Quando pensamos no processo civil previdenciário como um instrumento de efetivação de direitos sociais não podemos ter, em mente, que ele é um fim em si mesmo. Muito pelo contrário. A condução é regida por várias mãos, detendo, como o maestro, o Juiz, a quem cabe a entrega da prestação jurisdicional.
Por vezes, essa maestria é distorcida face ao volume de ações judiciais, exibindo um sistema administrativo visceralmente em colapso, quando o deveria ser célere e acessível aos segurados.
Tal ponto traz, em cadeia, a exposição da fragilidade judicial em conter condutas que afrontam a boa-fé e deturpam a finalidade do processo. A ausência de responsabilização, sobretudo quando se trata do ente público previdenciário, naturaliza práticas desidiosas que transformam, muitas vezes, a Justiça em obstáculo e não em solução.
Nesse contexto, três atores assumem papel central: o juiz, como garantidor da efetividade e da ordem processual; a advocacia, como agente de defesa técnica e combativa; e a Ordem dos Advogados do Brasil, como instituição que fiscaliza, denuncia e propõe soluções para o equilíbrio do sistema, na construção de pontes mediante diálogos institucionais.
Para qualquer destes atores é fundamental uma característica: deter coragem!
A omissão técnica de qualquer um de nós, como integrantes deste macrossistema, perpetua um modelo em que o Estado, em vez de assegurar direitos sociais fundamentais, utiliza-se do aparato processual para negá-los.
Nesse interim, o tema 1.198 do Superior Tribunal de Justiça inaugura uma nova era ao reconhecer que a litigância de má-fé não é monopólio da parte privada. O INSS, quando age em contrariedade a precedentes vinculantes, recorre de forma protelatória, genérica e descuidada ou descumpre sucessivas ordens judiciais, deve ser tratado pelo Judiciário com o mesmo rigor que se aplica a qualquer litigante.
No processo civil previdenciário, o juiz não atua como mero árbitro de formalidades e solenidades. Ele é o garantidor da efetividade do direito social e o principal contrapeso à desídia institucional.
Se observarmos, ainda que superficialmente, questões acerca da morosidade, do descumprimento reiterado de ordens judiciais, da resistência sistemática do INSS, temos um cenário caótico de transformação do processo em um instrumento de negação de direitos.
A atuação judicial, por todos, deve ser corajosa, técnica e estratégica, sem jamais se afastar da interpretação constitucional que coloca a dignidade da pessoa humana como valor central, por vezes esquecida ou mitigada.
Partindo desta afirmativa, ressalto que Código de Processo Civil, em seus artigos 80 e 81, fornece instrumentos claros para punir condutas abusivas, inclusive do Estado, e a jurisprudência consolidada, especialmente após o julgamento do Tema 1.198 do STJ, reafirma que a litigância de má-fé não se restringe à parte privada.
O INSS, na atuação desidiosa processual previdenciária, deve ser responsabilizado.
Nesse cenário, o juiz assume um papel ativo, não apenas aplicando a lei, mas na obrigação de proteger o segurado vulnerável do abuso processual institucionalizado, emergindo a necessidade de decisões corajosas para conter os abusos da autarquia, perpetrados no processo previdenciário.
O legislador adjetivo civil, no nascedouro do texto legal, traz, dos artigos 1º ao 12, normas processuais fundamentais. Isso implica em afirmar que, a partir delas, todas as demais normas processuais devem ser interpretadas. O dever surge como obrigação e não como opção.
Por sua vez, o art. 8º do referido diploma nos brinda com a obrigação do julgador em, ao aplicar o ordenamento jurídico, resguardar e promover a dignidade da pessoa humana, festejando proporcionalidade, razoabilidade, legalidade, publicidade e eficiência. Vemos isso? Não.
Como desdobramento esperado e lógico da interpretação das referidas normas fundamentais, o juiz natural deve conduzir o processo com vistas a minimizar riscos sociais, mediante análise proporcional e adequada da urgência e complexidade da matéria apresentada, além da aplicação de sanções processuais ao INSS quando houver litigância abusiva, tornando a tutela judicial efetiva e não apenas simbólica.
Desse modo, o magistrado transcende o tecnicismo e atua como verdadeiro intérprete da justiça social, garantindo que o processo seja um pulverizador na concretização dos direitos fundamentais.
