O presente artigo analisa o impacto das deepfakes e da inteligência artificial (IA) na integridade das eleições brasileiras de 2026, destacando riscos à formação da vontade do eleitor e à preservação do Estado Democrático de Direito. A partir da Constituição Federal, da Resolução TSE n.º 23.732/2024 e de documentos técnico-institucionais, discute-se a necessidade de responsabilização das plataformas digitais diante da disseminação de desinformação em larga escala. Conclui-se que a ausência de regulação eficaz potencializa vulnerabilidades do sistema eleitoral e impõe atuação coordenada entre Poder Público, sociedade civil e empresas de tecnologia.
Palavras-chave: Deepfakes; Direito Eleitoral; Inteligência Artificial; Desinformação; Democracia.
1 Introdução
O avanço acelerado da inteligência artificial generativa trouxe à tona desafios inéditos para os sistemas democráticos contemporâneos. Entre eles, destacam-se as deepfakes, conteúdos hiper-realistas produzidos artificialmente com potencial de enganar o eleitor e manipular o processo eleitoral. As eleições de 2026, segundo o Senado Verifica, exigirão “atenção redobrada” diante da capacidade dessas tecnologias de difundir desinformação de forma massificada e de difícil contenção.
A Constituição Federal estabelece que o Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput), cujo poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único), exercido por meio do voto direto e secreto (art. 14). Esses pilares tornam imprescindível a proteção da liberdade do eleitor contra interferências indevidas produzidas por conteúdos artificialmente manipulados.
Este artigo examina os riscos das deepfakes nas eleições, o papel da legislação e da Justiça Eleitoral e a necessidade de responsabilização das plataformas digitais, considerando o atual cenário tecnológico e regulatório.
2 Fundamentos constitucionais da integridade eleitoral
A Constituição Federal de 1988 oferece arcabouço robusto para a proteção do processo eleitoral. O art. 5º assegura a liberdade de expressão (incisos IV e IX) e o acesso à informação (inciso XIV), pressupostos que dependem de autenticidade e veracidade. A manipulação artificial de conteúdos viola esses preceitos ao induzir o eleitor a erro.
O art. 22, I, atribui à União competência privativa para legislar sobre direito eleitoral. Com isso, a ausência de regulação adequada quanto ao uso de IA e deepfakes representa omissão legislativa potencialmente danosa à democracia. Ademais, o art. 37, § 1º, reforça o dever de publicidade e transparência, princípios incompatíveis com a opacidade tecnológica dos algoritmos que difundem conteúdos falsificados.
Ao comprometer a formação livre da vontade do eleitor, as deepfakes afrontam diretamente o art. 14 da Constituição, que assegura o exercício pleno da soberania popular.
3 Deepfakes como ameaça ao ambiente democrático
As deepfakes são vídeos ou áudios manipulados por IA que simulam fala, expressões e comportamentos de pessoas reais. Sua capacidade de enganar o público, aliada à velocidade de circulação nas redes sociais, confere a essas tecnologias enorme poder de manipulação.
No processo eleitoral, o dano causado é frequentemente irreversível. Declarações falsas atribuídas a candidatos, fabricadas digitalmente, podem influenciar o eleitor antes que as instituições obtenham tempo suficiente para desmenti-las. A imprensa nacional já destaca “o perigo da ascensão das fake news geradas por IAs”, apontando seu impacto destrutivo sobre o ambiente político.
4 A Justiça Eleitoral e a Resolução TSE n.º 23.732/2024
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adotou postura preventiva diante das ameaças digitais. A Resolução TSE n.º 23.732/2024 estabelece diretrizes para o uso de IA em campanhas eleitorais, proibindo expressamente as deepfakes e exigindo transparência quanto a conteúdos gerados artificialmente.
Além disso, o TSE firmou memorandos de entendimento com diversas plataformas digitais, como Google, Meta, TikTok, X e Telegram, com o objetivo de combater a desinformação e melhorar os mecanismos de detecção e remoção de conteúdos falsos.
Essas ações refletem o reconhecimento institucional de que as plataformas deixaram de ser agentes neutros, exercendo papel ativo como curadoras de conteúdo e influenciadoras do debate público.
5 Responsabilidade das plataformas digitais
A responsabilidade das plataformas digitais constitui tema central no debate atual. Seu papel no processo de distribuição de informações, muitas vezes guiado por algoritmos opacos e orientados ao engajamento, amplia o impacto de conteúdos falsos, dificultando a preservação da integridade eleitoral.
O Congresso Nacional discute há anos propostas de regulação de plataformas e transparência algorítmica. Contudo, o avanço legislativo tem sido lento, enquanto as tecnologias evoluem rapidamente. Essa descompasso regulatório fragiliza a proteção constitucional da soberania popular.
Autorregulação, isoladamente, tem se revelado insuficiente. Urge a criação de mecanismos jurídicos que imponham às plataformas deveres claros de prevenção, identificação e remoção de conteúdos falsificados, sobretudo as deepfakes que produzam dano eleitoral imediato.
6 Impactos do caos informacional no processo democrático
A difusão descontrolada de deepfakes pode deformar a opinião pública, influenciar a escolha dos eleitores e comprometer a legitimidade das eleições. Em perspectiva constitucional, viola o princípio democrático, a livre formação da vontade política e a igualdade de oportunidades entre os candidatos.
Os efeitos do caos informacional vão além do indivíduo: atingem o sistema político, corroem a confiança nas instituições e colocam em risco o Estado Democrático de Direito. Em última instância, conteúdos produzidos artificialmente podem distorcer resultados eleitorais, afetando diretamente a soberania popular.
7 Considerações finais
As deepfakes representam ameaça concreta às eleições de 2026 e ao próprio modelo democrático brasileiro. A tecnologia, quando utilizada de forma maliciosa, compromete princípios constitucionais essenciais e coloca em risco a integridade do voto. A resposta necessária exige atuação coordenada entre Justiça Eleitoral, Poder Legislativo, plataformas digitais, operadores do direito e sociedade civil. A responsabilização das plataformas e a adoção de mecanismos eficazes de combate à desinformação são medidas imprescindíveis para assegurar um processo eleitoral justo, transparente e alinhado aos valores constitucionais.
Referências
(Formatadas conforme NBR 6023/2023)
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Resolução n.º 23.732, de 27 de fevereiro de 2024. Dispõe sobre propaganda eleitoral, uso de IA e condutas proibidas. Brasília, DF: TSE, 2024.
BRASIL. Senado Federal – Senado Verifica. Relatórios e análises sobre desinformação e eleições. Brasília, DF, 2024.
G1. O perigo da ascensão das fake news geradas por IAs. Portal G1, Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: <www.g1.com>.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2023.
TSE – Tribunal Superior Eleitoral. Memorandos de entendimento com plataformas digitais para enfrentamento da desinformação no processo eleitoral. Brasília, DF, 2023–2024.
A Editora OAB/PE Digital não se responsabiliza pelas opiniões e informações dos artigos, que são responsabilidade dos autores.
Envie seu artigo, a fim de que seja publicado em uma das várias seções do portal após conformidade editorial.