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Segurança pública e direito: A cilada do debate no campo jurídico

Postado em 05 de novembro de 2025 Por Isaac de Luna Ribeiro Advogado, cientista político, e professor universitário. Mestre em Direito, especialista em Realidade Política Brasileira, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político e da Associação Brasileira de Ciência Política. Advogado do Escritório Antônio Ribeiro Advogados Associados

Quando a pauta da violência, da criminalidade e da segurança pública é colocada no centro do debate social, envolvendo a mídia, as instituições e a opinião pública mais ampla, hoje em dia fartamente exposta na Ágora virtual, há sempre o risco de que nós, advogados e advogadas, legitimados, em tese, a falar do lugar do Direito, de quem se espera uma análise jurídica do fato, possamos ser capturados pela perspectiva sociopolítica ideológica das disputas de narrativas e abandonemos ou subordinemos a análise jurídica à perspectiva política ou moral.

         A operação ocorrida no Rio de Janeiro no último dia 28 de outubro, com saldo, pelo menos até o momento da escrita desse artigo, de 121 mortos, tem se revelado um exemplo dessa questão, que se torna passível da observação  a partir das manifestações no ambiente virtual, capaz de confirmá-la ou de negá-la, naturalmente.

         A ambiência do debate nas redes sociais é tentadora, repleta de opiniões para qualquer gosto ou perspectiva, inflamada por doses altas de sentimentos, emoções, ideologias e disputas de controle da narrativa, com múltiplas iscas capazes de disparar gatilhos mentais e atuar no campo pré-reflexivo, nos tragando para dentro dessa lógica discursiva que passa ao largo dos pressupostos básicos do que Habermas denomina de racionalidade comunicativa, cuja finalidade seria construir consensos acerca de argumentos válidos apresentados sobre a questão em exame por sujeitos livres e iguais, em um espaço público adequado e aberto às deliberações[i].

         Não se trata de imaginar que seria possível isolar o campo jurídico dos demais espaços discursivos da sociedade, o que nem seria desejável de fato, mas, pelo menos, de reafirmar os pontos de partida e o repertório argumentativo característicos de um debate jurídico. Nesse caso, um debate jurídico sobre a segurança pública, detalhadamente sobre a ação policial ocorrida no complexo do Alemão e da Penha, que restou em 121 óbitos.

         A questão que se nos impõe argumentar e responder, do lugar de análise e fala do campo do Direito, é razoavelmente simples, a saber:

  • Há amparo legal para respaldar o modus operandi da ação e o resultado produzido?
  • A Constituição Federal, como norma fundamental que legitima o ordenamento jurídico, possui dispositivos compatíveis com os meios eleitos para a consecução do fim desejado na operação?
  • A legislação penal infraconstitucional dispõe de normas autorizativas ou excludentes de ilicitude que possam ser aplicadas ao caso concreto?
  • A jurisprudência jurídico-penal dominante nos tribunais superiores é compatível com as formas e ações impetradas?
  • A doutrina Penal e Criminológica especializada, apresenta teses e análises legitimadoras da ação?

Em juízo preliminar, penso que qualquer debate jurídico sobre o tema proposto deve partir da busca de respostas a essas questões. Embora não se limite somente a elas, para que o debate seja realmente jurídico é preciso partir delas, se não quisermos que as razões do Direito se dissolvam e sejam absorvidas no espaço público discursivo pelas razões da política partidária e ideológica.

     Não vou tratar especificamente das questões levantadas, o que exigiria um espaço muito mais amplo de fala e argumentação, incompatíveis com a natureza desse espaço comunicativo para o qual escrevo essa provocação e autorreflexão. Contudo, ainda em 2018 escrevi um texto mais longo sobre o assunto tratando do projeto de lei que previa a inclusão no Código Penal da legítima defesa presumida para os agentes de segurança pública. Como avalio que as principais questões presentes nele permanecem atuais e se adequam completamente às questões que envolvem esse debate específico de agora, deixo ao fim o link de acesso para os colegas que tenham interesse no debate mais aprofundado sobre o tema[ii].

O fato é que, independentemente do que cada um ou cada uma colega entenda e defenda sobre o mérito da operação, seu modus operandi e resultado, o desafio de colocar a Constituição Federal e a legislação Penal infraconstitucional, a jurisprudência dominante e a doutrina especializada como fundamentos do argumento é real e necessário.

Por fim, os dados apresentados por diversos institutos de pesquisa sobre o apoio massivo da população à operação nos colocam o desafio final, a difícil missão de escapar da cilada na qual nos encontramos: quando a vontade da Constituição e do ordenamento jurídico colide com a vontade do povo, com as maiorias de ocasião ou com as narrativas predominantes nas redes sociais em momentos de medo e comoção social, qual deve ser o papel do Direito, da advocacia e do discurso jurídico no debate público?


[i] O conceito de racionalidade comunicativa pode ser mais bem compreendido na exposição do capítulo 4 do livro Racionalidade e Comunicação, de Habermas. HABERMAS, Jürgen. Racionalidade e Comunicação. Lisboa: Edições 70, 1996. p. 183-221.

[ii] RIBAIRO, Isaac Luna. Preparar, Apontar, Fogo! Sobre a Legítima Defesa Presumida, Expansão Penal e Justiça dos Vencedores. Empório do Direito. Disponível em: https://emporiododireito.com.br/leitura/preparar-apontar-fogo-sobre-a-legitima-defesa-presumida-expansao-penal-e-justica-dos-vencedores.

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