Jessica Carias

Direitos pós-adoção: A licença-maternidade e seus desdobramentos jurídicos

Postado em 12 de novembro de 2025 Por Jéssica Carias Estudante do 2º período na FICR – Faculdade Imaculada Conceição do Recife, formada em História.

A adoção é, antes de tudo, um gesto de amor. Ela ultrapassa os laços biológicos e se firma na escolha de oferecer cuidado, afeto e um novo recomeço a quem precisa. Mais do que um ato jurídico, é uma decisão que transforma vidas — tanto a de quem acolhe quanto a de quem é acolhido. Adotar é abrir espaço no lar e no coração, é reescrever histórias interrompidas, e provar que família se constrói com laços de afeto e pertencimento, não apenas com herança genética.

Mesmo após décadas de avanços legais e sociais, a adoção ainda desperta sensibilidade e provoca reflexões na sociedade. O amor que nasce desse processo é capaz de curar feridas e ressignificar vidas, mas também enfrenta resistências e preconceitos que revelam o quanto ainda há a ser amadurecido. A criação de vínculos afetivos e o exercício da parentalidade adotiva continuam sendo desafiados por burocracias e interpretações equivocadas, que muitas vezes dificultam o pleno exercício dos direitos dos adotantes e das crianças.

No Brasil, o processo de adoção é cuidadosamente estruturado para garantir a proteção integral da criança e do adolescente. A lei exige uma série de etapas, como avaliação psicológica, social e econômica dos pretendentes, além do acompanhamento do desenvolvimento da criança após a adoção. Essas exigências têm o objetivo de garantir que o acolhimento seja seguro e responsável. Contudo, a burocracia em excesso pode ter o efeito contrário: ao invés de proteger, acaba por prolongar o tempo em que milhares de crianças crescem afastadas da convivência familiar.

A existência dessa burocracia tem uma razão legítima — assegurar que o processo seja conduzido de maneira ética e cuidadosa —, mas também precisa ser equilibrada. Em muitos casos, ela se torna um obstáculo que atrasa a realização do direito à convivência familiar, garantido pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que afirma ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente todos os meios para uma vida digna, livre de negligência, violência e discriminação (Silva, 2019).

Compreender o direito ao salário-maternidade após a adoção é reconhecer que a parentalidade adotiva possui o mesmo valor e as mesmas necessidades da parentalidade biológica. A chegada de uma criança exige tempo e presença, independentemente de laços de sangue. O período de afastamento garantido por lei é fundamental para que o adotante possa criar vínculos afetivos e acompanhar a adaptação do novo membro da família, sem comprometer sua estabilidade financeira.

Esse direito não é apenas uma formalidade; é uma forma de o Estado reconhecer que o amor e o cuidado não dependem de gestação, mas de dedicação e convivência. O salário-maternidade, portanto, representa uma conquista social que reforça a igualdade entre famílias biológicas e adotivas, garantindo apoio e segurança no momento mais delicado da formação familiar (Machado, 2019).

O benefício tem origem histórica no Decreto-Lei nº 5.452/1943 (CLT), que previa inicialmente 84 dias de afastamento. Em 1973, a responsabilidade passou ao sistema previdenciário, e, em 1991, a Lei nº 8.213 incluiu expressamente as mães adotivas, consolidando a equiparação entre gestantes e adotantes. O artigo 71-A da referida lei é claro:

“O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção, observado o período de 120 dias, independentemente da idade da criança.”

O texto legal ainda assegura que não há distinção de gênero, orientação sexual ou tipo de família, desde que o adotante seja segurado do INSS e possua guarda judicial regular (Gomes, 2018).

Apesar do amparo legal, muitos adotantes ainda enfrentam dificuldades no acesso ao benefício. Entre os problemas mais comuns estão a falta de informação, a interpretação restritiva da lei e a resistência de alguns empregadores ou órgãos públicos.

Um caso emblemático ocorreu no Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG), quando um técnico de enfermagem, em união homoafetiva, teve negado o pedido de licença-maternidade ao adotar um adolescente de 14 anos. A empresa alegou que apenas adoções de crianças com até 12 anos dariam direito ao benefício. A juíza relatora baseou sua decisão no artigo 392-A da CLT e reconheceu o direito ao afastamento de 120 dias, reforçando que a proteção da família não pode depender da idade da criança nem da forma de constituição familiar.

Esse julgamento marcou um avanço, pois reafirmou que a licença-maternidade é um direito social voltado à proteção da família, da criança e do adolescente, e não um privilégio de gênero. Também serviu como precedente para outros casos semelhantes, ampliando o reconhecimento da igualdade entre famílias adotivas e biológicas.

Os principais entraves enfrentados pelos adotantes não se resumem à burocracia, mas à falta de preparo e sensibilidade no atendimento público. Para mudar essa realidade, é essencial investir em:

  • Capacitação contínua de servidores;
  • Campanhas educativas sobre os direitos pós-adoção;
  • Atendimento humanizado, com foco na empatia e na efetividade da lei.

Com essas ações, será possível reduzir indeferimentos indevidos e garantir que a legislação cumpra sua função social: proteger o vínculo familiar e o bem-estar da criança.

Ter o direito à licença é essencial para que o adotante possa se dedicar à adaptação e à construção dos laços afetivos que dão sentido à adoção. É nesse tempo que o amor se transforma em convivência, que a confiança nasce e que a criança aprende a sentir-se parte de uma nova família. Reconhecer e garantir esse direito é, portanto, um ato de justiça social e de valorização da dignidade humana.

A adoção, mais do que um processo jurídico, é uma oportunidade de reconstruir histórias e oferecer novas chances de amor. Quando o Estado assegura igualdade de direitos entre quem gera e quem adota, ele reforça um princípio simples, mas poderoso: toda criança tem direito a uma família, e toda família tem direito à proteção do Estado (Figueiredo, 2020; Machado, 2019).

Como mãe adotiva — ou melhor, mãe afetiva, pois a adoção é, acima de tudo, um ato de amor e acolhimento — enfrentei diversos entraves durante o processo para garantir minha licença e pude constatar que o maior problema ainda é a falta de informação. Muitos servidores públicos não estão preparados para lidar com as particularidades da adoção, o que acaba gerando insegurança e atrasos no reconhecimento de direitos já garantidos por lei.
Diante dessa experiência pessoal, decidi escrever este artigo como uma forma de contribuir para o conhecimento público sobre os direitos pós-adoção, especialmente no que se refere à licença e ao salário-maternidade, buscando ampliar o entendimento e promover uma reflexão mais humana e justa sobre o tema.

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