Durante a elaboração da minha dissertação de mestrado entre 2004 e 2006, identifiquei uma lacuna grave na formação jurídica brasileira: a tentativa de resolver, no âmbito da graduação, tanto a formação acadêmica quanto a preparação profissional do bacharel em Direito. Esse modelo híbrido e desequilibrado, na prática, resultava em superficialidade teórica e fragilidade prática.
Como resposta, propus — inspirado no modelo da medicina — a criação da residência jurídica, uma etapa formativa pós-bacharelado, que promovesse a transição qualificada entre a formação universitária e o exercício profissional da advocacia.
“Defendíamos em publicações especializadas (entre elas a Revista da OAB/GO, abril de 1999) a criação de uma residência jurídica, onde os estudantes de Direito receberiam uma formação acadêmica, humana, generalista nos cursos de graduação saindo das faculdades diplomados com o bacharelado em Direito. Porém, sua formação profissional seria ofertada pela OAB, por meio da Escola da Advocacia, recebendo toda uma preparação profissional. Semelhante ao que existe na Medicina.”
Fui o primeiro pesquisador no país a sistematizar essa proposta em um estudo acadêmico. Minha tese era simples e ambiciosa: devolver à graduação sua função crítica e científica e entregar à OAB a missão de coordenar, com ética e rigor, a formação prática.
Quase vinte anos depois, a proposta começou a se concretizar em várias instituições. Hoje, a Defensoria Pública do RS, o TJ do Espírito Santo, a PGE do Amazonas e a ESA da OAB-PI já estruturaram seus programas de residência com ênfase em formação prática supervisionada e bolsas para bacharéis.
No Ministério Público de Pernambuco, a residência jurídica foi regulamentada pela Resolução PGJ nº 024/2023, com 15 vagas remuneradas para bacharéis em Direito, fortalecendo a qualificação profissional. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) também avançou na integração entre currículo e prática jurídica supervisionada em seus cursos.
Em 2018, a própria Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA-PE) instituiu seu Programa de Residência Jurídica voltado a jovens advogados. Com foco na prática supervisionada em escritórios parceiros, o programa oferece formação em captação de clientes, processo eletrônico, técnicas de negociação e oratória — preenchendo lacunas formativas que persistem após o bacharelado.
Essas iniciativas devem ser reconhecidas. No entanto, também exigem vigilância. Em alguns casos, a residência jurídica tem sido distorcida, funcionando como mecanismo de precarização de mão de obra barata e sem projeto pedagógico efetivo.
A residência jurídica não é um “estágio premium”, nem um artifício administrativo. Ela é — ou deveria ser — uma política de transição formativa estruturada, com supervisão qualificada, avaliação contínua e valorização dos residentes.
Ela soluciona dois grandes impasses: a desconexão entre teoria e prática e a pressão para que a graduação dê conta de todas as demandas do mercado. Com essa separação clara de fases, devolvemos à universidade sua missão crítica e à OAB o papel de curadora da prática profissional.
Como escrevi ainda em 2006: “sem a construção de um canal institucional entre OAB, MEC e universidades, os discursos continuarão se sobrepondo, e não se somando”. A residência jurídica é esse canal de convergência: entre teoria e aplicação, entre universidade e advocacia, entre formação e justiça.
Em 2025, a urgência é ainda maior. A formação jurídica precisa acompanhar os desafios do nosso tempo: tecnologia, desigualdade, conflitos sociais, ética digital e novos direitos. A residência jurídica não pode ser exceção. Precisa se tornar uma política pública nacional, sólida, ética e transformadora.
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