Paralelamente, a advocacia desempenha papel central na concretização desses direitos. O advogado previdenciário vai além da elaboração de petições ou do cumprimento de prazos. Somos verdadeiros protagonistas na preservação da boa-fé processual e vetores para neutralização de condutas protelatórias do INSS. Daí a importância da perene e permanente atualização escolástica previdenciária da advocacia, evitando práticas temerárias ou infundadas que possam deslegitimar a classe e fragilizar a credibilidade do Judiciário.
A sensibilidade social, especialmente quando lidamos com segurados em situação de vulnerabilidade extrema, jamais deve ser substituída por ideias de monetização desenfreada, sejam elas digitais/midiáticas ou predatórias, disfarçadas de “mutirões socioeducativos”. O processo jamais deve ser visto, por um advogado que se denomina previdenciarista, apenas como um número ou uma cifra do escritório. Deve-se ter, por ele, integral respeito e ciência de que lidamos com vida de alguém e sua família, ao contarmos sua história. A advocacia é instrumento de proteção dos direitos individuais e mecanismo corretivo da desídia institucional, promovendo equilíbrio entre Estado e jurisdicionado.
Em complemento, a Ordem dos Advogados do Brasil ocupa posição estratégica no equilíbrio do processo previdenciário, atuando como guardiã da ética, da boa-fé processual e da efetividade dos direitos sociais. Quando o Estado, especialmente o INSS, se vale de litigância abusiva ou desídia para postergar decisões, compete à OAB intervir não apenas como entidade representativa da advocacia, mas como agente de fiscalização institucional, denunciando e propondo soluções para irregularidades sistemáticas.
Quando o ente público se vale da litigância abusiva reversa ou da procrastinação reiterada, a Advocacia atua como instrumento essencial para identificar, documentar e remediar tais práticas, assegurando que o processo seja um verdadeiro instrumento de justiça social.
Nesse contexto, o sistema OAB, mediante atividades institucionais de suas comissões temáticas e demais órgãos especializados, monitora e analisa padrões de incúria institucional, identificando, face a escuta ativa da categoria, atos protelatórios, descumprimento de decisões judiciais, resistência injustificada a benefícios reconhecidos, dentre outros.
Uma vez contemplados os problemas, atua-se diretamente na mediação dos conflitos, alicerçando diálogos com o Judiciário e os poderes públicos, com vistas a possibilitar soluções rápidas, efetivas e equânimes, como vemos, no âmbito da nossa seccional, através do trabalho potente exercido pela Comissão de Direito da Seguridade Social.
Assim, a Ordem dos Advogados do Brasil, portanto, não é mera espectadora, mas agente ativa na responsabilização institucional. Sua função ultrapassa a defesa corporativa da advocacia. Trata-se de assegurar que os direitos previdenciários não sejam subtraídos por burocracia ou procrastinação e que o Judiciário receba informações precisas e fundamentadas para a aplicação de sanções, quando cabíveis.
Combinada à atuação ética da advocacia e à vigilância proativa do juiz, forma-se uma rede de controle indispensável, uma tríade, protegendo o segurado, resguardando a dignidade da pessoa humana e impedindo que o aparato judicial seja instrumentalizado de forma abusiva pelo Estado.
Em última análise, lembremos que o processo previdenciário não é apenas um rito formal, mas um instrumento de concretude de direitos fundamentais. Sua efetividade depende da atuação coordenada dos juízes, da advocacia e da OAB. Sem isto, o processo previdenciário corre risco de se tornar ineficaz, inócuo e, sobretudo, injusto.
A responsabilização institucional das desídias do INSS não é opcional, mas sim imperativa, a fim de que o processo deixe de ser instrumento de postergação de direitos e se torne verdadeira via de acesso à Justiça.
O reconhecimento da litigância abusiva reversa pelo STJ, consolidado no Tema 1.198, reafirma que a má-fé não é um monopólio da parte privada e que o Estado deve ser submetido às mesmas regras de conduta processual. Esta é uma das armas que nós, advogados, devemos fomentar nas manifestações judiciais.
Quando todos atuam de forma coordenada, estabelece-se um equilíbrio indispensável. Há proteção do segurado vulnerável e reforça-se a boa-fé processual, além de resguardar a credibilidade do sistema jurisdicional.
Em processo previdenciário, responsabilizar não é uma escolha, mas um verdadeiro imperativo jurídico e ético, garantindo ao segurado uma justiça efetiva e não meramente formal.
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