o controle do fisco, é o mecanismo necessário, tendo em vista os impostos são a principal maneira de custeio para a manutenção da sociedade, um ponto de vista incorporado pelo autor Segundo[4], como fica evidenciado:
A tributação é, sem sombra de dúvida, o instrumento de que se tem valido a economia capitalista para sobreviver. Sem ele não poderia o Estado realizar os seus fins sociais, a não ser que monopolizasse toda a atividade econômica. O tributo é inegavelmente a grande e talvez única arma contra a estatização da economia.
Por isso, um posicionamento mais enfático é a principal maneira de não permitir uma erosão fiscal, devendo ser respeitado e seguido a desconsideração os atos e negócios jurídicos que visem simular a não ocorrência do fato gerador, conforme disposto no art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN)[5].
A IMPOTÂNCIA DA TRIBUTAÇÃO.
A finalidade da arrecadatória da tributação serve para reverter os valores recolhidos, em decorrência dos fatos geradores praticados pelos contribuintes, em contraprestação dos serviços públicos. Como já definidos no CTN e na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB)[6], o “Tributo é toda prestação pecuniária, compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (art. 3º do CTN), que por sua vez se subdivide em Impostos (art. 16 do CTN c/c art. 145, I da CRFB), Taxas (art. 77 do CTN c/c art. 145, II da CRFB), Contribuições de Melhorias (art. 81 do CTN c/c art. 145, III da CRFB), Contribuições Especiais (art. 149 da CRFB) e Empréstimos Compulsórios (art. 148 da CRFB).
Suas finalidades são distintas, mas igualmente importantes para a Administração Pública, pois somente com a pecúnia arrecada através da contribuição que a União tem capacidade de custodiar a nação, assegurando os recursos necessários à concretização das políticas públicas e à efetivação dos direitos fundamentais previstos na sua Carta Magna. Trata-se, de todo modo, de um mecanismo fiscal essencial para a manutenção da ordem social, dignidade da pessoa humana e para a promoção do desenvolvimento econômico sustentável.
Portanto, o tributo é uma prestação compulsória e possui função social, garantindo que o Estado atue em prol da sociedade com serviços essenciais e redistribuição de riquezas para o mínimo existencial de seu Povo. Desta forma, a tributação não pode ser comprovada apenas sob a ótica do ônus financeiro imposto ao tributado, mas também, um direito, dever e uma ferramenta de justiça distributiva.
DIFERENÇA ENTRE ELISÃO, ELUSÃO E EVASÃO FISCAL.
A Elisão fiscal ou planejamento tributário é reconhecido como ato preventivo de gestão, sendo defendido por parte da doutrina como um direito do contribuinte. Encontrar mecanismos que possibilitem a redução de encargos tributários às empresas é primordial nas relações empresariais. De forma estratégica, verifica-se a possibilidade de evitar a incidência tributária com a prevenção da ocorrência de fatos geradores ou a escolha de fatos geradores que provoquem menores alícotas, maximizando os lucros ao mesmo tempo que reduz significativamente os custos das operações empresariais.
Frisa-se que um planejamento tributário indevidamente realizado pode ocasionar a ocorrência de atos indevidos, como o mascaramento ou o desface, na tentativa do fisco não tomar conhecimento da operação e não pagar o tributo, ocorrendo o crime de sonegação fiscal, também conhecido como evasão fiscal.
Para evitar realizar fato indevido nas operações é necessário garantir que a empresa esteja devidamente assessorada e em conformidade com a legislação vigente, como podemos observar em CREPALDI[7]:
…é necessário contratar uma assessoria e uma consultoria tributária, a fim de possibilitar a correta análise das atividades operacionais e elaborar um estudo comparativo entre o lucro presumido, o lucro real e o Simples Nacional. É precis, também, analisar a legislação do ICMS e do ISS que incidem nas operações. Assim, será possível calcular os tributos incidentes nos produtos e serviços, além de identificar os impostos e as contribuições mais significativas na carga tributária da sociedade empresária.
Nesta senda, a elisão fiscal é a forma legítima de se precaver da cobrança excessiva de tributos, precavendo-se para ter uma carga fiscal menor, de forma legalmente permitida, não importando haver ou não prejuízos para o erário.
Já a evasão fiscal é forma indevida, onde a contribuinte fraude o fisco para economizar mascarando a ocorrência de fatos geradores, violando a lei. Refere o não pagamento do tributo devido. O contribuinte fraudulento, ao evitar pagar o tributo devido, opta pelo não pagamento ou pelo pagamento de um valor inferior ao exigido, causando grandes prejuízos ao erário, além de prejudicar a sociedade com a arrecadação inesperada de tributos.
Nos termos do art. 1011 do Código Civil, no exercício de suas funções, o administrador da sociedade tem o dever de zelar e diligenciar com probidade com a administração do negócio. Desta forma, a empresa deve ter ajustes nas interações gerenciais e operacionais, para a busca de efetivas possibilidades legais na redução dos tributos na esfera administrativa, além de buscar, por meio de seus advogados, adoção de medidas de segurança para garantir que o fisco os cobrem erroneamente por lançamento indevido de tributo.
A empresa eficiente é aquela que busca identificar antecipadamente alternativas legais e menos onerosas de ocorrência de fatos geradores, reduzindo seus custos operacionais com o fisco. Para tal, inicialmente, faz-se necessário ter acesso a todo o fluxo operacional e financeiro da empresa para reconhecer o melhor regime tributário para a empresa, seja o lucro real, lucro presumido ou o Simples Nacional.
Entrementes, como também determina CREPALDI[8], deve-se realizar o planejamento das operações da empresa em conformidade com o modelo adotado para “…determinar onde há espaço para ações de redução de custos tributários, seja pela diminuição da base de cálculo e percentuais dos impostos, encargos e taxas…”.
AS CONSEQUÊNCIAS PARA A ARRECADAÇÃO TRIBUTÁRIA.
Como já previamente mencionado, o planejamento tributário agressivo é um dos maiores, quiçá o maior desafio para arrecadação estatal da contemporaneidade, haja vista, que companhias, multimilionárias em sua maioria, fazem manobras de movimentação financeira para que seja dedutível o mínimo (ou em alguns casos nada) de seu faturamento, evitando fatos geradores ou os reduzindo ao máximo. Tais tácticas em sua maioria são “legais” ou pelo menos não tipificadas, contudo, isso é lesivo para os Estados-Membros, já que em sua maioria, os contornos pelas legislações tiram o faturamento dessas empresas, fazendo o dinheiro serem transferidos para outros países com o regime de tributação menor.
A medida, apesar de aparentar ser “ilegal” está completamente amparada nas leis ficais de diversos países, segundo o jornal Luxemburgo Leaks (2014)[9], o pais realizou milhões de transações de multinacionais, principalmente empresas americanas de tecnologia, durante anos, com uma taxa inferior a 1%, causando um respectivo prejuízo aos demais países que tiveram sua arrecadação frustrada. Fazendo assim, a necessidade de maior controle dos países sob as finanças que entram e saem de seus sistemas financeiros.
NORMAS INTERNACIONAIS.
Quando se analisa os procedimentos e as medidas internacionais para coibir o planejamento tributário agressivo é importante destacar o trabalho da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que através do plano Base Erosion and Profit Shifting (BEPS), vem implementando iniciativas em seus países membros buscando mais transparências nas transações e simplificação das leis e modelos contábeis para que aos poucos possam sanar as lacunas deixada pelas legislações vigentes. Desarte proibindo aos poucos os caminhos utilizados para cometer a elusão fiscal e garantindo a contribuição.
Medidas como a Anti-Tax Avoidance Directive[10] (ATAD), imposta pela União Europeia há quase uma década, embora não possuam efeito jurídico direto sobre a legislação interna de cada Estado-Membro, exercem grande relevância na prática, na medida em que harmonizam regras, fortalecem o livre comércio no bloco e dificultam manobras artificiais de transferência de lucros para jurisdições de baixa tributação ou paraísos fiscais.
A REFORMA TRIBUTÁRIA E SEUS ESPECTATIVAS PARA O ENFRENTAMENTO DO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO AGRESSIVO.
A Emenda Constitucional nº 132/2023, responsável pela mais recente reforma tributária no Brasil, trouxe mudanças estruturais profundas no sistema de arrecadação, principalmente com a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição a diversos tributos federais, estaduais e municipais, buscando simplificar a tributação sobre o consumo, reduzir a cumulatividade e dar maior transparência quanto às operações, atacando pontos frágeis que, historicamente, eram usados como “brechas” para planejamentos agressivos.
Diante de tais mudanças, os mecanismos utilizados para “driblarem” a fiscalização começarão a ficar cada vez mais escassos, dificultando assim práticas abusivas, e gradativamente unificado ostributos. Antes, a existência de múltiplos impostos (PIS, Cofins, ICMS, ISS, IPI) criava sobreposições de competências, conflito de interesses e interpretações divergentes entre os entes federativos, ampliando o espaço para contenciosos e planejamentos artificiais. Todavia, com a adoção de um sistema conhecido como IVA dual (IBS + CBS), a tendência é reduzir significativamente a margem de manobra para reestruturações societárias meramente formais, uma vez que a base de projeto e as alíquotas se tornem mais uniformes e transparentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS.
Sem a arrecadação tributária, os Estados não teriam condições de prover serviços básicos, como saúde, educação, segurança e infraestrutura, ou que demonstrasse sua natureza de elemento estruturante do pacto social. Por isso, a observância das normas e da ética tributária torna-se necessária mesmo que o contribuinte que não esteva contrapondo a legislação claramente, e faça a utilização de técnicas modos obscuros para aproveita-se da complexidade das leis com a finalidade de evitar a responsabilidade tributária de pagar corretamente os impostos é uma conduta perigosa que pode prejudicar toda a cadeia de financiamento estatal.
Por fim, é necessário destacar que a eficiência do sistema tributário é proporcional a confiança da sociedade na Administração Pública. Um sistema justo, transparente e que distribui especificamente a carga tributária de maneira coerente com a capacidade contributiva de cada um, fortalecendo assim, o cumprimento espontâneo das obrigações fiscais. Em contrapartida, práticas como o planejamento tributário agressivo fragilizam essa relação, pois transferem o ônus da arrecadação para impostos de menor poder econômico e comprometem a saúde financeira de Estado e a execução das políticas pública.
[1] TAKANO, Caio Augusto. O conceito de planejamento tributário agressivo e os novos padrões tributários internacionais do Projeto BEPS. Direito Tributário Internacional Atual. 2017
[2] OLIVEIRA, José André Wanderley Dantas de. O planejamento tributário abusivo das transnacionais e a erosão das bases tributárias: entre a legalidade e a moralidade. Direito Tributário – Os 30 anos do Sistema Tributário Nacional na Constituição: estudos em homenagem a Ricardo Lobo Torres . São Paulo: Quartier Latin, 2019. Pag 300 – 340.
[3] OXFAM INTERMÓN. La ilusión fiscal: demasiadas sombras en la fiscalidad de las grandes empresas. Informe de Oxfam Intermón n. 35, 2015, p. 7. Disponível em: http://www.pensamientocritico.org/oxfam0315.pdf. Acessado em 07/10/2025.
[4] SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Curso de direito tributário, São Paulo- SP: Malheiros Editores LTDA, 2007, p. 56.
[5] BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei n° 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acessado em: 07/10/2025.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acessado em: 07/10/2025.
[7] CREPALDI, Silvio Aparecido. Planejamento Tributário: teoria e prática. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 04.
[8] CREPALDI, Silvio Aparecido. Planejamento Tributário: teoria e prática. 4 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 07.
[9] Luxemburgo Leaks: o paraíso fiscal é mesmo aqui ao lado. Disponível em: https://tvi24.iol.pt/internacional/juncker/luxemburgo-leaks-o-paraiso-fiscal-e-mesmo-aqui-ao-lado. Acesso em: 16 Ago. 2025
[10] UNIÃO EUROPEIA. Diretiva (UE) 2016/1164 do Conselho, de 12 de julho de 2016. Estabelece regras contra as práticas de elisão fiscal que afetam diretamente o funcionamento do mercado interno. Jornal Oficial da União Europeia , L 193, p. 1-14, 19 jul. 2016. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32016L1164. Acessado em: 13/09/2025.
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